O mercado de seguros D&O, que oferece proteção aos executivos por conta de decisões corporativas que resultem em perdas financeiras e/ou processos judiciais, registrou um salto tanto nos níveis de sinistralidade quanto de indenizações em 2018. Segundo a Superintendência de Seguros Privados (Susep), a sinistralidade passou de 36% em 2016 para 57% em 2017 e 80% em 2018. Já as indenizações passaram de R$ 228,73 milhões em 2017 para R$ 358,85 milhões em 2018, um crescimento de 56,88%.
De acordo com o especialista em D&O e membro da comissão de responsabilidade civil da Federação Nacional de Seguros Gerais (FenSeg), Gustavo Galrão, o principal motivo para o forte aumento da sinistralidade e das indenizações foram os acordos firmados nas ações conhecidas como class action, movidas por investidores estrangeiros contra executivos de empresas brasileiras com ações negociadas nas bolsas dos Estados Unidos. Ao todo dez companhias locais sofreram class actions nos Estados Unidos, sendo duas entre 2008 e 2009, e as outros oito concentradas no intervalo dos últimos cinco anos, sendo um dos casos mais notórios o da Petrobras em decorrência das investigações da Lava Jato.
O fato da empresa ter ações negociadas no mercado americano, explica o especialista da FenSeg, é um dos principais pontos a serem observados na precificação do seguro D&O, já que o risco para um executivo de empresa com atuação no mercado americano, cujas punições são maiores, também é muito maior. Outro ponto importante no momento de orçar o seguro D&O, diz Galrão, é o relacionamento entre empresa e governo.
Pressão – O expressivo incremento da sinistralidade e das indenizações nos seguros D&O é um fator de pressão sobre esse mercado, que cresceu cerca de 12%, para R$ 450 milhões, no ano passado. Para 2019, a tendência é que esse ritmo de crescimento ganhe força, prevê Galrão. “Isso porque o aumento da sinistralidade deve levar as seguradoras a aumentar o prêmio cobrado dos segurados em um ajuste comum do mercado”.
Além disso, o especialista da FenSeg avalia que casos de destaque como o da Petrobras na Lava Jato e os desastres ambientais nas barragens da Vale também devem contribuir para manter aquecida a demanda das empresas por seguros D&O. Também cresce a responsabilização de executivos envolvidos em processos tributários “Começamos a ter um número maior de casos onde houve a responsabilização de administradores por questões tributárias”, afirma Galrão. “Esse é outro nicho que pode contribuir bastante para o crescimento dos seguros D&O nos próximos anos”.
Fundos de pensão – Além das empresas, também fundos de pensão locais têm procurado as seguradoras para contratar o seguro D&O para seus dirigentes com uma recorrência cada vez maior, conta o gerente de linhas financeiras da AIG, Flávio Sá. Segundo ele, por questões de confidencialidade contratual, nem o nome das fundações ou de seus executivos pode ser revelado.
Quando a própria EFPC contrata o seguro D&O, explica Sá, o normativo da Previc limita a indenização aos custos de defesa durante o processo, tendo o administrador segurado livre escolha em relação ao advogado. Caso haja alguma condenação, no entanto, o dirigente não estará coberto pelo seguro. Contudo, caso a patrocinadora do fundo de pensão faça a contratação para os dirigentes da sua EFPC, então haverá a cobertura tanto dos custos de defesa como também da indenização em caso de condenação.
Por ter se tornado mais popular nos últimos anos em função das operações policiais e tragédias ambientais, até empresas de menor porte começam a contratar o seguro D&O, diz Sá. O especialista conta que empresas com faturamento de até R$ 100 milhões fazem, em média, um seguro D&O com coberturas que variam de R$ 10 milhões a R$ 30 milhões. Já quando se trata de empresas de capital aberto, com ações negociadas na bolsa brasileira e também em outros mercados, as apólices podem girar entre R$ 50 milhões e R$ 250 milhões. Há ainda um terceiro grupo, composto pelas empresas governamentais, em que as apólices são ainda maiores, entre R$ 300 milhões e R$ 400 milhões. O prazo de validade costuma ser de um ano.
