Edição 146
Em 2000, pouco depois de se associar ao Paribas, o BNP definiu para sua filial brasileira planos que pareciam ser, no mínimo, megalomaníacos: aumentar em seis vezes o volume de recursos de terceiros administrados pela asset. Quatro anos depois, a constatação é que a meta era não só factível como até modesta. Segundo o ranking Top Asset, publicado semestralmente por esta revista, a asset do BNP fechou dezembro de 2003 com R$ 10,21 bilhões sob gestão, pouco mais de dez vezes os R$ 947,80 milhões que tinha em meados de 2000. “Até nós ficamos surpresos com este crescimento. Por pouco não superamos a meta em duas vezes”, comemora Marcelo Giufrida, diretor da asset e um dos principais responsáveis por esse processo de rápido crescimento.
O crescimento do negócio de administração de recursos de terceiros era parte de um plano maior, de alavancar as principais áreas da filial brasileira para compensar a sua perda de participação na estrutura global após a fusão dos dois bancos (BNP e Paribas), em 1999. “Este foi o gatilho para expandir as atividades no País”, diz Giufrida.
Definido o objetivo, os passos seguintes seriam a contratação de profissionais experientes e com bom trânsito nos mercados que o banco cobiçava: corporate, tesouraria, private banking e administração de recursos. Exatamente na mesma época, o banco CCF, cujo perfil era muito parecido com o que o BNP Paribas queria ter, tinha sido vendido para o HSBC e vários dos seus mais renomados profissionais estavam descontentes no banco ou claramente à cata de emprego no mercado.
Isso caiu como uma luva para o BNP Paribas. O primeiro a ser contratado foi Bernard Mencier, que chegou em 2001 para dirigir o banco. Para cuidar da área de gestão de recursos de terceiros ele trouxe Giufrida, com quem já tinha trabalhado no CCF e cujo desempenho no trabalho conhecia bem. Sabia que Giufrida poderia repetir no BNP as mesmas performances que tinha obtido no CCF, onde trabalhara por 10 anos. Ao deixar o CCF, no início de 2001, Giufrida deixou a área de recursos de terceiros com mais de R$ 11 bilhões sob gestão.
Uma das primeiras medidas tomadas por Giufrida ao chegar à nova casa foi reforçar a equipe, aumentando o número de profissionais de 11 para 24. Na visão do executivo, era primordial preparar a equipe para só depois sair a campo, em busca de clientes. “Muitas assets enfrentaram problemas porque resolveram primeiro conquistar clientes para depois sair às pressas contratando gente no mercado”, diz Giufrida. Do próprio CCF, o diretor levou com ele o gestor Gilberto Kfouri. O restante do time veio de outras instituições financeiras.
Aquisições – O BNP Paribas aproveitou a fase de grandes movimentações pela qual passava o segmento de administração de recursos, entre 2001 e 2002, para comprar carteiras de algumas assets que estavam desistindo do país. A primeira foi a do banco UBS, em julho de 2001. Menos de um ano depois, em junho de 2002, adquiriu os fundos do banco ABC, e no mês seguinte, comprou a carteira do Inter American Express. As três aquisições agregaram, praticamente na mesma proporção, clientes institucionais, corporate e private banking.
Juntas, engordaram em R$ 900 milhões (cerca de R$ 300 milhões de cada uma delas) o volume administrado pelo BNP. “Fizemos excelentes aquisições”, diz Giufrida. “E no momento certo, quando o mercado estava em ebulição”.
Desde então, a asset concentrou todas as suas forças para crescer organicamente, e conseguiu. Como? Segundo Giufrida, a palavra de ordem foi flexibilidade, para não depender de apenas um tipo de cliente ou de uma única categoria de produto. “Em um mercado em formação, como é o de administração de recursos no Brasil, não podemos ser rígidos, apostando em apenas uma direção”, diz. “Isso é muito arriscado, já que o rumo do mercado pode mudar de uma hora para outra”.
O setor, neste momento, passa por uma dessas mudanças de direção. Em busca de melhores rentabilidades, os investidores estão migrando de fundos passivos, como o DI e renda fixa, para produtos com gestão mais ativa, como os multimercados. Embora as assets independentes estejam se especializando neste nicho, o diretor do BNP não se preocupa com uma possível perda de clientes. “As independentes são uma concorrência saudável, mas estão concentradas em apenas um tipo de cliente. Além disso, administram entre R$ 500 milhões e R$ 1 bilhão, mais do que isso fica ‘pesado’ para elas gerenciar”.
Pulverização – Além da flexibilidade nos produtos, a asset também cresceu pulverizando a carteira de clientes o máximo possível. Uma das principais estratégias foi entrar no ramo de pessoa-física de alta renda, no qual o banco administrava uma fatia insignificante, e que hoje representa R$ 2,5 bilhões dentro da carteira total de R$ 10 bilhões. “Este foi, sem dúvida nenhuma, o nosso principal crescimento em termos porcentuais”, lembra Giufrida.
