Voo internacional cancelado | Regimes próprios começam a investir...

Edição 267

 

Em um ano marcado pela escassez de opções domésticas de investimentos para fazer frente a suas metas atuariais, os regimes próprios de previdência dos servidores bem que ensaiaram os primeiros voos para investir em ativos internacionais em 2014. Com a perspectiva negativa para a bolsa doméstica e a alta volatilidade da renda fixa, além da pequena quantidade de Fidcs (fundos de direitos creditórios), os institutos começaram a investir em fundos atrelados a ativos no exterior. Nem se tratava de fundos que investiam diretamente lá fora, mas sim de fundos de investimentos de BDRs (Brazilian Depositary Recepts) – recibos de ações negociados na BM&FBovespa de empresas estrangeira.
Porém, o órgão fiscalizador logo cortou as asas dos RPPS e dos gestores que já tinham começado a captação de recursos desses investidores para tais produtos. A proibição veio em uma nota técnica (07/2014) do Ministério da Previdência Social (MPS) que esclareceu que os RPPS não têm permissão para investir em fundos que tenham algum tipo de papel vinculado a ativos no exterior. Ficaram proibidos de investir nos fundos BDRs e nos multimercados que tenham ativos negociados no exterior.
“Ao não tratar de investimentos no exterior na Resolução 3922/2010, o CMN (Conselho Monetário Nacional) demonstra a impossibilidade dos RPPS, que são submetidos ao direito público, virem a aplicar os recursos previdenciários sob sua gestão em fundos de investimentos que detenham em suas carteiras quaisquer ativos que guardem relação com investimentos no exterior”, diz a nota.
No início da nota técnica é explicado que um dos motivos para a sua edição foram os questionamentos recebidos dos próprios gestores de RPPS e representantes de instituições financeiras. “Alguns agentes estavam interpretando que pelo fato da Resolução 3922 não tratar expressamente dos investimentos no exterior, eles estariam permitidos para os RPPS. No entanto, esse entendimento não está correto, pois os investimentos permitidos são aqueles expressamente referidos na resolução, existindo vedação à aplicação em outros ativos que não os previstos”, explica Narlon Gutierre, diretor do departamento de RPPS do Ministério da Previdência Social.
O diretor explica que os RPPS possuem particularidades que os diferenciam das entidades fechadas de previdência. As diferenças entre eles explica o porquê dos institutos não estarem autorizados de investir no exterior, enquanto os fundos de pensão já possuem a permissão. “Os RPPS são entes públicos e gerem recursos públicos, enquanto as EFPC são entidades privadas. Via de regra, os RPPS não possuem um corpo técnico especializado na área de investimentos como o encontrado em boa parte das entidades fechadas”, diz Gutierre. Ele conclui que essas diferenças são reconhecidas pelo Conselho Monetário Nacional, motivo pelo qual a Resolução 3922 é mais restritiva que a Resolução 3792, das entidades fechadas.
O esclarecimento do ministério define ainda que recursos dos institutos municipais e estaduais já alocados nos veículos em questão podem permanecer nos fundos. A proibição vale para aplicações realizadas depois da data de publicação da nota, ocorrida no início de setembro. “Entendemos que a regra não é retroativa, ou seja, que as aplicações anteriores à edição da nota, não estão desenquadradas”, explica Sérgio Henrique Bini, gerente nacional de investimentos da Caixa Econômica.
A interpretação do gestor é confirmada pelo diretor do departamento de RPPS. “Adotamos a posição de não exigir que as aplicações em fundos BDR realizadas anteriormente à nota técnica fossem encerradas”, confirma Gutierre.

