Compromisso com agendas verdes | O tema sustentabilidade, que ano...

Edição 352

O mercado aprimorou questões metodológicas ligadas ao ESG e viu crescer, em 2022, a demanda por fundos sustentáveis de títulos soberanos, de private equity e venture capital, além de registrar maior disseminação dos fundos de impacto ESG, os mais rigorosos em seus objetivos de responsabilidade ambiental, social e de governança. “De cinco anos para cá, o assunto do investimento sustentável veio para a corrente mainstream (predominante), com os assuntos migrando naturalmente e cada vez mais entre diferentes classes de ativos”, observa a consultora Maria Eugênia Buosi, sócia fundadora da Resultante, consultoria especializada em ESG. A consultoria foi adquirida neste ano pela KPMG mas continua com sua equipe original de 35 profissionais especialistas e uma carteira de 65 projetos em andamento, atualmente.
Antes concentrados em fundos de ações, os investimentos sustentáveis passaram ao crédito privado e agora migram com força para outras classes, incluindo fundos imobiliários, infraestrutura, FIDCs e outros alternativos, além dos fundos soberanos em que os critérios ESG são utilizados principalmente pelos investidores estrangeiros para analisar países considerando itens como contas públicas e compromissos de sustentabilidade de cada um deles. “Monta-se uma estratégia Latam, por exemplo, a partir dessa metodologia”, diz. Há também provedores de ratings para as diversas classes de ativos.
“A informação está mais disponível e melhor estruturada para permitir a tomada de decisões mas ainda há muitos desafios na comparabilidade de indicadores, até porque os temas que embasam as teses de investimento estão mais sofisticados e discute-se assuntos como capital natural e descarbonização, por exemplo”, diz. Para a consultora, a agenda fica mais importante se o acionista ou debenturista de uma companhia enxerga essas possibilidades.
Em relação aos riscos ESG, ela observa que a China continua no centro do debate porque é um risco já bem mapeado e lembra que dos cinco maiores riscos apontados no World Economic Forum, quatro são ambientais e três deles são da China. Os temas que ganharão ainda mais força a partir de agora combinam questões ambientais às sociais, uma vez que os dois aspectos vêm “de braços dados”. As diversas COPs já mostraram que a justiça climática traz para o campo social as consequências dos problemas ambientais. “Como remediar a situação de justiça climática nos países emergentes ou subdesenvolvidos? A reparação de perdas e danos foi um dos pontos centrais no debate da COP este ano”, ressalta Buosi.
O mercado de carbono é a bola da vez, trazendo a descarbonização de portfólios para o centro das discussões. Ao mesmo tempo, cresce a preocupação com a biodiversidade e o capital natural, itens que precisam ser temas centrais para os investidores institucionais brasileiros. O conceito de capital natural, trata do estoque ou da reserva de natureza que produz valor no presente ou pode constituir uma reserva para o futuro, incluindo ecossistemas, espécies, água doce, minerais, ar, oceanos e processos naturais.
Segundo Buosi, “há aspectos, como o dos “rios flutuantes”, por exemplo, que não podem ser deixados de lado nas análises porque uma parte significativa da nossa economia depende disso”, avisa. Rios flutuantes, ou “cursos de água atmosféricos”, são formados pelas massas de ar carregadas de vapor d’água e levam umidade da bacia amazônica até o centro-oeste, sudeste e sul do Brasil.
A diversidade e a inclusão já são aspectos sociais considerados como parte de uma agenda de risco operacional para as empresas. “A pandemia mostrou vulnerabilidades nas cadeias de consumo e de suprimentos, então as empresas precisam olhar de maneira mais profunda para suas cadeias de valor, tema que acaba sendo puxado pelo escopo 3 das emissões de carbono, ou seja, há uma clara ligação entre eles”, diz a consultora.
Do ponto de vista dos investidores e das empresas, há um olhar que precisa ser quebrado, segundo a consultora. “É preciso deixar de enxergar o ESG como um dilema a ser vencido e vê-lo como apoio e veículo da cadeia de valor para aprimorar a gestão de risco, tanto nos aspectos sociais, que contribuem com os resultados de gestão percebidos pelos stakeholders, como nos ambientais, que contribuem para a gestão de recursos naturais nas companhias”, diz. “Ele tende a ser uma alavanca de compatibilidade de capital, independente dos problemas conjunturais da economia e das finanças, até porque no momento há recursos relevantes para projetos, vindo de órgãos multilaterais e dos grandes investidores institucionais que querem colocar o ESG em sua agenda”.
No Brasil, a importância do ESG não é mais questionada e o mercado já foi “mais aculturado” em relação a isso, embora ainda falte traduzir isso para uma agenda concreta de negócios. “Para o institucional isso é mais fácil, porque ele está no topo da cadeia alimentar do mercado e pode influenciar o engajamento nas empresas investidas (stewardship)”, diz.
“Além do portfólio do investidor, é preciso olhar também para as estratégias e compreender os drivers específicos, como estamos fazendo num projeto de engajamento em mudanças climáticas de uma grande fundação”, explica Buosi. “O objetivo é ter um olhar mais sistêmico sobre a descarbonização do portfolio”. Segundo ela, o importante é criar uma rota e uma política ESG que esteja alinhada ao modelo de negócios e à cultura da entidade, independente de seu porte, para depois fazer isso aterrisar e virar política efetiva.