As outras duas grandes arrancadas foram: na gestão de recursos de empresas (corporate), que cresceu de R$ 200 milhões para R$ 2,5 bilhões, e na administração de patrimônio de clientes institucionais, pulando de R$ 800 milhões para R$ 5 bilhões (desse total, cerca de 80% refere-se a fundos de pensão).
Alguns de seus principais concorrentes atribuem o crescimento do BNP, em especial entre fundos de pensão e empresas, à quantidade de clientes que Giufrida levou de sua antiga casa, o CCF. O diretor nega que isso tenha ocorrido e argumenta que é, no mínimo, inocente imaginar que grandes investidores, como as fundações e as grandes companhias, mudam de uma asset para outra apenas seguindo os passos de um gestor. “São investidores profissionais, que jamais fazem mudanças por causa de uma pessoa”, diz Giufrida. “Uns poucos podem até ter vindo do CCF, mas em função da qualidade de gestão do BNP”.
Um outro fator apontado como responsável pelo salto do BNP seriam as baixas taxas de administração praticadas pela asset, especialmente nos fundos exclusivos voltados aos clientes institucionais. Os concorrentes não esquecem do episódio dos fundos de pensão sob intervenção, quando o BNP, HSBC e Itaú aceitaram administrar carteiras de renda fixa por taxas de 0,1% ao ano e carteiras de renda variável por 0,2%. Apontam essa decisão como responsável pelo movimento de depreciação das taxas, que o mercado viveria nos anos seguintes.
Giufrida reconhece que as taxas eram baixas, mas afirma que não eram negativas. “Nunca aceitamos trabalhar no vermelho”, diz. “Além disso, de lá para cá as nossas taxas só subiram”.
Giufrida dá outra versão para a guerra de taxas que o mercado de assets vivenciou desde o episódio do leilão da SPC. Segundo ele, a guerra foi provocada por instituições que estavam à venda, com o objetivo de aumentar o volume que administravam e, conseqüentemente, terem seu passe valorizado no momento da aquisição por outras casas. “Foi isso que aconteceu”.
Segundo ele, as taxas do BNP estão entre as mais baixas simplesmente porque o banco resolveu crescer neste segmento no momento mais crítico da guerra de preços. Entretanto, aponta os novos e mais sofisticados produtos que estão sendo lançados pelas assets, como capazes de reverter a tendência. “Os grandes clientes estão aprendendo que vale a pena pagar mais caro por produtos que oferecem retornos maiores”, diz. “Acho que o mercado vive um momento de retomada das taxas”.
Fonte-Cindam: abandonado no altar
A história de crescimento do BNP Paribas no Brasil não é formada apenas por boas histórias e aquisições de sucesso. No início de 1999, o banco francês firmou um contrato com o extinto Fonte-Cindam, para comprar uma parte das operações do banco brasileiro. Pelo acordo, o BNP Paribas compraria a corretora e o segmento de gestão de recursos de terceiros do Fonte-Cindam que, na época, administrava algo como R$ 150 milhões. Na última hora, o acordo foi desfeito pelo BNP e hoje os ex-sócios do Cindam movem uma ação na Justiça contra o banco francês.
Poucos dias antes da desvalorização do real, em janeiro de 1999, o BNP e Fonte-Cindam assinaram o acordo de intenções. Com a desvalorização, o Cindam perdeu muito dinheiro. Mesmo assim, o banco francês resolveu levar a frente o negócio, já que a instituição brasileira tinha patrimônio para cobrir o prejuízo que teve com o câmbio.
Dois meses depois, em março de 1999, o BNP chegou a anunciar publicamente a aquisição da corretora e da asset do Fonte-Cindam, enviando, inclusive, uma carta aos funcionários e clientes do banco brasileiro comunicando sobre o negócio. No entanto, no fim de abril, o banco francês desistiu do negócio, alegando como razão os problemas enfrentados pelo Fonte-Cindam. Naquele momento, uma chuva de acusações dava conta de que a instituição brasileira e o banco Marka teriam sido beneficiados pelo Banco Central (BC) no movimento de desvalorização da moeda. O governo abriu até uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar estas acusações.
A suspensão do negócio com o BNP, somada às más notícias, geraram uma fuga em massa nos fundos do Fonte-Cindam, que pouco tempo depois teve que fechar as portas. A instituição brasileira moveu uma ação na Justiça contra o BNP, acusando o banco francês de ter rompido um contrato de compra de parte de suas atividades. O juiz da primeira instância decidiu não julgar o caso, alegando que este deveria ser resolvido por arbitragem, ou seja, fora da Justiça comum. O Cindam apelou da sentença e o processo espera há mais de um ano para ser distribuído a um novo juiz.
Segundo o advogado dos ex-donos do Fonte-Cindam, Sérgio Bermudes, seus clientes reivindicam um pagamento de indenização pelo BNP Paribas. “O banco (BNP) precisa pagar por não ter cumprido um contrato fechado formalmente com o Fonte-Cindam”, diz Bermudes.