Fundo da Caixa – A asset da Caixa tem um fundo de BDRs que vinha atraindo a captação de recursos de RPPS. Com patrimônio de R$ 22 milhões, o fundo da Caixa conta com 13 cotistas que são regimes próprios. Como a rentabilidade era bastante positiva, de 19,68% até meados de dezembro passado, diversos institutos continuavam demandando aplicações no fundo, mas a Caixa tinha que recusar. “Semana passada um regime próprio tinha reservado R$ 10 milhões para nosso fundo de BDR e tivemos que recusar”, lamenta Bini.
O executivo da Caixa explica que o primeiro entendimento dos gestores é que o fundo de BDRs entrava na categoria de FIA – fundo de investimentos em ações, que é permitida pela Resolução 3922. Mas quando veio a nota técnica, não houve possibilidade de questionamento posterior. “Por enquanto estamos oferecendo e captando junto às fundações, que têm demonstrado interesse crescente pelo produto”, explica o gerente nacional da Caixa.
O gestor explica que os institucionais, em geral, têm demonstrado apetite cada vez maior aos fundos no exterior. “É uma forma de diversificação da carteira, é possível sair um pouco da renda fixa e aumentar a renda variável atrelada ao movimento da bolsa americana, que é muito maior e diversificada que a bolsa doméstica”, explica Sérgio Bini. O executivo cita o exemplo de empresas de alta tecnologia, que tem boa representação na bolsa dos EUA, ao contrário do que ocorre na BM&FBovespa.
Antes do posicionamento do ministério, outros gestores como a Western Asset, chegaram a cogitar a captação de investimentos junto aos RPPS para fundos de BDRs. “No início tínhamos a compreensão que os regimes próprios poderiam investir no fundo de BDRs, mas depois concluímos que a Resolução 3922 não permitia esse tipo de alocação”, diz Hygor Potter, da área de seviços a clientes da Western Asset.

Ostrasprev – O regime próprio de Rio das Ostras (RJ) estava analisando a aplicação no fundo de BDRs da Caixa Econômica no início de 2014. Em virtude das perspectivas de forte volatilidade do câmbio, acabou desistindo da operação. “Chegamos a estudar a aplicação no fundo de BDRs com o objetivo de diversificar nossa carteira. Só não fizemos porque a perspectiva na época indicava uma depreciação do dólar”, diz Leonardo Rosa, diretor administrativo e financeiro do Ostrasprev.
O gestor, porém, lamenta a proibição imposta pelo ministério aos RPPS de se investir no exterior. “Já temos poucas opções atualmente para superar nossa meta atuarial e a legislação eliminou mais uma”, reclama Rosa. Outra limitação imposta aos regimes próprios no ano passado foi a impossibilidade de investir em fundos de títulos públicos marcados na curva. Gestores como BB DTVM e Caixa lançaram fundos com tal característica e captaram recursos dos RPPS no primeiro semestre do ano passado. Mas outros gestores começaram a questionar no âmbito da Anbima da adoção da metodologia de marcação na curva. Ao final, a associação e o próprio ministério acabaram restringindo a estruturação de novos fundos deste tipo.
O diretor comenta ainda que outra opção que era importante para os regimes próprios, os Fidcs (fundos de direitos creditórios) ficaram bastante escassos a partir de 2013, devido às mudanças nas regras impostas pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM). “Estamos buscando Fidcs abertos, mas não estamos encontrando de fundos de bancos de primeira linha no mercado”, conta o diretor do Ostrasprev. A política de investimentos do instituto para 2015 deixou 15% de limite do patrimônio para os Fidcs. Atualmente a carteira é de apenas 5%, de um patrimônio de R$ 245 milhões.
Enquanto não encontra os Fidcs e fundos no exterior, o regime próprio decidiu aumentar a alocação em fundos de renda variável. O RPPS investiu R$ 5 milhões no final do ano passado em dois fundos de ações do BTG Pactual, um de dividendos e outro de valor. Uma terceira aplicação em fundos do mesmo gestor foi realizada no final de janeiro com o objetivo de captar a rentabilidade da bolsa americana.
É que o BTG Pactual, assim como outros gestores, estão oferecendo um fundo do tipo multimercado que tem o objetivo de replicar o S&P 500, um dos principais índices da bolsa americana. O fundo, porém, não tem nenhum ativo no exterior e nem BDRs e, por isso, é permitido para os regimes próprios (ver matéria na página seguinte).