Atrás do tempo perdido | Grupo de corretoras independentes busca ...

Edição 144

No ano passado, o foco era atrair a pessoa física para o pregão, aumentando a base de investidores em ações. Missão cumprida: a participação do investidor individual passou de 10% para quase 30% no total de negócios da Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa). O que falta agora é ter ações suficientes para oferecer a esses novos participantes. “Chegamos a um ponto em que há pessoas interessadas em comprar ações, mas não temos papéis para oferecer, além daquela meia dúzia que já conhecemos”, diz o sócio da corretora Coinvalores, Fernando Silva Telles. Nos últimos cinco anos, a Companhia de Concessões Rodoviárias (CCR) foi a única empresa a abrir o capital e fazer uma oferta primária de ações na Bovespa, especificamente no Novo Mercado – ambiente criado para companhias apenas com ações ordinárias.
Por esse motivo, a Bovespa e um grupo de sete corretoras independentes se uniram com o mesmo objetivo: atrair novas empresas para o pregão da bolsa. A meta é conseguir que companhias de pequeno e médio portes abram o capital e lancem ações, já que as grandes empresas brasileiras já são abertas. E as que ainda não são, com a melhora do cenário econômico naturalmente deverão vir a mercado levantar recursos para novos investimentos. É apenas uma questão de tempo. É o caso da Natura, que já entrou com pedido de oferta secundária de ações na Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
Segundo Telles, da Coinvalores, uma das corretoras que faz parte dessa força tarefa, dez empresas foram selecionadas como as primeiras potencialmente em condições para abrirem o capital. São companhias com faturamento anual entre R$ 50 milhões e R$ 300 milhões, de diversos setores e a maior parte já tem uma estrutura preparada para abrir capital, pois receberam investimentos de fundos de private equity. As emissões devem variar entre R$ 50 milhões e R$ 100 milhões. Telles garante que a primeira operação deve ocorrer ainda no primeiro semestre. “O mercado é muito psicológico. Após o primeiro caso de sucesso, muitas outras empresas virão na esteira, lançando seus papéis”, diz Telles.
Fontes envolvidas no processo afirmam que entre essas empresas selecionadas estão: Microsiga, CSU Card System e América Latina Logística (ALL). Todas essas companhias possuem fundos de private equity como acionistas e estão bastante avançadas no processo de abertura de capital. A ALL, inclusive, já entrou com pedido na Comissão de Valores Mobiliários (CVM) para uma oferta primária e outra secundária de ações. A Microsiga (empresa de software) também está totalmente preparada para, a qualquer momento, desengavetar o tão alardeado projeto de ingressar no mercado de capitais. A empresa prometia ser a primeira a pisar no Novo Mercado, mas acabou perdendo o gostinho da estréia para a CCR, que se prepara agora para fazer um aumento de capital.
De qualquer forma, não é à toa que o mercado vê a empresa de software como uma das mais bem preparadas, atualmente, para entrar no mercado acionário. Há três anos, faz sua contabilidade pelo padrão norte-americano (US Gaap), há sete anos tem o balanço auditado e a cada seis meses faz reuniões com pequenos grupos de potenciais investidores, entre fundos de pensão, investidores estrangeiros e gestores de recursos de terceiros. “Nestes encontros, explicamos para o mercado o que é a empresa, mostramos nosso planejamento e as ações concretizadas”, afirma José Rogério Luiz, vice-presidente financeiro da Microsiga.

