Boom dos independentes | O número de administradoras de recursos ...

Edição 144

Algumas com nomes de lugares aprazíveis do Rio de Janeiro como Gávea, Paraty e Angra, outras com nomes em inglês (peculiar desse mercado), como Upside, Open Fund e Legacy e várias até com denominações mais enigmáticas, como Acrux, Nitor e CR2. O que eles têm em comum? São nomes dos novos gestores independentes de recursos, ou seja, assets que não estão ligadas a nenhum grupo financeiro. Desde o ano passado, o que mais se viu no mercado financeiro foi o surgimento dessas novas assets.
Não há um levantamento formal de quantas assets foram abertas nos últimos meses, mas sabe-se que mais de trinta começaram a funcionar a partir de janeiro de 2003. As últimas foram a Paraty, do ex-presidente do Bank of America, Ian Dubugras, e a Vix, resultado de uma cisão entre os sócios da Skopos, uma asset um pouco mais antiga.
No ano passado, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) concedeu 156 registros para novas assets e somente neste ano, mais oito, das quais a maior parte são de independentes. Entre pessoas físicas e jurídicas, atualmente, há 1.270 gestores registrados na CVM.
De longe, é a maior onda de novas assets que o mercado brasileiro já presenciou. Esses novos gestores têm praticamente as mesmas características: oferecem fundos mais arriscados, como os multimercados ou hedge funds, que podem aplicar em diferentes segmentos (bolsa, câmbio, juros, derivativos) e são dirigidos a investidores de maior volume de recursos e também com mais apetite de risco.
Também são empresas com uma estrutura bem enxuta, cujo principal valor é a capacidade de gestão dos sócios, geralmente ex-executivos de bancos ou do governo, como o próprio ex-presidente do Banco Central, Armínio Fraga, que junto com dois outros ex-diretores do BC montou a Gávea.
Para o mercado, chama a atenção a facilidade com que elas estão sendo abertas. A onda das novas assets aconteceu em um momento de refluxo do mercado financeiro, quando um banco comprava outro e sobravam bons profissionais sem emprego. Para ajudar, o governo iniciou uma política de queda da taxa de juros, levando os investidores de maior poder aquisitivo a procurarem produtos diferenciados, que são a especialidade das assets independentes.
No entanto, o mercado ainda não está totalmente certo sobre o nível de comprometimento dos novos gestores com os seus próprios fundos. Questionam se, acostumados a bons salários, bônus e a grande estrutura dos grandes bancos que deixaram, esses novos gestores não abandonariam o seu negócio nascente ao primeiro aceno de um emprego numa instituição financeira já estabilizada, que oferecesse tudo aquilo de volta.

Caminho inverso – O movimento de novos gestores de volta aos bancos já começou a acontecer. É o caso de Eduardo Favrin, que junto com Wilson Müller e Eduardo Mafra montou a Legacy em meados do ano passado, depois de ter trabalhado anos na asset do JP Morgan, comprada pelo Bradesco naquela época. Favrin, que era o homem da renda variável dentro da asset, saiu da sociedade no fim do ano e agora está gerindo a parte de ações dos fundos do Fator.
Para os sócios que ficaram, a saída de Favrin não gerou insegurança entre os clientes e muito menos diminuiu a credibilidade da asset perante o mercado. Até porque, rapidamente, o lugar foi ocupado por um novo sócio, André Rosa, que será responsável pela estratégia de renda variável dos fundos. Comenta-se no mercado que Favrin saiu por discordar do método de gestão dos outros dois sócios. Procurado, Favrin não quis falar sobre o assunto.
Outra asset passa por mudanças societárias. Fundada em 2001 por três sócios, a Skopos está se reestruturando e apenas um dos sócios, Pedro Cerize (ex-BBA), continuará na empresa. Os outros dois estão saindo, Bento Camargo (ex-Matrix) para fazer gestão de fortunas (family offices) e Michel Ben Horovitz (também ex-Matrix) para montar outra asset, a Vix, juntamente com Frederico Augusto Tralli e Antonio Carlos Canto Porto.
Michel garante que não houve nenhum tipo de desentendimento. “Continuamos sendo bons amigos, apenas passamos a ter concepções diferentes sobre o negócio”, diz. Michel defendia a necessidade de se montar um fundo multimercado, para concorrer com as demais assets independentes, enquanto Cerize acreditava que a asset deveria manter o foco na sua especialidade, de administrar renda variável. Segundo Michel, todos os clientes foram avisados das mudanças.
O fundo multimercado que tinha sido aberto na Skopos foi encerrado e o dinheiro devolvido aos cotistas. Segundo Michel, eles poderão retornar ao fundo dentro da Vix. “A transparência é a melhor estratégia nesses momentos. Desta forma, colocamos nas mãos do cotista a escolha de permanecer ou não no fundo, que terá a mesma gestão, mas dentro de uma nova casa”, diz.

