Edição 131
O processo de consolidação da indústria de gestão de recursos, que começou há pouco mais de três anos quando a onda de chegada de novas assets ao país começou a ser substituída pela onda das aquisições – principalmente da compra de pequenas por grandes assets –, está em plena ebulição. Do final do ano passado para cá já foram três aquisições, sendo uma feita pelo Itaú (BBA) e duas outras pelo Bradesco (BBV e JP Morgan Asset). E olhe que agora já não se trata da compra de pequenas assets, mas de nomes com peso no mercado e volumes significativos em carteira.
O BBA, por exemplo, aportou ao Itaú nada menos do que R$ 3,3 bilhões, enquanto BBV e JP Morgan levaram ao Bradesco cerca de R$ 9,5 bilhões em recursos sob gestão. Na fila das aquisições, aguardando comprador, estariam ainda outros três nomes de estrangeiros, os italianos BNL e Sudameris e o norte-americano Bank of America, cujas vendas o mercado considera apenas uma questão de tempo. Aliás, especialistas no mercado de assets afirmam de forma unânime que o processo de consolidação tende a prosseguir.
Mas, afinal, porque essa onda tem sido a marca do setor nos últimos anos? Para a maioria dos analistas, a explicação básica estaria nas altas taxas de juros praticadas na economia. Afinal, com taxas de juros acima de 20% ao ano, o melhor produto que se pode oferecer ao cliente é exatamente títulos do governo federal, que pagam bem e não carregam risco. E, para oferecer esse tipo de produto, não é preciso ter especialização.
Por conta disso, as taxas de administração de fundos e carteiras de renda fixa despencaram nos últimos anos, principalmente entre os clientes institucionais. Embora não seja a regra, há fundos de pensão remunerando o gestor com taxas abaixo de 0,1% ao ano, para carteiras de fundos DI. Um levantamento da empresa Mercer Investment Consulting, feito no final do ano passado com 102 fundações de variados portes, mostra que a remuneração média das carteiras de renda fixa ficou em 0,43% ao ano em 2002. Nas carteiras de renda variável, a remuneração média foi de 0,60% ao ano.
Sem especialização – O pensamento dos dirigentes de fundações é que, para comprar títulos do governo, não é preciso ter especialização. Eles próprios podem fazer isso ou, se optarem por um gestor externo, esse terá que se contentar com taxas muito baixas. Outro lado perverso da política de juros altos do governo é que ela inibe o crescimento de outras modalidades de investimento, principalmente na área de renda variável, nas quais a especialização exigida das assets poderia resultar em taxas de administração mais atraentes.
Entretanto, como as aplicações em renda variável não crescem, algumas assets que tinham vocação para esse segmento, como o Bozzano, Simonsen, a corretora Banespa, o Lloyds, o Icatu, a UBS e a Fleming Graphus, entre outras, também acabaram na dança das aquisições. O Bozzano, Simonsen e o Banespa foram comprados pelo Santander, o Lloyds Asset e o Icatu (depois BBA Icatu) foram comprados pelo Itaú. O Fleming foi comprado pelo Chase, que posteriormente foi absorvido pelo JP Morgan, que agora virou Bradesco, e o UBS foi comprado pelo Banco BNP Paribas.
Em consequência, empresas que viviam desse mercado estão revendo suas estratégias para o Brasil. Uma delas é a Barra, empresa de desenvolvimento de sistemas de risco em renda variável. A Barra chegou ao Brasil há cinco anos, cercada de uma grande expectativa. Achava-se que ela iria tomar o mercado de programas e tecnologia de investimentos em renda variável. “Esse mercado não cresceu nos últimos cinco anos, ao contrário, diminuiu”, diz o diretor responsável pela Barra no Brasil, Fernando Lifsic.
Em função dessa redução nos negócios de renda variável e da concentração das assets, a Barra está buscando um novo rumo para sua atuação no Brasil. Lifsif está mudando-se para Londres, onde irá cuidar de grandes clientes, assumindo em seu lugar Paula de Faro, que era sua assistente. Ela será a responsável pelo lançamento de um novo sistema via internet para investimentos em renda variável, que embora seja mais barato que o convencional pode ser a saída para a empresa nesses tempos bicudos.
De acordo com Lifsic, o mercado de renda variável e de produtos alternativos de investimentos só ficará atraente quando as taxas de juros caírem. Ele cita como exemplo o caso do México, outro país latino-americano que estava sob sua responsabilidade na estrutura da Barra, onde as taxas de juros caíram de 17% a 18% há um ano para 6% a 7% hoje. “Lá, com a nova situação, os negócios com renda fixa caíram muito e o mercado que mais tem crescido é o das assets especializadas”, diz Lifsic.
Faltou Reforma – Além disso, há um outro fator que pesou na decisão de muitas assets de fecharem as portas do seu negócio no Brasil. Elas aportaram por aqui, nos últimos anos, cheias de entusiasmo com a possibilidade de uma reforma da previdência que, se tivesse ocorrido, teria canalizado centenas de bilhões de reais para produtos de investimento e de previdência. Com a interrupção do processo de reforma no governo Fernando Henrique, elas acabaram frustradas em suas expectativas. Curiosamente, a reforma que esperavam pode estar chegando agora, exatamente quando muitas já jogaram a toalha.
“A expectativa dos investidores com relação ao Brasil era muito mais positiva há dois ou três anos”, diz Lifsic. “Hoje, com a crise da América Latina, eles estão muito mais interessados nos Estados Unidos, Europa e Ásia”, explica. Além dessa questão, um outro dado que não pode ser ignorado é que a consolidação da indústria de gestão de recursos não é uma particularidade brasileira. Ela é global. “No mundo todo, os grandes estão comprando outros em busca de escala”, diz Lifsic.
