Edição 211
Chances de ganho na Bolsa em 2010
A análise dos mercados domésticos ao longo de 2009 é atípica para observadores que vivenciaram os impactos de crises internacionais recentes na economia brasileira. Diferentemente do que ditava o senso comum, houve uma mudança na perspectiva da crise. Aos poucos, o foco do debate migrou do grau de contágio da turbulência internacional para questões relacionadas à sustentabilidade de crescimento, ao aumento do crédito doméstico e à redução do desemprego e da desigualdade social.
Um olhar prospectivo sobre o mercado acionário, portanto, deve concentrar-se nessas questões, obviamente sem desconsiderar o pano de fundo dos mercados internacionais e as especificidades de cada segmento.
Em 2009, a valorização do mercado de ações foi surpreendente, de 82,75% – ou 143,91%, se levada em conta a valorização em dólares.
Este resultado ganha relevância se considerado que o Ibovespa chegou ao piso de 36.234 pontos em março, atingindo a máxima de 69.349 pontos em dezembro. Merece destaque a participação do investidor estrangeiro, que assegurou ingressos líquidos sistemáticos na Bolsa, acumulando resultado de US$ 20,5 bilhões no ano.
Diante desse desempenho, a questão que se coloca é o que esperar do mercado acionário para 2010. A consolidação da avaliação positiva em relação à economia do País e a obtenção de taxas de retornos atrativas em 2009, bem acima das observadas em outras praças, levam a crer que os investidores estrangeiros continuarão a direcionar-se para o mercado brasileiro, sustentando parte da demanda por ações.
De toda forma, de modo geral, as alternativas de investimento no mercado brasileiro no decorrer de 2010 serão definidas não somente pelo ritmo de recuperação da economia mundial, mas também pelo descolamento esperado do desempenho das economias emergentes, em particular as do Brasil e da China. A previsão do Banco Mundial para a economia global é de uma taxa de crescimento moderada – da ordem de 2% –, que considera que os países em desenvolvimento deverão atuar como uma poderosa alavanca nessa recuperação. A estimativa para a China é de um crescimento robusto em 2010, da ordem de 8,7%, em função dos significativos volumes de recursos injetados na economia pelo governo chinês. Tal cenário sinaliza a manutenção de uma forte demanda para produtos brasileiros, em especial commodities, entre as quais minério de ferro, celulose, soja, açúcar e petróleo.
O direcionamento da demanda externa, por um lado, e o fôlego demonstrado pelos condicionantes internos da economia brasileira, por outro, certamente serão os fatores que delinearão as oportunidades no mercado acionário em horizontes de mais longo prazo. A curto prazo, porém, esses elementos podem trazer riscos intrínsecos de volatilidade, somados a potenciais pressões sobre preços e à possibilidade de reversão do direcionamento da política econômica, além das incertezas políticas de um ano com eleição presidencial.
Em sua última reunião em 2009, o Comitê de Acompanhamento Macroeconômico da Anbima, integrado por economistas de diversas instituições, ratificou a previsão do governo brasileiro de uma forte aceleração do crescimento econômico no próximo ano – a projeção é de variação de 5,2% para o PIB. Não obstante, as estimativas do Comitê para a inflação em 2010 ainda apontam na direção de alinhamento das metas definidas pelo governo (4,5%), não sendo identificadas fontes importantes para desvios representativos. A perspectiva é de que os preços administrados contribuam para o resultado, e que a taxa de câmbio, com comportamento relativamente estável, não represente risco adicional à trajetória dos preços.
Pelo lado das contas públicas, há indícios de que a política expansionista deve ser mantida, sem, contudo, comprometer a solvência do governo a curto e médio prazos. Assim, frente ao forte crescimento esperado da demanda agregada, a questão crítica em debate refere-se à postura do Banco Central diante do rápido estreitamento da diferença entre produto efetivo e potencial. O maior risco para a economia brasileira em 2010, portanto, estaria na administração do sucesso representado pela retomada do crescimento econômico, principalmente com relação ao equilíbrio das contas públicas e à manutenção do controle da inflação.