Mudanças que preocupam – Na teoria tudo parece perfeito, mas na prática a conversa é outra. Afinal, quem procura uma asset independente confia acima de tudo na capacidade dos gestores (geralmente os próprios sócios) que lá estão. “Quando um investidor coloca o seu dinheiro em uma asset independente é porque conhece o sócio, que é alguém com quem consegue falar ao telefone sempre que quiser”, diz Everaldo Guedes França, sócio da consultoria financeira PPS. “O caso Favrin acendeu uma luz amarela no setor inteiro. O investidor pode se sentir inseguro ao colocar o seu dinheiro numa asset onde acontece essa dança de cadeiras de sócios, principalmente quando a empresa é recente”, avalia França.
Os investidores endossam essa preocupação. Para o diretor de investimentos da Fundação Cesp, Martin Glogowsky, o fato de as assets independentes geralmente terem uma estrutura muito enxuta torna ainda mais importante a cabeça que está por trás das decisões. “A saída desta ‘cabeça’, sem dúvida, coloca um ponto de interrogação sobre qual será o destino da gestão”, diz Glogowsky.
Para alguns especialistas do setor, as exigências da CVM para abertura das assets são extremamente brandas. Pela Instrução 306, para abrir uma asset, é suficiente ter uma pessoa responsável (no caso um diretor ou um dos sócios), com curso superior, experiência profissional de pelo menos três anos em gestão de recursos ou no mínimo de cinco anos no mercado de capitais, além de ter reputação ilibada.
Trocando em miúdos, isso significa que qualquer um que tenha trabalhado pelo menos três anos com gestão ou cinco no mercado está apto para administrar o dinheiro de terceiros. Para os especialistas, a regra tem dois grandes problemas: é vaga, já que não especifica exatamente qual o tipo de cargo que a pessoa precisa ter ocupado anteriormente; e subjetiva, uma vez que julga que esse tempo de experiência é suficiente para garantir a qualidade de um gestor.
“Essa regra é frouxa. Conheço pelo menos cem pessoas com cinco anos de experiência no mercado e menos de 10% delas têm condições de investir e remunerar decentemente o dinheiro dos outros”, afirma Fábio Fonseca, ex-superintendente da CVM e atualmente sócio da empresa Fonseca e Branco Treinamento e Consultoria. Na visão dele, essa regra é um tiro no pé do setor, pois abre espaço para profissionais despreparados atuarem como gestores. “No primeiro escândalo, vai acertar em cheio os bons e os ruins, sem distinção”, diz Fonseca.

Nova Regra – Branda ou não, o fato é que essa proliferação de administradoras independentes colocou a CVM em alerta, estudando formas de aumentar os critérios para aprovação de novas assets. Fontes próximas afirmam que a autarquia estaria estudando formas de endurecer os critérios, entre as quais estaria a exigência de capital mínimo para a abertura de novas assets.
Segundo o superintendente de relações com investidores institucionais da CVM, Carlos Eduardo Sussekind, os países da União Européia já adotam há alguns anos a exigência de capital mínimo para as assets. Os Estados Unidos, no entanto, seguem sem essa exigência. “Atualmente, existe uma grande discussão no mundo com relação às exigências no segmento de administração de recursos. Muito provavelmente, em algum momento, isso também será discutido no Brasil”, diz Sussekind. “Mas ainda não estamos pensando na idéia do capital mínimo. Continuamos seguindo o modelo americano.”
Sussekind, que é quem dá a palavra final dentro da CVM para a aprovação ou não do registro de novas assets, afirma que a análise dos currículos tem sido bastante rigorosa. “Negamos pelo menos cinco pedidos de abertura de administradoras de recursos todo mês”, diz.
Para o mercado, especialmente para os próprios donos de assets, não faz sentido exigir capital mínimo. Diferente das instituições financeiras, as assets não oferecem crédito, nem se alavancam ou ficam com os recursos dos clientes. Elas apenas prestam um serviço, no caso, escolhem os melhores ativos onde investir. “Capital mínimo é uma forma burra de filtrar as assets. Vão sobrar apenas os gestores ricos, que não necessariamente são os mais competentes”, diz Rodrigo Octávio Marques, sócio da asset Open Fund.
Segundo fontes, a CVM estaria estudando a possibilidade de criar um tipo de seguro contra má gestão, que seria acionado para reembolsar perdas que os clientes eventualmente venham a ter em conseqüência de decisões equivocadas do gestor. A CVM nega que esteja pensando em criar essa “blindagem”, até porque isso significaria mais custos para o investidor, para quem seria repassado todos os gastos com a contratação desse seguro.
O diretor da CVM, Luiz Antonio de Sampaio Campos, afirma que a autarquia tem planos de, futuramente, criar uma certificação obrigatória a todos os gestores, semelhante ao que já existe para os agentes autônomos e os analistas de investimentos. “Esta pode ser a forma mais inteligente de selecionar os gestores”, diz Sampaio. “Mas não estamos discutindo isso ainda.”