A indústria de gestão de recursos é um ramo muito volátil, onde as posições mudam muito rapidamente. Compra de outras assets tem sido uma das formas prediletas de galgar posições nesse mercado. Da lista dos dez maiores gestores de recursos dos EUA no ano de 2000, oito não apareciam na lista de 1990. Isso quer dizer que, num espaço de dez anos, oito gestores menores saltaram para a lista das 10 maiores, enquanto oito que lá estavam desceram para posições inferiores (ver quadro).
“A concentração de assets está acontecendo no mundo todo. No Brasil, a concentração tende a continuar”, avalia o diretor da Mercer Investment Consulting, Lauro Araújo. De acordo com ele, uma das razões é a falta de produtos diferenciados entre elas, uma vez que todas praticamente estão concentradas em produtos de renda fixa. Como as margens são baixas, quem não vê perspectiva de crescer acaba procurando um comprador.
De acordo com Araújo, vários nomes do mundo do investimento têm procurado a Mercer nos últimos anos para sondar as oportunidades do mercado brasileiro. No ano passado, ele próprio conversou com duas assets e três outras empresas da área de investimento, mas não ligadas à administração de carteiras. Ao final das conversas, nenhuma mostrava algum interesse de vir para o Brasil. “Eventualmente, se pudessem vender produtos globais para as fundações daqui, talvez a coisa fosse diferente”, diz Araújo.
Essas empresas mostraram-se surpresas com a ausência de um mercado de produtos mais sofisticados, feitos por gestores especializados. “Depois, quando tomaram contato com as nossas taxas de juros, entenderam porque esse mercado de gestores especializados quase não existia”, diz.
As poucas assets de produtos especialistas que existem não conseguem trabalhar para os clientes institucionais, que pagam taxas muito baixas. Acabam optando pelos clientes private, que pagam taxas mais generosas, total ou parcialmente. É o caso de nomes como Hedging-Griffo, Fama, ARX, IP e Dynamo. “Não dá para serem focadas em institucionais, elas não sobreviveriam”, diz Araújo.
Lei conservadora – Além do desestímulo das altas taxas de juros, a atual legislação do sistema é outro aspecto que força os fundos de pensão a optarem por produtos conservadores. “Os fundos precisam se enquadrar à lei, e a lei empurra para produtos conservadores”, diz Marcelo Rabbat, da consultoria Prandini & Rabbat. Ele também lembra que cresce a tendência das fundações de fazerem Asset Liability Management (ALM), casando seus ativos com os seus passivos, o que acaba tornando o investimento muito direcionado e com pouca margem de manobra. A conseqüência são taxas menores, também.
Apesar disso, timidamente começa a surgir uma tendência de se fazer mais produtos alternativos, como os fundos de recebíveis, os fundos imobiliários e os fundos de private equity, além da busca por debêntures conversíveis. “Esse mercado começa a apresentar uma boa dinâmica”, lembra Rabbat. Para ele, o mercado de bolsas só vai retomar quando a taxa de risco Brasil cair e quando as práticas de boa governança corporativa das empresas melhorarem.
Para o consultor Alexandre Póvoa, as taxas de juros são mesmo a grande vilã da história. Sem conseguir ganhar dinheiro no Brasil, várias assets que atuavam somente no mercado de atacado tomaram a decisão de deixar o país depois do episódio da marcação a mercado, em meados do ano passado. “Ninguém consegue trabalhar sem o varejo no Brasil, que dá as margens maiores que subsidiam o atacado”, diz.
Para Póvoa, o mercado de gestão de recursos deve se concentrar ainda mais. Ele acha que só assets com mais de R$ 7 bilhões em carteiras, sem varejo, agüentam ficar no mercado. “Não dá para sobreviver com menos que isso”, afirma.
Para muitos, a surpresa tem sido o apetite do Itaú e do Bradesco em comprar essas instituições que resolveram jogar a toalha. Para quem achava que esses dois bancos nacionais estavam condenados a definhar depois da chegada dos bancos estrangeiros, há cerca de quatro ou cinco anos, a demonstração de força que estão dando é impressionante. Eles estão aproveitando as dificuldades dos outros para irem às compras.
Aquisições de gestores
Vendido / Comprador
Alliance / Bradesco
Bandeirantes de Investimentos / Unibanco
Banespa Corretora / Santander
BBA Investimentos / Itaú
Bozzano, Simonsen / Santander
Cidade Asset / Bradesco
Credibanco / Unibanco
Deutsche Asset Management / Bradesco
Dresdner Asset Management / ABN AMRO
Finasa / Bradesco
Fleming Graphus / Chase Manhattan
Icatu / BBA
ING / Sul América
Inter American Express / BNP
Itaú Bankers Trust / Itaú
Liberal Asset Management / Bank of América
Lloyds Asset Management / Itaú
Matrix / Itaú
Patrimônio / Chase Manhattan
Pictet Modal / BNP
Síntese / Itaú
UBS / BNP
10 Maiores Gestores dos EUA – 2000 – US$ (bilhões)
1 Fidelity 956.0
2 Barclays Global 782.6
3 State Street Global 672.4
4 Capital Group 558.1
5 Merrill Lynch 557.3
6 Mellon Financial 463.6
7 Axa Financial 462.7
8 Morgan Stanley / Dean Witter 419.9
9 Citigroup 419.2
10 Putnam 391.3
10 Maiores Gestores dos EUA – 1990 – US$ (bilhões)
1 American Express 157.2
2 Prudential Insurance 156.3
3 Bankers Trust 114.8
4 Equitable 110.3
5 Fidelity 108.8
6 Merrill Lynch 100.7
7 Wells Fargo 92.8
8 Metropolitan Life 89.4
9 JP Morgan 81.4
10 TIAA-CREF 80.8