A securitização do papel rural | Banco Fibra é a primeira institu...

Edição 158

Montar uma operação financeira com lastro em títulos rurais exige mais do que uma calculadora HP-12C. Arregaçar as mangas e visitar alqueires produtivos Brasil afora não é negócio para todo banco. Mas pode ser para os pequenos e médios que, sem a estrutura dos maiores – repletos de depósitos à vista e presos à rotina operacional –, vêem no agronegócio uma importante janela de captação. O Banco Fibra que o diga. Mal montou uma área para estruturar operações com os novos “papéis do campo” e já se tornou, em abril, o primeiro banco privado a lançar uma Letra de Crédito Agropecuário (LCA) – título lastreado nas Cédulas de Produto Rural (CPR) e regulamentado pelo governo na virada do ano.
Mesmo pequena, a primeira tranche de R$ 5 milhões em LCA de pecuária emitida pelo Fibra foi completamente absorvida por um único investidor – e estrangeiro. A operação, com prazo de seis meses, renderá ao detentor do papel entre 104% e 105% do Certificado de Depósito Interfinanceiro (CDI). Segundo o superintendente-executivo de agronegócios do Banco Fibra, Moacir Teixeira, outras duas emissões estão na boca do gol: uma de R$ 15 milhões em LCA de açúcar com prazo de três anos e outra de R$ 100 milhões com lastro em CPRs de amendoim e de algodão com vencimento ainda indefinido. Estes papéis são destinados aos investidores institucionais, em especial fundos de pensão.
Não era para menos. A Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc) já sugeriu ao Conselho Monetário Nacional (CMN) que a Resolução 3.121 passe a permitir que as fundações comprem LCAs com aval bancário ou com seguro. Este último é o caso do Fibra. Garantida pela UBF e com resseguro da Munich Re e da Swiss Re, a LCA chega ao investidor com risco melhor do que o do próprio emissor – até porque o papel é imediatamente segregado de seu balanço ficando em uma conta de cessão fiduciária, tal qual ocorre em uma operação de securitização de recebíveis. Isto faz com que em uma situação de estresse, como a quebra de um banco, os papéis sejam garantidos pela seguradora (que recebe de 1,5% a 2% da emissão) ou, em último caso, pela resseguradora.
Para o banco emissor da LCA, a operação é um alívio contábil. Primeiro, porque ela não pesa no índice de Basiléia e, segundo, porque não há a retenção do compulsório de 15% para depósitos à vista, nem o desconto de 0,25% ao mês para o Fundo Garantidor de Crédito (FGC). Essas desonerações implicam em uma melhor margem de lucro para o banco e/ou em um maior ganho para o investidor, que também se vê livre de pagar o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). Segundo Teixeira, o ganho para o banco com a estruturação do “CDB caipira”, como vem sendo chamada a LCA, varia de 2,5% a 4% ao ano, o que, segundo ele, é muito bom para um banco de médio porte. “Para o produtor também é atrativo porque ele não toma capital de giro nesse preço em lugar algum”, diz.
As LCAs emitidas pelo Fibra serão registradas na Câmara de Liquidação e Custódia (Cetip), o que permitirá a negociação dos papéis no mercado secundário. Mais do que isso, diz o superintendente de produtos da Cetip, Jorge Sant’Anna: “não há meio de se emitir uma LCA sem o equivalente lastro em CPR, uma vez que fazemos esse controle e bloqueamos as CPRs no nosso sistema”. Isso é fundamental para os potenciais investidores entrarem nesse mercado, até porque, até agora, eles estão ressabiados com o “papel do campo” devido às operações irregulares feitas com CPRs no Banco Santos (veja box). Não é à toa que o Fibra sai com uma emissão de LCA com classificação de risco, segregação fiduciária, seguro, resseguro, registro na Cetip e com a figura do off taker, que é o comprador que se compromete a comprar a produção do agricultor ou pecuarista.

Mercado – Equalizada a demanda, oferta não deve faltar. Segundo estima o superintendente de agronegócios do Banco Fibra, Celso Augusto Gamboa, existem entre R$ 15 bilhões e R$ 18 bilhões de CPRs de gaveta nas mãos de empresas não financeiras, as chamadas tradings ou revendedoras de insumo. Além disso, lembra Sant’Anna, da Cetip, o crescimento do agronegócio brasileiro tem sido superior à capacidade do governo de ofertar crédito. “Daí temos duas saídas: ou se dá subsídio ao setor ou se busca intermediação do mercado de capitais, como faz todo país desenvolvido”. Sendo a solução via mercado, a primeira conseqüência deverá ser a redução das taxas cobradas ao produtor. Isto porque, até então, mais de 70% das CPRs emitidas estão com as tradings.
Estas, no ínicio, eram só revendedoras de insumo. Compravam e vendiam. Até perceberem que podiam evitar problemas com logística e armazenagem e faturar mais se financiassem todo o processo, do que se apenas atuassem na ponta do insumo. “Elas” são principalmente o que o mercado chama de banco ABCD; em referência às iniciais das multinacionais ADM, Bunge, Cargill e Dreyfus. Empresas como essas tomam dinheiro a Libor mais 1% a 2% e repassam ao produtor ao custo local, que em geral tem sido dólar mais 12%. Dessa forma, o ganho chega a 9% ao ano – que é quase o dobro do que os bancos devem cobrar ao entrarem nesse mercado.
Para alívio delas, por ora e além do Fibra, apenas o Banco do Brasil (BB) estruturou LCAs. O banco público tem feito leilões desses papéis, em lotes de R$ 10 milhões a R$ 12 milhões, que saem, em média, a 102% do CDI. O BB é o principal agente financiador do agronegócio no País e tem uma carteira de R$ 30 bilhões em operações rurais e cerca de R$ 2,5 bilhões em CPRs à disposição na tesouraria para lastrear os novos títulos do agronegócio. Resta saber se o investidor institucional já abandonou o fantasma das CPRs do Banco Santos. A julgar pela pressão que as fundações tem feito na Previc para que os papéis do agronegócio passem a figurar no rol de seus investimentos, esse episódio, definitivamente, ficou para trás.