Depois de nove anos operando sob a marca Sitawi, empresa especializada em consultoria e avaliação de sustentabilidade, o crescimento das unidades de negócios levou à decisão de fazer um spin-off e o time liderado pelo sócio fundador e CEO Gustavo Pimentel criou uma empresa independente, a NINT Natural Intelligence. Com 50% de market share em avaliações independentes de operações realizadas por empresas brasileiras, a empresa tem 800 projetos em andamento e uma equipe de 100 colaboradores que atuam nas várias pontas do mercado.
“O ano de 2021 havia sido de crescimento exponencial para o ESG em todas as frentes, o mercado de títulos sustentáveis triplicou, surgiram novos gestores e novas empresas passaram a se posicionar. 2022, porém, foi um ano de acomodação, até para digerir o crescimento anterior”, analisa Pimentel.
O mercado de dívida ESG, que negocia emissões de títulos sustentáveis, teve um refluxo este ano e registrou queda nos volumes. Em 2021 haviam sido negociados R$ 87 bilhões, total que caiu para R$ 52 bilhões até o início de dezembro deste ano. “Embora no mercado doméstico o volume em reais tenha crescido em 2022, caiu no mercado internacional porque as empresas brasileiras tomaram menos dinheiro em moeda forte”, afirma. “Captaram tanto em 2021 que entraram em 2022 já bem capitalizadas”.
Já no mercado de fundos de investimento ESG, que viveu um boom em 2020/2021, Pimentel avalia que houve uma quebra de expectativa em relação aos volumes captados. “Os fundos não foram sucesso de captação e os gestores estão mais parcimoniosos para lançar novos produtos antes de rentabilizar os anteriores”, afirma.
Segundo ele, a nova nomenclatura de fundos sustentáveis lançada pela Anbima também foi um tiro pela culatra. “Como cada um se intitula do jeito que quer, aqui e no mundo, reguladores e autorreguladores passaram a definir regras. As da Anbima mostraram fragilidades”, diz Pimentel. Uma delas é que a supervisão acontece ex-post, ou seja, o produto pode ser distribuído com o novo nome após submetida a documentação e, lá na frente, ser barrado pela supervisão. Outro problema é que o fundo pode ter qualquer definição sobre os seus objetivos de sustentabilidade, formalizando a confusão que já havia no mercado, aponta o consultor.
O risco de estimular o greenwhashing, que pode surgir no primeiro momento, tende a ser reduzido mais adiante à medida que os fundos classificados ficarão expostos e terão que disponibilizar publicamente todos os seus dados, ou seja, ficou mais fácil checar se o fundo cumpre de fato os objetivos. “Passaram muitos fundos IS que não deveriam ter passado, mas ao mesmo tempo eles ficaram mais expostos a críticas, o que é bom. Esse cenário todo, porém, acabou represando o lançamento de novos produtos, freou o ímpeto de conversão de fundos ao ESG”, afirma. Além disso, o pano de fundo de juros altos atrapalhou o tema, que é mais implementável no mercado de ações.
No que diz respeito às mudanças no panorama político brasileiro, Pimentel enfatiza que o investidor internacional estava sub-alocado no País e aquele com objetivo ESG estava menos alocado ainda. “A virada para políticas públicas federais mais alinhadas à questão global ajuda bastante esse mercado, mas ele continua condicionado à situação global de maior volatilidade, guerra, câmbio, juros e outros fatores”, diz.
Em 2023, há espaço para o ESG continuar a crescer no mercado de emissões de dívida doméstica, que já criou capacidade. “Hoje os grandes players desse mercado, as empresas que são potenciais tomadoras de crédito, se já não fizeram emissões ESG, pelo menos ouviram falar disso”, diz. Os bancos também passaram a fazer mais operações desse tipo em grande escala e já prevêem a necessidade de avaliações para um número elevado de emissões em 2023.
Os projetos mais relevantes no Brasil no próximo ano estarão concentrados nos segmentos florestal, energia renovável e financeiro, mas o mercado deve crescer também em bio-energia, transporte/logística de baixo carbono além de manter as apostas em saneamento, analisa Pimentel.