Edição 211
Brasil: crescimento de forma equilibrada
A sincronia das políticas expansionistas dos Estados Nacionais foi determinante para cessar a contração da economia mundial perante a crise financeira e a retomada do crescimento vem se apresentando de forma heterogênea entre países emergentes e desenvolvidos. As economias do G7 sofreram o maior impacto das últimas décadas e a reversão completa das ações de estímulo só se dará após recuperação mais robusta do emprego. No entanto, o custo das ações anticíclicas elevará acentuadamente as dívidas públicas e, para conter a deteriorização fiscal, serão necessários ajustes que limitarão o crescimento do mundo desenvolvido nos próximos anos.
Diante desse contexto, é de se esperar que países emergentes continuem a atrair fluxos comerciais e financeiros. Ao contrário dos países ricos, os BRICs têm perspectiva de queda da dívida pública e melhora de outros indicadores macroeconômicos. E o principal pilar de sustentação do crescimento destes países vem sendo o aumento da demanda doméstica, a partir da inclusão de milhões de pessoas à economia. Aqui no Brasil, para se ter uma idéia desse movimento vigoroso, trinta e um milhões de brasileiros ascenderam de classe dilatando a base de consumo e contribuindo preponderantemente na superação da crise. O aumento da massa real de salário e da disponibilidade de crédito propiciou a elevação sem precedentes do consumo de bens duráveis e semiduráveis, o que acelerou a recuperação dos setores de nossa indústria frente à crise.
Tal cenário se confirma examinando o resultado do Produto Interno Bruto (PIB) do terceiro trimestre de 2009, que registrou crescimento de 1,3%, com alta em praticamente todos os setores industriais, tanto no que tange à produção física quanto ao que se refere à expansão de emprego. No desempenho do PIB trimestre a trimestre constata-se que a economia retomou a trajetória de ascensão e deverá permanecer crescendo acima das economias desenvolvidas nos próximos anos. Em novembro, por exemplo, mês tradicionalmente fraco para o mercado de trabalho, foram criadas 250 mil vagas formais, número recorde para o período, e a expectativa é que se encerre 2009 com 1,3 milhão de empregos gerados.
Outro dado positivo é que, embora o crescimento do 3º trimestre tenha ficado abaixo das estimativas, este veio acompanhado de forte elevação do investimento da ordem de 6,5%, bem superior às expansões de 2% do consumo das famílias e de 0,5% do consumo do Governo.
Ou seja, o País está crescendo de forma equilibrada e deverá atravessar 2010 sem pressões inflacionárias, o que aumenta nossa convicção de que os juros podem continuar nos atuais patamares ou terem ainda mais cortes.
Nesse ponto, retomamos nosso argumento lançado recentemente em outro artigo quando discorremos o quão arraigado é o vício da sociedade brasileira em juros. Tal herança é verificada quando observamos a taxa Selic implícita na curva de juros projetada pelo mercado. Em 27 de novembro, por exemplo, o mercado “precificava” a elevação da Selic em 2010 em 4% e mais 0,5% em 2011, alcançando exagerados 13,25% ao fim de 2011. Para respaldar tal movimento seria necessário trabalhar com expectativa de inflação na ordem de 6% ao ano ou mais, o que parece bastante incoerente tendo em vista diversos fatores determinantes e favoráveis à estabilidade, como a perspectiva do câmbio ainda apreciado, o baixo risco de alta dos produtos da agroindústria, a provável redução de inflação de alimentos, as isenções de IPI que contribuem para a baixa dos preços industriais e o crescimento dos investimentos. Ou seja, não há cenário que justifique elevações da Selic, e lamentamos que “juristas” de mercado tão influentes na formação dos juros futuros insistam em construir falsos paradigmas técnicos, permitindo-nos, inclusive, inferir que seus interesses estão à frente aos do País.
Insistimos nesse argumento porque os juros são a principal variável para perpetuar um novo ciclo de crescimento e viabilizar forte deslocamento da poupança dos investidores institucionais (entre eles, os fundos de pensão) para investimentos ancorados nos setor produtivo, tão caros ao País.
Nos últimos meses de Selic a 8,75% ao ano, foi possível perceber a gradativa reorganização dos portfólios dos fundos de pensão, orientados agora para alternativas que vão além das aplicações em renda fixa concentradas em papéis da dívida pública, o que enxergamos como ótimo sinal.
Temos convicção de que o ambiente econômico do Brasil e o avanço do mercado de capitais continuam favoráveis para que os gestores dos fundos de pensão superem suas metas atuariais, a exemplo do que vinha ocorrendo antes de 2008 e tal como voltou a acontecer em 2009.
A bolsa brasileira se confirmou como uma das mais rentáveis no ano passado, obtendo desempenho superior aos dos demais países emergentes e do centro.
Há, também, um número grande de empresas pequenas e médias que vão ganhando corpo e passam a ser opção para receberem investimentos via setores do mercado de capitais que se consolidam e apresentam boas possibilidades de retorno, como a indústria de Private Equity e Venture Capital e os instrumentos de dívida para o crédito privado.
Surgem diversas oportunidades para capturar o potencial de capitalização e ganhos do mercado imobiliário nacional, com investimentos em imóveis comerciais, em logística, em shoppings e em hotéis, e nas alternativas importantes formadas pelos diversos bons projetos em infraestrutura, os quais, até que enfim, estão saindo do papel e devem se avolumar dadas as necessidades para viabilizar as realizações da Copa do Mundo de 2014 e das Olimpíadas de 2016, e que poderão ter os fundos de pensão como participantes.
Um exemplo deste novo tempo é o FI-FGTS, administrado e gerido pela Caixa Econômica Federal. Decorrido pouco mais de um ano do início de suas atividades, o FI-FGTS já destinou cerca de R$17 bilhões a projetos privados, muitos tidos até recentemente como inviáveis ou que não sairiam do papel. Aliás, é interessante lembrar quão intensa foram as reações contrárias à própria criação do referido Fundo, há dois anos. Agora, o desempenho do Fundo fala mais forte e desfaz os receios e críticas apressadas de ontem.
Hoje em dia poucos discordam que ocorreram avanços regulatórios e de organização institucional-financeira para as áreas de energia, petróleo e gás, indústria naval, telecomunicações, transportes, portos, construção civil e até em saneamento e infra-estrutura urbana, o que fomenta oportunidades para os Investidores Institucionais financiarem bons projetos com taxas de retorno satisfatórias, contemplando rigor técnico e riscos sob medida.
Em síntese, nesse novo cenário, de perspectivas promissoras para 2010 e para próxima década, colocam-se outros e novos desafios para os fundos de pensão. Haverá necessidade de aumentar a exposição a riscos para obter rentabilidade, condição que estimulará o mercado de capitais a formatar produtos compatíveis respeitando os incentivos legais corretos, conforme nova Resolução do CMN nº 3.792 que passa a flexibilizar os limites de investimentos nestes termos.
Mas haverá a necessidade de superar desafios de outra ordem, como a importância fundamental do respeito ao contrato previdenciário, a consolidação e estruturação da Previc recém aprovada no Senado, o estabelecimento de canais de comunicação mais adequados aos participantes, inclusive com a disseminação de ouvidorias, e, fundamentalmente, a consolidação da governança corporativa dos fundos de pensão, colocando democraticamente no centro das decisões a patrocinadora, os empregados ativos e os aposentados.
Guilherme Narciso de Lacerda é presidente da Funcef