CPRs do Santos: nó em pingo d’água
Não foi um golpe de mestre, até porque inúmeros brasileiros recorrem a esse expediente desde a invenção do sistema financeiro. Mas certamente é uma das traquinagens mais difíceis de serem descobertas, como diz o próprio Banco Central (BC). A bicicleta financeira exige, no mínimo, habilidade. Para uma pessoa comum, ela consiste em pegar empréstimo em um banco, depois em outro para pagar o primeiro, em outro para pagar o segundo, em outro para pagar o terceiro, e assim por diante. Para Edemar Cid Ferreira, dono do Banco Santos, essas pedaladas, no entanto, foram um pouco mais estruturadas.
No caso das CPRs, Edemar trabalhava com uma empresa não-financeira – em geral, dele próprio. Essa empresa contatava um “produtor” rural que, em sua maioria, não plantava nem capim. Este “produtor” ganhava de 0,5% a 1% do valor da suposta produção apenas para emitir uma CPR – ou seja, esse era o prêmio pelo aluguel de seu nome. Junto a esse título era emitido outro documento, que continha uma cláusula de arrependimento. Esta cláusula permitia que tanto o comprador da CPR quanto o emissor desistissem da operação em até seis dias antes de seu vencimento. Em outras palavras, a empresa se desonerava de pagar os outros 99% a 99,5% do valor do contrato e o produtor se via livre de entregar a “produção”, ficando com seu prêmio.
Muito antes, essa CPR era vendida para o Banco Santos. Os papéis caíam direto na tesouraria do banco, cobrindo, assim, outros ativos insubsistentes por ele emitidos – já que as CPRs lhe eram repassadas pelo valor cheio. Assim Edemar “bicicletava” sob os olhos do BC. Com CPRs, Export Notes e quaisquer “ativos” que Edemar pudesse criar. Em alguns casos, diz uma fonte do BC diretamente ligada ao processo de intervenção do Santos, o banco de Edemar nem recorria à “terceirização” do serviço. O próprio departamento comercial emitia as CPRs – bastando que alugasse o nome de um “laranja”. Houve casos, ainda, em que o produtor até era “real”. Plantava. E certamente entrou na operação atraído pelo alto valor prometido como pagamento de sua produção.
Edemar fez isso com mais de R$ 400 milhões de CPRs e com cerca de R$ 60 milhões em Export Notes, que estão em tesouraria – valores esses verificados na intervenção, pois fonte extra-oficial informa que o Santos chegou a girar R$ 1 bilhão com CPRs. Já os cerca de R$ 100 milhões desses “papéis do campo” presentes nos fundos de investimento da instituição – e que foram estruturados com seguro-garantia e registro na Cetip – ainda não deram default. Estão sendo quitados, conforme a fonte do BC informou à Investidor Institucional. Daí a importância dos mitigantes de risco. O mais importante deles, porém, nenhum economista conseguiu criar: a proteção contra Edemares, pois como já alertava o ex-governador de São Paulo, Mário Covas, “esse Edemarzinho dá nó em pingo d’água”.

Os papéis do agronegócio autorizados pela Lei 11.706, de 30 de dezembro de 2004
CDA – Certificado de Depósito Agropecuário
Emissor – emitido pelo depositário
Função – representa uma promessa de entrega de produtos agropecuários, seus derivados, depositados em um armazém
Formato – antes do registro no sistema de liquidação financeira de ativos, o título é cartular. Depois, passa a ser escritural ou eletrônico
Garantia – deve ser necessariamente securitizado, inclusive é exigido que na própria cártula conste a identificação do segurador do produto e do valor do seguro

WA – Warrant Agropecuário
Emissor – emitido pelo depositário
Função – representa a concessão de um direito de penhor sobre o produto descrito na CDA
Formato – antes do registro no sistema de liquidação financeira de ativos, o título é cartular. Depois, passa a ser escritural ou eletrônico
Garantia – deve ser necessariamente securitizado, inclusive é exigido que na própria cártula conste a identificação do segurador do produto e do valor do seguro

CDCA Certificado de Direitos Creditórios do Agronegócio
Emissor – emitido exclusivamente por cooperativas de produtores rurais e outras pessoas jurídicas que exerçam a atividade de comercialização, beneficiamento ou industrialização de produtos e insumos agropecuários ou de máquinas e implementos utilizados na produção agropecuária
Função – representa uma promessa de pagamento em dinheiro
Formato – registrado no sistema de registro e de liquidação financeira de ativos e fica custodiado em instituições financeiras
Garantia – confere direito de penhor sobre os direitos creditórios a eles vinculados, mas poderão contar com garantias adicionais, reais e fidejussórias

LCA – Letra de Crédito do Agronegócio
Emissor – emitido exclusivamente por instituições financeiras
Função – representa uma promessa de pagamento em dinheiro
Formato – deve ser registrada e pode ser custodiada
Garantia – confere direito de penhor sobre os direitos creditórios a eles vinculados, mas poderão contar com garantias adicionais, reais e fidejussórias

CRA – Certificado de Recebíveis do Agronegócio
Emissor – emitido exclusivamente por companhias securitizadoras de direitos creditórios do agronegócio
Função – representa uma promessa de pagamento em dinheiro
Formato – tem forma escritural e é registrado
Garantia – podem ter garantia flutuante, mas não impedirá a negociação dos bens que compõem esse ativo

Fonte: Investidor Institucional