Edição 211
Ambiente econômico favorável no pleito
Apesar de todos os temores, o ano de 2009 foi muito melhor que o esperado. O grande esforço dos governos de países centrais, que implementaram políticas agressivas durante a crise, foi recompensado com a retomada da produção a partir do segundo semestre. No Brasil, a recuperação foi ainda mais rápida, com alguma possibilidade de que o país seja um dos poucos no mundo a apresentar variação positiva no PIB anual.
O que podemos então esperar para 2010 e qual o comportamento esperado nos mercados e provável impacto das eleições presidenciais no Brasil? No cenário internacional, 2010 deverá ser caracterizado pela retomada gradual do crescimento nas economias centrais, enquanto nos países emergentes a elevação do PIB deverá retomar níveis pré-crise. Na média, esperamos que o PIB mundial registre um crescimento ao redor de 3,5%.
O mercado financeiro, no entanto, dada sua característica “forward looking”, já incluiu esse cenário nos preços dos ativos ao longo de 2009 e agora está analisando como será a próxima fase: aquela na qual os governos terão de reverter as políticas ultra-expansionistas, especialmente na área monetária, na medida em que fique mais claro que o crescimento voltou. Assim, no exterior, a principal influência sobre os mercados deverá vir da provável mudança da postura dos bancos centrais. Como as pressões inflacionárias seguem contidas, esperamos que as autoridades monetárias reajam sem sobressaltos. Mas os mercados estão muito sensíveis a qualquer sinal de alteração no cenário e a volatilidade pode aumentar nos próximos meses.
No Brasil, entramos em 2010 com expectativas bastante positivas para a economia. O crescimento será liderado pelo consumo das famílias, beneficiado pelo aumento do crédito, queda dos juros e, mais recentemente, recomposição da massa salarial. Há também a retomada dos investimentos e o aumento dos gastos públicos sustentando a elevação da demanda doméstica. Assim, não será surpresa se a alta do PIB ultrapassar 5% neste ano.
Dessa forma, tudo indica que a eleição presidencial ocorrerá num ambiente econômico bastante positivo, fato que a diferenciará de praticamente todos os pleitos ocorridos desde 1994, última vez em que a escolha de um presidente se deu num cenário tão favorável. As eleições de 1998, 2002 e, com menos intensidade, 2006 ocorreram durante crises econômicas, o que minava o favoritismo do candidato governista. Por outro lado, pela primeira vez desde os anos 80, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não estará participando diretamente da eleição, o que leva ao questionamento sobre se haverá um herdeiro da sua popularidade ou se os eleitores procurarão novas alternativas.
Outro fator que merece destaque é a consolidação do arcabouço de política econômica – sob o consagrado tripé formado pela taxa de câmbio flutuante, meta de inflação e austeridade fiscal –, reconhecidamente a razão para a obtenção do “grau de investimento” em 2008 e um dos pilares do sucesso alcançado pela economia brasileira nos últimos anos.
Mudanças expressivas nesse arcabouço não virão sem custo, o que reduz a probabilidade de alterações bruscas.
Portanto, o cenário econômico positivo, a ausência de Lula dentre os candidatos e o reconhecimento de que as instituições econômicas estão corretas serão as características dessa eleição, embora não possamos descartar também as influências trazidas pela crise internacional. Nesse sentido, a piora da situação fiscal nos países desenvolvidos e o aumento da participação governamental ao redor do mundo podem ter algum efeito sobre as políticas econômicas dos países emergentes, com possível fortalecimento de uma postura mais intervencionista por parte dos governos.
Diversos nomes são cogitados como candidatos à presidência, mas as possibilidades seguem em aberto. Também não foram detalhados planos de governo ou diretrizes sobre a política econômica que os principais nomes adotariam. Ainda assim, já existem discussões sobre os principais tópicos econômicos que deveriam ser endereçados.
A meu ver, o principal deles está relacionado com o modelo de crescimento para o Brasil nos próximos anos. É consenso que existe a necessidade de elevar a taxa de investimento para crescer de maneira mais rápida, inclusive para atender aos compromissos com a Olimpíada, Copa do Mundo e com o Pré Sal (cujos gastos podem chegar a US$ 55 bilhões nos próximos 10 anos).
O financiamento desse aumento na taxa de investimento deveria vir de uma combinação de maior poupança doméstica e elevação do déficit em conta corrente. Mas, como o setor público gasta boa parte do orçamento com despesas correntes e investe pouco, poderemos nos tornar cada vez mais dependentes de financiamento externo para crescer de forma mais acelerada. Segundo projeções do Itaú Unibanco, o déficit em transações correntes poderá subir a 3% do PIB em 2010 (ante 1,2% em 2009) e ficar ao redor de 4,5% nos próximos anos. Num contexto internacional favorável, com alta liquidez e juros ainda baixos no mundo, esses déficits deveriam ser facilmente financiáveis, o que permitiria à taxa de câmbio permanecer ao redor do patamar atual. Mas, por diversas razões, como uma piora nas condições internacionais, esse cenário favorável poderia não se materializar, impedindo que a economia cresça como poderia. Assim, a discussão sobre a política fiscal e o modelo de crescimento que queremos para o Brasil deveriam ser prioridade.
No mercado de renda fixa, a principal influência em 2010 deverá vir da necessidade de se elevar a taxa básica de juros para evitar um possível surto inflacionário no final do ano ou início de 2011. Em alguma medida, os altos retornos oferecidos pelos contratos futuros de juros podem já estar associados ao temor de que o aumento da Selic seja postergado por questões eleitorais. No entanto, a experiência internacional aponta inexistência de influências dos ciclos eleitorais na política monetária.
Diferentemente da política fiscal, a política monetária é caracterizada por efeitos defasados, o que inviabiliza sua utilização na estratégia eleitoral.
Em vários países, os juros já foram elevados em anos de eleição presidencial, e no Brasil não deveria ser diferente. Mesmo porque seria muito pior correr o risco de ver a inflação subindo perto da eleição de novembro. Assim, imaginamos que o BC comece a elevar a taxa Selic em meados do ano, recolocando a taxa de juros real próxima do equilíbrio.
Por sua vez, o mercado de renda variável brasileiro teve uma recuperação extraordinária em 2009, voltando praticamente aos níveis pré-crise. A participação dos investidores estrangeiros nesse processo foi fundamental, com o total de recursos aplicados no mercado secundário atingindo R$ 20 bilhões em 2009, até o final de novembro, um recorde (e em ofertas públicas entraram quase mais R$ 20 bilhões). A demanda desses investidores por ações de empresas brasileiras refletiu a busca de opções frente aos baixos juros praticados ao redor do mundo – lembrando que empresas de países emergentes atuam em mercados que vêm mostrando uma recuperação mais rápida da crise internacional.
Agora, após essa relevante alta registrada em 2009, o Ibovespa parece ter chegado a um nível muito próximo do justo perante os fundamentos econômicos. Portanto, os ganhos que imaginamos para 2010 deverão ser bem mais moderados na comparação com o ano passado e estarão sujeitos às incertezas tanto do cenário internacional quanto da eleição presidencial.
Obviamente, as diversas combinações de todos os aspectos discutidos acima podem levar a diferentes desdobramentos para os mercados financeiros. Mas, de toda forma, vejo um Brasil mais maduro e que deve enfrentar muito melhor a eventual incerteza gerada pelo processo eleitoral.
Cenários como o ocorrido em 2002 têm pouca probabilidade de ocorrer.
Alfredo Setubal é vice-presidente de wealth management and solutions e de relações com investidores do Itaú Unibanco