Quando entrou no mercado em 2007, recorda o executivo da AIG, os seguros D&O giravam cerca de R$ 100 milhões, tendo registrado um crescimento de mais de quatro vezes em dez anos. Por conta da maior disseminação do produto junto aos executivos locais nos últimos anos, Sá acredita em forte potencial de expansão no futuro, até mesmo pelo ciclo de privatizações esperado. “No final da década de 90 as privatizações que ocorreram, com uma série de empresas estrangeiras chegando ao país com seus executivos, marcaram o início do seguro D&O no país”, recorda o especialista. Nos Estados Unidos o seguro D&O movimenta aproximadamente US$ 7 bilhões, o que denota a distância a ser percorrida pelo mercado local.
Sá lembra ainda que a partir de dezembro de 2017 abriu-se a possibilidade no mercado brasileiro do seguro D&O cobrir também multas decorrentes de penalidades aplicadas por órgãos reguladores, outro gatilho importante que deve dar fôlego para a evolução do segmento na avaliação do especialista, ainda mais após mudanças recentes que ampliaram os valores de multas que podem ser aplicadas por CVM e BC.
No mercado internacional, prossegue Sá, riscos que começam a ser cobertos pelo seguro D&O, e que devem chegar ao país no curto e médio prazo, são os contra ataques cibernéticos e discriminação e assédio moral. “Em 2020 será implementada a Lei Geral de Proteção de Dados, então a questão de ataques cibernéticos começa a entrar cada vez mais no radar das empresas também no Brasil”.
Continuidade – A Zurich detém cerca de 15% do market share do mercado de seguros D&O no país, com uma carteira de R$ 67 milhões, que em linha com o ritmo da indústria cresceu 12% em 2018. O head de linhas financeiras da Zurich, Fernando Saccon, prevê que essa toada tende a prosseguir nos próximos anos, dado que os fatores responsáveis pelo movimento no passado recente, como as inúmeras operações da Polícia Federal e do Ministério Público mirando irregularidades em empresas estatais ou privadas, não dão sinais de esgotamento ao menos até o momento.
“A Lava Jato tem se mostrado muito boa no que se refere à forma como as empresas lidam com suas contratações e se relacionam com o governo”, diz Saccon, que acrescenta que muitos administradores hoje condicionam assumir determinados cargos somente se houver a cobertura do seguro D&O. Nos casos em que os executivos optam pelos acordos de delação premiada o seguro perde sua validade, já que houve a confissão do crime.
Crescimento do seguro D&O no Brasil | |||||||
2005 | 2010 | 2014 | 2015 | 2016 | 2017 | 2018 | |
Prêmio de seguro (em milhões) | R$ 84,99 | R$ 150,65 | R$ 235,55 | R$ 359,75 | R$ 372,80 | R$ 402,93 | R$ 450,57 |
Indenização (em milhões) | R$ 5,22 | R$ 63,25 | R$ 129,29 | R$ 141,35 | R$ 137,78 | R$ 228,73 | R$ 358,85 |
Raio de indenização/prêmio | 6% | 42% | 55% | 39% | 37% | 57% | 80% |
Fonte: Susep |
Novos entrantes – A Prudential, diante da expectativa de aumento da demanda por seguros D&O, estuda incluir o produto, já ofertado pela seguradora em outros países, também na sua prateleira local.
“Estamos atentos às oportunidades de criação de novos produtos. Temos muitos clientes que são profissionais autônomos que nos procuram para o seguro de vida e nos trazem também outras necessidades, e temos acompanhado de perto o crescimento do seguro D&O no âmbito dos processos de responsabilidades civis, profissionais e até mesmo ambientais”, afirma o gerente de produtos da Prudential, Sandro Cespes. Profissionais autônomos como médicos, advogados e dentistas, nota o gerente da Prudential, podem ser acionados judicialmente por conta de um cliente insatisfeito com o atendimento, daí a importância do seguro D&O também para essa parcela da classe trabalhadora.