Embora haja riscos de curto prazo, as perspectivas para o mercado acionário são positivas, tendo em vista a retomada do crédito e os investimentos programados para o próximo ano. A médio prazo, os segmentos voltados para o mercado doméstico demonstram maior potencial de crescimento, devido a fatores como a política econômica expansionista, a recuperação sistemática da massa salarial e do nível de emprego e – por fim, mas não menos importante – a solidez do Sistema Financeiro Nacional.
No que se refere à política econômica, os destaques são o baixo patamar dos juros e iniciativas como o PAC – Programa de Aceleração do Crescimento, lançado em janeiro de 2007, e que prevê inversões de recursos públicos em infraestrutura até 2010. Quanto à solidez do sistema bancário brasileiro, a expectativa é a de que, em 2010, passados os principais temores dos reflexos da crise financeira internacional, deve-se observar uma maior competitividade na oferta de crédito. E tudo indica que o setor privado ampliará sua presença no segmento, complementando o esforço contracíclico de concessão de crédito empreendido pelos bancos públicos em 2009 para fazer frente aos efeitos contracionistas da crise financeira sobre a economia real. O crescimento do crédito bancário nos últimos dois anos foi extraordinário, passando de 34,2 % para 45,9% do PIB entre dezembro de 2007 e outubro de 2009. Nesses dois últimos anos, à exceção do setor rural (31,8%), observa-se uma taxa de expansão superior a 40% em diversos setores, em especial no de habitação, no qual a variação atingiu quase 100% no período – foi, de longe, o setor em que a oferta de crédito mais cresceu em 2009.
Assim, com base na força da demanda interna, um dos setores que podem se apresentar como fonte de oportunidades parece ser o imobiliário. Vale lembrar a criação do Programa “Minha Casa, Minha Vida” cujo objetivo é facilitar o acesso à casa própria para famílias com renda de até dez salários mínimos e reduzir o déficit habitacional do Brasil. Também já é possível observar o aquecimento dos negócios envolvendo imóveis para as classes média e alta, tanto pelo aumento da demanda quanto do crédito.
Além disso, o limite do valor do imóvel para uso do Fundo de Garantia passou de R$ 350 mil para R$ 500 mil, e os prazos de financiamento ficaram mais longos. Note-se que, neste setor, grande parte do funding advém da Caixa Econômica Federal, o que configura uma forma de blindagem ante a possibilidade de elevação da Taxa Selic em 2010.
Outro setor que deve beneficiar-se dos bons condicionantes internos certamente é o de varejo, que, entre outros fatores, conta com o benefício fiscal da redução do IPI para estimular a venda de bens duráveis (veículos e eletroeletrônicos) e com os reflexos da Copa do Mundo – embora, ao que tudo indica, tais eventos já estejam precificados pelo mercado.
Finalmente, o impacto das commodities deverá ocorrer de maneira diferenciada, conforme o segmento, com destaque para a mineração, que deve contar com a forte demanda advinda da China, de consumidores de economia desenvolvida em recuperação e do próprio mercado interno. No que se refere à siderurgia, embora seu desempenho tenha forte correlação com o que ocorre no mercado internacional, é necessário levar em conta os efeitos da demanda interna, especialmente a procura por aço plano, pelas indústrias automobilística e de eletroeletrônicos, e longo, por parte da indústria de construção civil – que, em ano eleitoral, além da demanda relativa a habitação, deverá refletir os maiores gastos públicos em infraestrutura. No segmento do petróleo, o desempenho tende a manter- se bastante atrelado à demanda, à variação de preço no mercado internacional e à consolidação do marco regulatório, devendo-se considerar a possibilidade de que eventos associados à capitalização da Petrobras adicionem volatilidade a curto prazo. Por fim, apesar das perspectivas positivas para o mercado acionário em 2010, o investidor deve estar atento aos indicadores macroeconômicos internos e externos, bem como ao desempenho setorial da economia doméstica, optando por empresas que apresentem não apenas trajetória de crescimento, mas também boa governança.
Marcelo Giufrida é presidente da Anbima – Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais