Edição 303
O compartilhamento do risco de longevidade entre as entidades fechadas de previdência complementar e as seguradoras, considerado essencial para desenvolver o mercado de anuidades no Brasil, deve levar algum tempo para sair da teoria para a prática. Embora haja expectativa de que os fundos de pensão possam contratar em breve esse tipo de cobertura, até porque ele já está regulamentado pelos órgãos supervisores das duas indústrias (Susep e Previc), tanto a oferta quanto a demanda seguem em compasso de espera até que certas arestas sejam aparadas. Falta ainda que as seguradoras ofereçam produtos bem definidos e que as empresas patrocinadoras dos fundos de pensão percebam a vantagem de compartilhar esses riscos de maneira parcial.
Pelo menos uma das grandes seguradoras, a Mongeral Aegon, já tem um desenho pronto e certificado pela Susep, enquanto duas outras companhias -Icatu Seguros e Capemisa- admitem estar em fase de análise mas ainda não tem produtos amadurecidos. A Icatu Seguros avisa que prepara sua entrada nesta área mas ainda está em fase de estudos e de estruturação de produtos.
Na prática, esse seguro tem como objetivo cobrir o risco de os beneficiários dessas entidades viverem mais que a previsão que baliza o acúmulo de recursos ao longo da vida laborativa, até a aposentadoria. São duas categorias de contratos em estudos atualmente: cobertura do risco de sobrevivência e cobertura do risco de desvio de hipóteses biométricas.
“A viabilidade desse mercado ainda depende de alguns detalhes regulatórios que precisam ser esclarecidos, mas também será necessário que o próprio mercado segurador se ajuste para dar maior flexibilidade aos produtos que decidir lançar”, avalia o especialista Geraldo Magela, sócio-diretor da consultoria Prevue. Ele vê um fraco apetite das seguradoras pela oferta de um mercado efetivo de anuidades e dá como ilustração os planos PGBL constituídos nos últimos quatro a cinco anos. “Os planos individuais vieram sem garantia de rentabilidade e muitos deles, criados até 2017, vieram sem excedente financeiro, ou seja, sem perspectiva de anuidade”.
Nos planos corporativos as condições mudam um pouco, segundo Magela, mas os spreads cobrados continuam muito altos. “Um spread de 2,5% ao ano é elevado diante da queda dos juros pagos pelas NTN-Bs”, analisa Magela. “Somente um mercado que consiga escala suficiente poderia ajudar a baixar essa taxa”.
A cobertura dos riscos de morte e invalidez, compartilhada de maneira regular já há alguns anos pelos fundos de pensão e seguradoras, têm crescido. “Essa é uma modelagem que temos feito constantemente para as empresas em 2017, elas já percebem sua necessidade com maior clareza”. Já no caso do mercado de anuidades há algumas travas regulatórias, e o fato das EFPCs não poderem usar o patrimônio para terceirizar riscos também limita um pouco o apetite das seguradoras. “Seria preciso assegurar a cobertura sem transferência de patrimônio, então falta elaborar mais essas regras”, acredita Magela.
Ele lembra que os fundos de pensão não tem fins lucrativos mas, quando terceirizam seus riscos, uma empresa com fins lucrativos estará visando fins comerciais, o que torna difícil a terceirização total. “Nos produtos desenhados para cobrir a longevidade, seria interessante ter um modelo semelhante ao que se usa na cobertura de morte ou invalidez, que é manter um pedaço do risco dentro do plano, com um limitador, e acima disso terceirizar”. Essa é uma das hipóteses que começa a ser discutida, diz o consultor.
Desafios – “O mercado começa a se estruturar, o produto oferecido pela Mongeral prevê a possibilidade do participante contratar a compra de uma renda diferida no momento em que se aposentar, transferindo parte do saldo de seu plano para a seguradora”, explica o diretor da Mercer, Antonio Fernando Gazzoni. Quanto mais tarde a pessoa se aposentar, menor será o saldo que precisará transferir do plano para a seguradora no momento da contratação da renda futura. Os desafios de ajustar a regulação – que aguarda uma nova Instrução Normativa da Previc – são reais mas já há demanda por parte dos planos, que procuram conhecer melhor as possibilidades junto às seguradoras, conta Gazzoni. “Há interesse em discutir uma maneira de os atuais aposentados em planos de Contribuição Definida terem acesso à compra de uma renda diferida, mas há também duas outras alternativas em debate.
Uma delas seria o participante já ir capitalizando a compra da renda ao longo de seu período de contribuição para o plano previdenciário, e a outra seria permitir que ele comprasse essa renda vitalícia lá na frente, aos 80 anos de idade, depois de encerrado o período de recebimento dos benefícios do plano. Faltariam, portanto, os dois extremos, um para os muito jovens e outro para quem está no final da vida. “As seguradoras estão interessadas no mercado de anuidades e vão competir entre si, cada uma procurando colocar uma cereja no bolo para atrair mais clientes, provavelmente até o final deste ano”, acredita Gazzoni.
Do lado das EFPCs, ele reconhece que ainda não foi concretizada a compra desses produtos, embora algumas delas estejam cotando junto ao mercado. Elas precisam fazer uma alteração nos regulamentos dos planos e só podem comprar esse tipo de seguro depois que a mudança tiver sido autorizada pela Previc, então o processo será lento e ainda corre o risco de sofrer alterações quando sair a nova Instrução Normativa.
Compasso de espera – Na avaliação da consultoria Willis TowersWatson, falta demanda efetiva por esse tipo de solução. “Tivemos uma única discussão com cliente sobre compartilhamento, relativa aos riscos de invalidez e morte e, mesmo nesse caso, o produto não endereçava a questão do risco adequado à EFPC porque o nível de risco era mantido para a entidade e sua patrocinadora”, conta o diretor Evandro Oliveira. O problema é que para as empresas patrocinadoras só interessa eliminar 100% do risco de seus balanços, então continuamos em compasso de espera porque o mercado espera pelos produtos adequados e as seguradoras esperam que haja mercado para os seus produtos. “Algumas seguradoras estão analisando a questão ao lado do regulador mas ainda é preciso caminhar muito”.
A patrocinadora tende a querer eliminar todo o risco mas a regulação que temos não veio para isso, ela visa compartilhar riscos e não eliminar. “A questão, portanto, é ajustar expectativas porque as empresas continuarão sendo as detentoras primárias do risco, isso não há como mudar. É preciso compreender que as seguradoras não farão milagres, a responsabilidade pelo pagamento dos benefícios continua sendo das patrocinadoras”, explica Oliveira.
Pontos fora da curva – A cobertura compartilhada no mercado de anuidades surge para solucionar apenas os pontos fora da curva do risco e aí a EFPC pode acabar gastando mais com o custo do produto segurado do que com a administração interna desses pontos, sublinha Evandro Oliveira. É essa equação que está sendo avaliada agora. Ele lembra ainda que não há uma trava de proteção contra o risco da taxa de juros nos produtos oferecidos.
A realidade mostra que os fundos de pensão estão deixando de oferecer renda vitalícia para quem já está recebendo benefícios, até porque as tábuas estão bem calibradas. No modelo atual não haverá renda vitalícia e as pessoas irão procurar alternativas no mercado segurador mas isso precisará ser desenvolvido no futuro, de modo que o mercado encontre custos adequados. Para o diretor da Willis TowersWatson, não há futuro para o compartilhamento no modelo atual.
Mais otimista, Gazzoni acredita que esse mercado já começou a andar, falta apenas vencer a inércia do mercado. “Acredito que as entidades com patrocínio de multinacionais estrangeiras possam dar o primeiro passo nesse mercado, porque lá fora as empresas já conhecem esse tipo de produto”, aposta.
Balanços – Segundo o superintendente de Previdência Complementar da Mongeral Aegon, Francisco Reis, “os fundos de pensão têm procurado discutir as alternativas de proteção ao risco de longevidade, isso é uma realidade no mundo todo à medida que a expectativa de vida cresce de forma exponencial e afeta as reservas usadas para pagar os benefícios”. Para Reis, o aspecto mais grave é que essa situação das reservas afeta os balanços das empresas patrocinadoras já que a cada ano adicional de vida corresponde a necessidade de acumular 4% a mais de reserva nos planos.
A preocupação portanto vai além da questão social, de garantir uma renda vitalícia, atingindo também os aspectos financeiros e atuariais dos planos e de seus patrocinadores. O produto oferecido pela Mongeral é uma renda vitalícia diferida e está em estudos junto a algumas fundações que ainda não adaptaram seus regulamentos e estão analisando a possibilidade, diz Reis.
“Por ser um produto novo no mercado brasileiro, havia dúvida sobre a carteira em que ele seria enquadrado pelas seguradoras, e a ausência de produtos nessa linha tem feito com que os órgãos reguladores sejam muito cuidadosos, mas o caminho é promissor”, avalia o superintendente. O compartilhamento é tendência mundial que permite às entidades fechadas de previdência complementar minimizarem seus riscos fiduciários e a escala trará a redução de custos, apostam os especialistas. O produto da Mongeral garante aos planos CD (que só podem prever pagamento de renda financeira por prazo definido e não podem ter componentes atuariais) a possibilidade de inserir uma cobertura adicional, que será contratada pelo participante para valer após o término do prazo de recebimento de benefícios pelo plano.
A idade da aposentadoria irá variar de acordo com o regulamento de cada plano e, nesse momento, o participante poderá transformar parte de suas reservas em prêmio de seguro para garantir uma renda vitalícia compatível com a sua aposentadoria. “Estamos desenvolvendo estudos com os fundos de pensão e acreditamos que essa cobertura poderá ser inserida em seus regulamentos a partir do segundo semestre deste ano mas tudo irá depender do regulador”, afirma Reis.
Dúvidas dos dois lados – Na Capemisa, que já opera produtos para os fundos de pensão nas modalidades de coberturas dos riscos de morte, invalidez e empréstimos com participantes, a cobertura de longevidade começou a apresentar demanda dos fundos de pensão em 2017. A criação de produtos para atender a essa demanda ainda está em estudos na seguradora, explica seu diretor comercial Fábio Lessa. “É uma negociação de longo prazo porque é preciso aprovar quase um produto diferente para cada fundação, eles precisam adequar seus regulamentos, então as conversas hoje são mais de consultoria, muito preliminares porque há dúvidas de ambos os lados”.
Precisam ser equacionadas questões contábeis em relação à maneira de transferir as reservas dos planos para as seguradoras, como contratar o seguro, como efetuar a adesão, etc. Falta detalhar alguns aspectos que estão à espera de nova IN da Previc mas também é preciso percorrer um caminho mais complexo, reforça Lessa: “As patrocinadoras dos planos BD, por exemplo, querem tirar todo o risco de seus balanços mas não se tem base ainda para precificar isso, então será preciso aclarar as dúvidas dos fundos de pensão para que o mercado possa evoluir”, explica Lessa. “Temos procurado discutir esse tema com a Ancep (entidade que reúne os contadores das EFPCs) e com as entidades”.
Novas soluções – A Mongeral já trabalha com uma escala que não depende apenas dos fundos de pensão e está em fase de aprovação de dois novos produtos junto à Susep, explica o seu superintendente de Previdência Complementar, Francisco Reis. Segundo ele, serão duas soluções diferentes, uma para cobrir o desvio de hipóteses biométricas, caso em que o contratante do seguro é o próprio fundo de pensão em busca de proteger seu passivo, e outra que é uma espécie de swap de longevidade, que prevê o pagamento de um prêmio de risco à medida que a seguradora garante a flutuação das despesas da folha de benefícios.
No primeiro caso, de desvio de hipóteses biométricas, será paga uma indenização se o fluxo da folha de pagamentos de benefícios superar o valor estabelecido em contrato, o que dá maior previsibilidade atuarial e maior segurança às patrocinadoras dos planos. No segundo caso, de uma swap de longevidade, o produto ainda está em análise na Susep. “São coberturas que visam proteger a entidade contra o descolamento do risco de suas carteiras porque cobrem essa flutuação, esperamos que estejam aprovadas até o final do ano”, informa Reis.
Ainda de acordo com ele, os dois produtos novos casam com as necessidades de fundos de pensão patrocinados por multinacionais estrangeiras e por companhias brasileiras com atuação global porque elas precisam refletir as variáveis desses passivos em seus balanços e isso afeta o seu valor no mercado.