Tamanho é documento – A empresa de software tem hoje faturamento próximo de US$ 50 milhões. Apesar de estar dentro do tamanho que a bolsa e as corretoras pretendem levar para o pregão, Luiz acredita que o calcanhar-de-Aquiles da Microsiga é exatamente o seu tamanho ainda modesto. Ele afirma que, para alguns investidores, ela ainda é considerada pequena. “Depois que as grandes empresas tirarem um pouco da ‘ferrugem’ do mercado de capitais, abre-se espaço para captações médias, como a planejada por nós”, diz o vice-presidente.
A superintendente de relações com empresas da Bovespa, Maria Helena Santana, confirma que existe esta resistência dos grandes investidores em comprarem papéis de pequenas emissões, com receio de ficarem com ativos que dificilmente ganhem liquidez no dia-a-dia dos pregões. “É uma visão equivocada e um tiro no pé dos próprios investidores, que acabam limitando o leque de opções de ativos dentro de suas carteiras”, diz. Ela lembra que no Brasil, os investidores não aceitam emissões abaixo de R$ 150 milhões, enquanto que nos Estados Unidos, na época do auge da Internet, algumas empresas de tecnologia chegaram a fazer ofertas públicas de apenas US$ 25 milhões e que foram um verdadeiro sucesso. “Esse patamar mínimo é um paradigma do mercado brasileiro que precisa ser quebrado”, diz Maria Helena.
Para o superintendente de mercado de capitais do Bradesco, João Carlos Zani, as ofertas secundárias podem ser menores (entre R$ 200 milhões e R$ 300 milhões), uma vez que a operação vem reforçar a liquidez de uma ação que já está em bolsa. No entanto, no caso de ofertas primárias, para os papéis ganharem o mínimo de liquidez inicial, a colocação precisa ser a partir de R$ 600 milhões.
Não são apenas os investidores que ignoram os lançamentos mais modestos. Os próprios bancos não se interessam em montar operações pequenas, simplesmente porque o ganho está relacionado ao tamanho da emissão. Para cobrir seus custos, que são bem maiores que os das corretoras independentes, e ainda ter algum lucro com a operação, os bancos buscam as emissões acima de R$ 200 milhões. Caso contrário, amargam prejuízo.
É nas operações abaixo de R$ 200 milhões que o pool de corretoras independentes, formado pela Coinvalores, Concórdia, Planner, Socopa, Geração, Gradual e Petro, está atuando. As futuras colocações serão feitas no esquema de consórcio, onde todas as corretoras têm a mesma importância no processo de venda dos papéis, dividindo também custos e ganhos obtidos com as operações. “Vale muito mais a pena dividirmos os ganhos de vários lançamentos, do que ganhar 100% de apenas uma operação”, diz Telles, da Coinvalores.

Mercado de acesso – Não é apenas a resistência dos investidores e dos bancos que impede as pequenas e médias empresas de virem para o mercado de capitais. Os custos de ser uma companhia aberta são praticamente inviáveis para quem ainda não se tornou gigante. Apenas com os custos da operação, a empresa gasta entre 6% e 10% do valor total do lançamento, ou seja, em uma colocação de R$ 100 milhões pode ter que desembolsar até R$ 10 milhões. Isso sem contar os custos para se tornar uma companhia aberta. Para se ter uma idéia, uma empresa média gasta algo como R$ 1 milhão por ano com advogados, auditoria externa, e publicação obrigatória de balanço no Diário Oficial de União e mais um jornal de grande circulação. “Não há lucro em uma venda de ações que compense gastos neste patamar, para uma empresa de tamanho médio”, diz Telles.
Para resolver este entrave, juntamente com a Bovespa a CVM está estudando criar um mercado de acesso para as pequenas e médias empresas listarem suas ações. As exigências, segundo Telles, serão menores do que as enfrentadas pelas companhias para abrirem o capital e negociarem seus papéis no pregão tradicional.
Mas os bancos também estão preparando lançamentos, no segmento que lhes interessa, que são as grandes companhias. O banco UBS está finalizando os detalhes da estréia da Natura em bolsa, que deve ocorrer nos próximos 60 dias. Isso significa que se as corretoras não se apressarem, podem, mais uma vez, ser atropeladas pelo apetite dos grandes bancos. A Natura é uma das empresas que o mercado, já há algum tempo, esperava para fazer a abertura do capital. O lançamento acabou sendo feito pela UBS. A empresa de cosméticos entrou com pedido na CVM para fazer uma oferta secundária de 16,404 bilhões de ações ordinárias.
Outras grandes corporações estão esquentando os motores para ingressarem no mercado acionário. Entre elas: Gol, TAM, Magazine Luíza, CPFL Energia e Nossa Caixa.
Segundo o diretor de finanças da Nossa Caixa, Rubens Sardenberg, os planos são de vender 25% do capital total do banco estadual e entrar no Novo Mercado apenas em 2005. Ele não descarta, no entanto, uma mudança de planos no meio do caminho. Mas, para que isso aconteça, é preciso uma combinação de fatores: preparação detalhada da operação, ‘timing’ do banco e do mercado. A intenção da Nossa Caixa de abrir o capital é antiga. Começou em 2001, com a aprovação do projeto de lei que permitia a venda pulverizada de até 49% do capital da instituição, com a colocação de papéis na Bovespa.