Segurança adicional – Por não terem um banco por trás, a maioria das assets independentes contrata empresas especializadas para fazer o serviço de administração e custódia dos ativos. Assim, geralmente há instituições financeiras sólidas por trás das assets independentes, uma fazendo toda a parte de administração (cálculo de cota, de risco, analisando se o fundo não está fora da sua política de investimento) e outra garantindo a liquidação das operações, além da guarda dos ativos e dos recursos. “Essa terceirização garante ao investidor que todos os processos estão sendo feitos corretamente”, diz Celso Portásio, sócio da Acrux Asset Management.
O risco do cliente se reduz à qualidade da gestão. Nesses casos, uma das saídas para o cliente pode ser aplicar nos fundos criados pelos bancos para investir nas carteiras dos multimercados de assets independentes, pois antes de aplicar um único tostão os bancos fazem uma verdadeira devassa (tecnicamente conhecida como due dilligence) na vida da asset e de seus sócios. Segundo um gestor independente que passou por esse processo, eles questionam e analisam tudo. “Chegaram a perguntar se, no caso de falta de luz, o prédio onde estamos tem gerador e quanto tempo demora a ser acionado. Perguntaram, também, quanto tempo os sócios pretendem ficar no negócio”, conta o gestor.
Entretanto, todos concordam que não há espaço para a quantidade de assets abertas. Deve acontecer uma depuração e sobrarão os bons gestores e as assets que tiverem atingido um patamar mínimo de recursos administrados, capaz de cobrir seus custos e dar lucro aos sócios. “O nome do jogo é capacidade e escala”, diz Dany Rappaport, sócio da Tática Asset Management, no mercado há cinco anos. Pelos seus cálculos, uma asset passa a ser viável a partir de R$ 100 milhões em recursos administrados.
Dados da consultoria Risk Office revelam que, atualmente, menos de 5% das fundações possuem recursos administrados por assets independentes. Sobre o total de ativos dos fundos de pensão essa participação cai para algo como 0,1%. A Fundação Cesp, por exemplo, só investe em fundos com pelo menos R$ 50 milhões de patrimônio e em gestores com, no mínimo, R$ 1 bilhão em recursos administrados.
Segundo o diretor da Risk Office, Fernando Lovisotto, as fundações resistem em terceirizar parte de suas carteiras para as administradoras independentes por uma série de fatores. O principal deles é que as fundações possuem regras de investimentos bastante restritivas (como a proibição de se alavancar), contrariando a estratégia dos fundos multimercados, que são o grande produto das assets independentes. Para Lovisotto, à medida que a taxa de juros for caindo, as assets independentes criarão produtos sob medida para conquistar esses investidores institucionais.

As recém-chegadas
Mais de 30 assets independentes começaram a funcionar entre janeiro de 2003 até hoje. Conheça algumas:
• Acrux
• AMP
• Angra
• BCSul Verax
• Bresser
• Capitânia
• Cenário
• Cr2
• Direcional
• Fidúcia
• Gávea
• Global Invest
• Legacy
• MCA Economy
• Multi Venture
• Neo
• Nitor
• NR
• Open Fund
• Orbix
• Paraty
• Pátria
• Polo
• Proventus
• Quantix
• Quest
• Tática
• Upside
• Vix
• Zoom