Benefícios correm perigo | Nos Estados Unidos, ao menos 80 compan...

Edição 204

Os planos de benefícios já não passam mais incólumes pela crise financeira internacional – pelo menos não aqueles instalados em países onde o buraco parece ser mais embaixo, como os Estados Unidos. Por enquanto, os efeitos do abalo econômico são “apenas” reduções ou suspensões temporárias de contribuições pelas patrocinadoras, movimento muitas vezes espelhado pelos participantes, seja por falta de incentivo diante da perda de contrapartida do empregador, seja por utilização do dinheiro para necessidades de curto prazo. “Nos Estados Unidos, ficamos sabendo de 80 companhias que suspenderam ou reduziram suas contribuições. Essa ainda não é uma parcela alta, mas é uma tendência. Algumas dessas empresas estão com problemas financeiros e cortaram todas as despesas que puderam”, disse, em entrevista concedida em maio, Robert Dumas, líder do negócio de previdência da Mercer para a região de Canadá e América Latina.
Acontece que outra consequência da crise, ainda mais preocupante, pode vir a abalar os planos de aposentadoria complementar ao redor do mundo: a soma de empresas quebradas com planos deficitários, cujo resultado são funcionários perdendo seus benefícios (ou parte deles).
Citando número da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), Dumas informa que, em 2008, os planos de pensão perderam 20% de seu patrimônio em todo o mundo, o equivalente a US$ 5,4 trilhões. Segundo o executivo, os planos da modalidade Benefício Definido têm, em geral, os recursos necessários para continuar pagando as aposentadorias no momento, mas o problema real acontecerá quando uma patrocinadora quebrar e não houver dinheiro suficiente nos planos.
“Há várias companhias que ainda não declararam falência porque estão sob o que nós chamamos de ‘proteção dos credores’”, diz ele, fazendo referência à Companies’ Creditors Arrangement Act (CCAA), lei que permite que companhias em dificuldades financeiras reestruturem suas operações, por meio de um plano formal, que dá a chance de as empresas evitarem as falências mas, ao mesmo tempo, de os credores também receberem alguma forma de pagamento. “Se mesmo assim as companhias vierem a falir, os benefícios serão cortados, porque há planos com déficits enormes. Mas ainda é cedo para falar nisso porque as empresas estão tentando se reestruturar”, pondera.
Dumas explica que, em alguns países, há fundos que cobrem parte das aposentadorias perdidas em caso de falência da empresa e déficit nos planos – algo semelhante à garantia dada aos depósitos bancários até certo limite. “Em alguns países há fundos que cobrem 80% dos benefícios caso as empresas venham a quebrar, mas em outros isso não existe.
Mesmo assim, onde há essa espécie de seguro, o funcionário fica sem 20% de seu benefício”, alerta.

Questão de tempo – De acordo com o executivo, a perda de US$ 5,4 trilhões de patrimônio exerce impactos diferentes de acordo com a modalidade dos planos de benefícios. No caso dos BD, as companhias precisam cobrir os buracos dos planos, ou seja, injetar dinheiro neles.
Diante da conjuntura difícil, no entanto, governos de alguns países têm flexibilizado a legislação e estendido o prazo máximo obrigatório para que as companhias zerem os déficits. “Alguns exemplos são Estados Unidos, Canadá e Holanda, onde companhias que tinham que cobrir os déficits em sete ou oito anos agora têm dez anos, por exemplo. Isso depende de país para país, mas alguns governos estenderam esse prazo”, conta Dumas.
Já nos planos de Contribuição Definida, o que faz diferença é a distância do participante até a chegada da aposentadoria. Para os participantes mais velhos, os prejuízos devem ser mais substanciais porque eles têm menos tempo para recuperar o dinheiro perdido. “Esse é o caso dos funcionários que estão mais perto de se aposentar”, aponta Dumas. Para os funcionários mais jovens, haverá mais tempo para recuperar as perdas e, como eles têm menos dinheiro acumulado em seus planos, também acabaram perdendo menos.
Quando o assunto é aposentadoria, porém, não é só o tempo que conta, mas também o dinheiro. Dumas afirma que para não ter dor de cabeça quando chegar a hora, é preciso que os funcionários saibam o quanto precisam guardar por ano para desfrutar mais tarde. Citando dados referentes aos Estados Unidos (“mas que não são muito diferentes dos de outros países”), o executivo informa que, na década de 1950, quem se aposentava aos 65 anos tinha pela frente mais 13 anos de vida, e era para esse prazo que precisava acumular recursos. Atualmente, essa mesma pessoa tem expectativa de viver por 19 anos após o fim do tempo de trabalho, ou seja, precisa acumular 50% mais. “É preciso levar isso em conta, mesmo porque a expectativa de vida após a aposentadoria de quem começa a trabalhar hoje não será mais de 19, mas quem sabe de 25 anos. É preciso tomar uma atitude, senão vai chegar um ponto em que essas pessoas não vão se aposentar, vão trabalhar para sempre. E é óbvio que isso não é interessante”, comenta.
Dumas declara que, se não houver investimento em educação previdenciária dos participantes, o sistema público de aposentadoria vai começar a ser pressionado. “E os sistemas governamentais terão problemas também, porque haverá um envelhecimento da população e as taxas de nascimento serão bem mais baixas. Tipicamente, os planos do governo são pagos pelos membros ativos e, se você tiver mais participantes aposentados e menos membros ativos, isso vai custar muito.
Não vai dar mais para pagar os benefícios”, prevê, ressalvando que o cenário depende de país para país.

