Edição 202
A cada dia, uma crise grave que atinge o mundo atualmente produz algum impacto nos mais diversos segmentos. No setor de consultoria atuarial para entidades fechadas de previdência complementar, ela também fez marcas. O agravamento da situação tem não só provocado um aumento na demanda dos fundos de pensão por esse serviço, como vem fazendo com que os trabalhos tomem novos rumos. As fundações não estão atrás apenas de uma empresa que faça um acompanhamento atuarial permanente, mas buscam, principalmente, uma forma de reavaliar os planos de benefícios.Luiz Alberto Alvernaz, diretor de previdência da Watson Wyatt, que presta serviços para 40 fundos de pensão, alguma dessas demandas como “surpreendentes”. Uma delas diz respeito à procura das entidades para que seus planos de contribuição definida ofereçam algum seguro, ao mesmo tempo em que não violentem os resultados da patrocinadora, que despendem grandes quantias de seus balanços nos planos de definido benefício. “Essa questão começou a aparecer quando surgiram os resultados dos investimentos do último ano, que ficou muito abaixo da meta”, afirma Alvernaz. Ele explica que, como em planos CD o benefício é em função da rentabilidade obtida, em tempos de retornos altíssimos eram o sonho perfeito. Mas com a crise, surgindo a dúvidas sobre como eles se comportarão caso a situação perpetue.Marco Pontes, diretor executivo de serviços atuariais da Ernst & Young, afirma que, em um momento como esse, poderia se ganhar um pouco de reflexão por parte do mercado. “Tem que se começar a pensar em redesenhar os planos. O modelo BD consegue trabalhar melhor no longo prazo e oferece um pouco mais de proteção ”, diz. Ele conta que, no Brasil, o BD foi escolhido em função de uma legislação. Só que, mais tarde, ve-se que era mais interessante, principalmente para os jovens, um modelo CD. “Hoje, a situação econômica criou um bom momento para as entidades introduzirem planos mistos. Isso é importante e está sendo pensado lá fora. ” Eduardo Correia, líder de previdência privada da Mercer, empresa que presta consultoria a cerca de 120 fundos de pensão, acredita numa tendência em sentido inverso. “Acho que vai continuar a migração de BD para CD. Não imagino que vão sobrar muitos planos BD, já que existe uma situação de superávit em muitos deles e, do ponto de vista do custo, já que os valores para realizar uma transação são altos, pode ser um bom momento para migrar ”, avalia. Mas a demanda não fica restrita a esse serviço. A Mercer vem recebendo muitas chamadas para trabalhos de educação previdenciária e sobre perfis de investimento, já que, na opinião de Correia, os dirigentes não se sentem mais tão à vontade para tomar decisões pelos participantes. “Também ajudamos companhias a montar planos, embora não ache que vá haver muitas fazendo isso. O que gera trabalho são movimentos societários, fusões e aquisições. ” Com um portfólio de mais de 70 clientes, a Gama Consultores Associados também sentido um aquecimento provocado pelos processos de fusões, aquisições e incorporações entre empresas. “Acredito que não deve haver empresas começando a fazer planos do zero, mas reestruturações, sim”, aponta Antônio Gazonni, sócio diretor da Gama. Ele cita que o cenário tem despertado demandas para serviços de due dilligence em planos e entidades. “Nós não só avaliados a situação como sugerimos medidas relacionadas a governança”, diz Gazzoni, para quem o aquecimento na procura por consultorias tem sido uma supresa em meio à crise.Segundo Alvernaz, outra demanda que surgiu diz respeito à reavaliação dos planos de benefícios. “Muitos acima estavam do mercado e foram desenvolvidos em uma época de níveis de benefícios mais agressivos, sendo que, em certos casos, a empresa chegava a pagar 100% da contribuição do participante”, afirma. Algumas entidades estão cogitando, caso a crise perdure, suspender as contribuições por um período. “Essa é uma salvaguarda que algumas delas possuem e existe uma possibilidade de que possa vir a ser usada.” Mais qualidade – Na Mirador, os fundos de pensão representam 60% dos clientes e, segundo Giancarlo Giacomini Germany, diretor técnico da empresa, a demanda desse segmento tem aumentado bastante ultimamente, com um crescimento anual de 70%, aproximadamente. Esse resultado, apesar de se dar principalmente na área de consultoria com as entidades, também atinge um setor mais ligado às patrocinadoras. “Temos realizados outros trabalhos de maneira indireta, como o de benefício pós-emprego, que é feito pela área contábil da patrocinadora para que ela registre todos os compromissos futuros em relação aos empregados frente ao seu plano de previdência”, conta Germany.Para o diretor, esse crescimento na procura também provoca uma necessidade de maior qualificação das consultorias, já que os clientes estão muito mais exigentes, até mesmo em função da crise que afeta o gerenciamento do patrimônio, que em vez de crescer, habilitado, e faz aumentar também as cobranças em relação à responsabilidade da instituição. “Tem uma demanda para auxiliar na compreensão do que está acontecendo no passivo. Os fundos de pensão querem entender um pouco mais se existe alguma questão nessa área que pode ser mais bem trabalhada ”, explica. Tendo isso em vista, a empresa optou por fazer uma certificação ISO 9001, cujo trabalho foi concluído no início de março deste ano. Segundo Germany, já é possível sentir o reflexo prático nas exigências que uma certificação traz em relação ao acompanhamento das necessidades do cliente. “Uma dificuldade comum das consultorias, até a função da demanda crescente, é o atendimento de prazos. Isso é o diferencial, mas exige aperfeiçoamento técnico permanente. ” Pontes, da Ernst & Young, diz que na empresa os trabalhos mais comuns com as fundações são aqueles exigidos pela legislação, fazendo uma assessoria atuarial permanente. Mas, segundo Pontes, uma demanda que tem crescido bastante é relacionada a serviços voltados para avaliar a distribuição do superávit. Ele acredita que muitas instituições que possuam um excedente devem partir para esse caminho. Entretanto, na opinião do diretor executivo da Ernst & Young, o que mais preocupa as fundações neste momento é a queda da Selic. Uma diminuição recente de 1,5 ponto percentual, colocando uma taxa no patamar de 11,25% ao ano, provavelmente acarretará em algum impacto nas contas das entidades. “É importante essa questão da redução dos juros no médio e longo prazo.Começa a haver uma preocupação com relação à taxa de desconto ”, explica Pontes.Felinto Sernache, sócio-gerente da área de aposentadoria da Towers Perrin, enxerga um movimento importante na conclusão das avaliações atuariais das fundações, com elas começando a pensar não que fazer em relação à precificação dos passivos atuariais diante da tendência de queda dos juros. “Mal terminado esse processo e os clientes já procuram a consultoria para saber o impacto do passivo atuarial precificado a custos de desconto de 6%, 5,5%, ou menos”, conta. Em 2006, o gerente fez um levantamento com 98 planos para identificar qual a taxa de juros aplicada na avaliação atuarial da maioria dos clientes: 54% utilizavam 6% como taxa, enquanto 37% adotavam 5%. Em 2008, com 114 planos, ele tornou a fazer a pesquisa, que mostrou uma mudança diminua: apenas 19% dos clientes utilizavam a taxa de 6%, e 69% usavam 5%. “E aqueles 19% já estão preocupados em repensar como precificar o passivo atuarial com uma taxa de desconto inferior a 6%. No final do ano, se continuar essa tendência de queda, uma taxa real de juros vai romper essa barreira ”, prevê Sernache.