Edição 144
A crise da marcação a mercado dos títulos públicos, que balançou fortemente a estrutura da asset do ABN Amro na segunda metade de 2002, parece estar completamente superada. Embora tenha sido uma das mais afetadas pelo processo de precificação dos papéis a mercado, a ponto de ver sair de suas carteiras nada menos de R$ 2 bilhões nos meses seguintes à marcação, a asset do banco holandês voltou a crescer em 2003 e seus fundos estão apresentando ótimas rentabilidades – no ranking dos melhores fundos para institucionais, publicados por Investidor Institucional, ela teve sete fundos classificados como excelentes.
As lições da crise, entretanto, ficaram bem gravadas na memória da asset, considerada pelo mercado como uma das que precificou com mais rigor os seus papéis. Não que as outras tenham sido negligentes no processo, mas muitas acabaram adotando procedimentos heterodoxos uma vez que não havia uma definição do Banco Central de como agir. No caso das Letras Financeiras do Tesouro (LFT), por exemplo, cujas negociações são feitas no balcão, muitas adotaram uma espécie de média móvel dos últimos 15 dias de negociação, o que num ambiente de queda dos preços era conveniente. O ABN usou os preços do dia da Andima para marcar seus títulos.
Com isso, e também pelo fato de que a asset estava carregada de papéis públicos com vencimento pós-eleições, cujos preços despencaram, muitos dos seus fundos chegaram a perder bastante naquele período. Os clientes, apavorados, começaram a correr para as agências para resgatar. O trabalho de esclarecimento adiantava pouco. “Na crise, a gente sempre aprende muitas lições”, reconhece hoje o diretor executivo da ABN Amro Asset Management, Luiz Maia. “Saí daquele episódio muito mais crítico”.
Corredor e maratonista há vinte anos, Maia lembra que os treinos diários feitos de madrugada contribuíram muito para manter a sua serenidade naqueles dias. Enquanto corria, pensava e se preparava para os problemas que teria que enfrentar durante o dia. Segundo ele, além dos problemas normais da marcação a mercado, a asset sofreu também com um problema adicional, representado pela terceirização dos serviços de administração dos fundos para uma empresa do Unibanco, justamente no mês da crise da marcação. E, como na famosa lei de Murphy, se tem alguma chance de algo dar errado, dará!
Em plena crise da marcação, o serviço terceirizado começou a falhar, confidencia uma fonte do banco que vivenciou aqueles dias. As cotas dos fundos que deviam chegar para a asset pela manhã, para serem disponibilizadas aos clientes, muitas vezes chegavam com atraso e com falhas que eram detectadas por um serviço de conferência paralela que o ABN montou. Porém, se havia falhas em algumas cotas, como confiar que as outras estavam corretas? Tinha que rodar tudo de novo.
Teve dias, ainda segundo essa fonte, que as cotas só foram entregues após as 10 hs da noite, quando o banco deveria rodar sua contabilidade, com todas as transações do dia dos clientes, inclusive aplicações e resgate de cotas para debitar ou creditar na conta corrente. “Era uma martírio, o banco esperando para rodar a conta corrente e as cotas não chegavam”, conta essa fonte.
Como explicar a um cliente da rede de agências, que estavam lendo nos jornais notícias de que os fundos do ABN estavam perdendo, que não havia cota? Como explicar que o atraso era por causa do serviço terceirizado de administração? Que cliente iria acreditar nessa história, eles pensavam que o banco estava escondendo as cotas, por serem ruins, para evitar saques. E, instintivamente, sacavam!
Foi assim que saíram R$ 2 bilhões dos fundos do ABN. Pior, eram aplicações dos clientes de varejo, justamente os que pagavam as melhores taxas de administração, uma vez que os corporativos e institucionais, por causa do volume, pagam taxas muito baixas. Com isso, as receitas da asset foram reduzidas de uma forma não proporcional à redução do volume administrado, mas muito acima disso. A saída foi reduzir também as despesas.
Segundo Maia, a decisão de reduzir o time da asset do ABN, um dos processos de enxugamento de assets mais comentados pelo mercado na época, deveu-se não exclusivamente à queda das receitas da empresa, mas também ao fato de que a asset tinha absorvido há pouco tempo os fundos do Dresdner Bank. Junto com os fundos do banco alemão vieram também algumas pessoas, que aumentaram excessivamente o time. “Na época da marcação, tivemos que ajustar o quadro da área de gestão”, diz ele.
Foram dispensados de uma só vez, na época, 16 profissionais das áreas de gestão, comercial e back-office, dos quais o mais destacado era o diretor de investimentos, Alexandre Póvoa, hoje sócio da Modal Asset. A asset do ABN conta hoje com 69 pessoas.
Segundo Maia, a quase totalidade dos R$ 2 bilhões que saíram dos fundos apenas mudaram de endereço dentro do banco, migrando de fundos para CDBs ou poupança. Esse dinheiro voltou aos fundos em 2003, à medida que esses foram recuperando sua rentabilidade. Ao final do ano passado, com a incorporação do Sudameris (R$ 7 bilhões em recursos administrados), o ABN passou a somar R$ 25,3 bilhões sob gestão.
A incorporação dos fundos do Sudameris, assim como do Dresdner, foi feita de forma absolutamente tranqüila pelo ABN, afirma Maia. Hoje, operam sob a mesma filosofia, sem nenhum constrangimento. Essa filosofia, segundo o diretor da asset, foi aperfeiçoada na época da marcação, tornando-se mais aberta a variáveis que antes não eram suficientemente valorizadas, principalmente em relação aos aspectos do cenário externo. “O processo decisório tornou-se mais complexo e também mais rico”, explica Maia. “Hoje, somos muito mais plugados”.
De acordo com ele, o episódio da marcação a mercado é hoje uma página virada na história da asset, mas trouxe lições importantes. Uma delas é que as crises do mercado de investimentos devem ser enfrentadas de frente, dizendo aos clientes qual é a verdadeira situação. No caso dos fundos do ABN, apesar das perdas de 2002, eles voltaram a crescer em 2003 e colocaram-se entre os melhores fundos pós-crise. “Já naquela época nós dizíamos que quem permanecesse nos fundos iria ganhar”, diz Maia. “E foi o que aconteceu”.
Institucionais devem crescer
O diretor executivo da ABN Amro, Luiz Maia, está apostando no crescimento do sistema de previdência complementar, tanto dos fundos fechados quanto da previdência aberta. “Os institucionais estão, de novo, na rota do crescimento”, diz ele.
De acordo com o ranking Top Asset, a ABN Amro Asset Management tinha R$ 3,3 bilhões ao final de 2003 em recursos de fundos de pensão e R$ 979 milhões em recursos de previdência aberta. “O posicionamento desse governo é de, claramente, apoiar a previdência complementar”, diz.
Segundo ele, a queda das taxas de juros deve levar os institucionais a buscar produtos de investimento mais sofisticados, razão pela qual o ABN está montando um FAC com fundos de vários gestores independentes. A área encarregada de qualificar os gestores independentes é a ABN Amro Advisor Service, criada há cerca de dois anos.
Além do FAC que terá produtos de gestores independentes, o ABN também está apostando no seu fundo multimercado Sky, lançado em 2003 e já fechado para captações com R$ 250 milhões. O Sky 2, que tem a mesma estratégia do seu antecessor, pretende captar R$ 400 milhões. “Criamos o fundo Sky para competir com os multimercados dos independentes”, diz Maia.