Brasil – Assim como não sofreu uma queda de patrimônio tão alta quanto a vista lá fora em 2008, o sistema brasileiro de fundos de pensão ainda está em uma situação confortável quando o assunto é manutenção dos pagamentos de benefícios e contribuições. Geraldo Magela, lider do negócio de consultoria em previdência privada da Mercer nos países do sul da América Latina, afirma que não há, no País, um grande número de planos BD deficitários. “A situação está relativamente sob controle”, diz ele, acrescentando que algumas empresas até consultaram a Mercer a respeito da possibilidade de mexer nas contribuições temporariamente, mas que nenhuma tinha chegado a tomar alguma iniciativa efetiva até então. O executivo chama ainda a atenção para o fato de que muitos dos clientes da Mercer no Brasil tinham uma “situação bastante confortável de superávit” nos planos antes e, hoje, há muito menos planos com superávits acumulados por conta das perdas no mercado acionário de uma forma geral.
De acordo com dados referentes aos clientes da Mercer no Brasil, em 31 de dezembro de 2007 4% dos planos BD eram deficitários e, um ano depois, essa parcela subiu para 20%; na mesma base de comparação, também na modalidade de Benefício Definido, a fatia de planos superavitários caiu de 84% para 62% dos planos. No caso dos planos de Contribuição Definida e Contribuição Variável, 5% estavam em situação de déficit ao final de 2007, contra 14% em 31 de dezembro de 2008; já o percentual de planos superavitários passou de 53% para 35% entre os períodos, uma queda de quase 20 pontos percentuais.
E mesmo com a “situação relativamente sob controle” localmente, Dumas nota um efeito relacionado à previdência complementar que a crise financeira internacional pode trazer ao Brasil. O executivo explica que empresas globais que tenham planos BD em outros lugares do mundo podem exigir que suas subsidiárias brasileiras cortem custos para compensar eventuais perdas lá fora. “Embora não haja um impacto direto no Brasil, há um impacto indireto. Com empresas globais, em uma economia global, algumas unidades locais podem sofrer alguma pressão”, afirma Dumas, acrescentando que é possível que subsidiárias brasileiras tenham de pagar dividendos cada vez maiores às matrizes porque em outros lugares os negócios não vão tão bem quanto costumavam ir. “A mensagem aqui é a seguinte: mesmo que não hajam perdas ou grandes perdas no Brasil, indiretamente essa situação lá de fora coloca alguma pressão para as empresas brasileiras”, avisa.

Planos da GM são mantidos com reestruturação Os fundos de pensão da montadora norte-americana General Motors Corp para funcionários assalariados e que ganham por hora serão mantidos no âmbito do pedido de recuperação judicial feito pela companhia, nos termos do Capítulo 11 da lei de falências norte-americana, que permite que uma empresa com dificuldades financeiras continue funcionando normalmente. Com o plano de reorganização desenhado em conjunto com o governo, os planos de pensão, que somam US$ 84,5 bilhões em recursos, serão transferidos “para a nova GM, como parte do processo de compra”, de acordo com um comunicado oficial emitido pelo Departamento do Tesouro dos Estados Unidos.
A Pension Benefit Guaranty Corp estima que, ao final de novembro do ano passado, os planos de pensão da GM para os trabalhadores assalariados e que ganham por hora, que cobrem 673 mil pessoas entre funcionários e aposentados, tinham cerca de US$ 80 bilhões em ativos totais e estavam deficitários em cerca de US$ 20 bilhões, disse Jeffrey Speicher, um porta- voz da PBGC. Se os planos de pensão da GM tivessem sido encerrados, a PBGC teria coberto cerca de US$ 4 bilhões dos US$ 20 bilhões do déficit, afirmou Speicher.