Edição 201
No começo de 2008, quando os mercados ligados à área de transporte e autopeças estavam a todo vapor e o dinheiro entrava fácil no caixa da Randon, o fundador do grupo reuniu os filhos e os administradores para jogar um balde de água fria naqueles que porventura estivessem cogitando sugerir novos investimentos. “Vamos com calma minha gente, esse tal de subprime ainda pode trazer muitas surpresas”, avisou o octogenário Raul Randon com seu forte sotaque italiano.
Dito e feito. A empresa, maior fabricante de carretas e semi-carretas do País e terceira em faturamento no estado do Rio Grande do Sul, ainda conseguiu fechar o ano de 2008 com um faturamento bruto de R$ 4,55 bilhões, alta de 26,5% em relação a 2007, mas já sentindo no último trimestre do ano passado o que seria 2009. “Estamos projetando R$ 4 bilhões para este ano, sabemos que vai ser um ano muito difícil”, disse Raul Randon a analistas de mercado de capitais reunidos para receber os resultados da empresa. “Muitas empresas vão fechar o ano com prejuízos.” Ele montou a Randon junto com um irmão há 60 anos, inicialmente como uma oficina de reparação de motores e, mais tarde, construindo sistemas de freios para as carretas que trafegavam pelas serras gaúchas. No final dos anos 70, quando o Brasil ainda vivia a fase do Milagre Econômico (crescimento do PIB da ordem de 10% ao ano) e eles já produziam carretas, recebeu de seu diretor comercial um pedido para ampliar a produção. Recusou, pois não tinha confiança de que o milagre se sustentaria. “A economia ia bem, de vez em quando caía um pouco mas logo se recuperava”, explica. “Mas naquele começo dos anos 80 ela caiu e não voltou a subir, tivemos que pedir concordata”, lembra.
A empresa faturava então 12 milhões de cruzeiros, a moeda da época.
Com uma dívida de 5 milhões e sem caixa para continuar a produzir, teve que pedir concordata e negociar com cada credor a continuidade do fornecimento. A Usiminas, um dos credores que Raul Randon não esquece, concordou em continuar fornecendo aço em troca do recebimento de duplicatas. Outros fizeram o mesmo. No final de 1981 a Randon conseguiu um contrato de exportações para a África, no valor de US$ 10 milhões. Com isso, obteve do Banco do Brasil uma antecipação no valor de US$ 5 milhões, com a qual levantou a concordata.
As dificuldades dessa época entraram no DNA da Randon. No início do ano passado, quando a prosperidade parecia ilimitada, Raul Randon fez o alerta. “Estava uma euforia muito grande, parecia que tudo seria fácil e que o crescimento não iria terminar nunca. Eu fiquei preocupado e disse para a minha gente tomar cuidado”, relembra. “Não fizemos nenhuma loucura, escolhemos preservar o caixa.” Ele sabe, por já ter sentido na carne, que sem dinheiro em caixa não dá para manter a empresa lucrativa. Para este ano, mesmo com a queda na demanda, espera manter a rentabilidade da Randon nos patamares históricos dos últimos 10 anos, com um Ebtida entre 15% e 17% e um lucro líquido entre 6% e 7,5%. No ano passado, com a demanda lá em cima, o Ebtida ficou em 17% (R$ 520 milhões) e o lucro líquido em 7,6% (R$ 231 milhões), enquanto em 2007 esses indicadores foram de 15,4% (R$ 388 milhões) e 6,9% (R$ 173 milhões), respectivamente.
As receitas da empresa são provenientes, basicamente, de dois segmentos: autopeças e carretas/semi-carretas, sendo cerca de 50% de cada um. Na área de autopeças, a empresa atua através da sua controlada Fras-le (freios), que comprou em 1996 da família Stédile, dona da Agrale. A Previ participa do controle da Randon e da Frasle, nessa última direta e indiretamente, e a Petros participa apenas do controle da Frasle (ver pizza com as participações dos principais acionistas). No ano passado, os acionistas viram as ações da Randon despencarem 63,7%, encerrando o exercício a R$ 6,27. “Essa queda está de acordo com a realidade do mercado no ano passado”, avalia o diretor financeiro do grupo, Geraldo Santa Catharina. Segundo ele, a empresa não tem nenhum plano de usar o caixa de que dispõe para recomprar suas ações ao mercado.
Ele garante que a empresa irá manter seu programa de investimentos de R$ 130 milhões neste ano, que se resume às obras de finalização do campo de provas para pesados, término da fundição que fornecerá peças à Fras-le e outros projetos menores de manutenção e modernização de equipamentos. Porém, nenhum negócio novo deve ser iniciado. A palavra de ordem lá dentro, desde o início do ano passado, é cautela e preservação de capital.