Refazendo as contas | O Brasil já ultrapassa a marca dos 21% do P...

Edição 150

Dezesseis por cento do Produto Interno Bruto (PIB). Este é o número consagrado quando se trata de quantificar a previdência complementar brasileira, numa referência histórica aos fundos de pensão fechados, que hoje possuem um montante de R$ 250 bilhões e mais de três décadas de história. Poucos incluem nesta equação, como é comum em outros países que possuem previdência complementar forte, os planos abertos, com os quais o montante subiria para R$ 302 bilhões – 19,95% do PIB, segundo o dado mais recente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), do final de 2003.
Nascidos há pouco mais de uma década, os planos abertos só começaram a ganhar peso a partir de 1999, com o surgimento do Plano Gerador de Benefícios Livres (PGBLs), e foram ampliados em 2002 a partir da criação do Vida Gerador de Benefícios Livres (VGBLs). Segundo João Marcelo Máximo Ricardo dos Santos, diretor de vida e previdência da Superintendência de Seguros Privados (Susep), a expectativa do setor é fechar 2004 com reservas de R$ 56 bilhões. “Este número se baseia na transparência e regulamentação moderna do setor”, afirma o executivo.
Além dos recursos da previdência fechada e aberta, também os recursos dos regimes próprios de previdência de estados e municípios poderiam ser incluídos nessa conta de poupança de longo prazo – embora não seja uma previdência complementar, mas substitutiva. Atualmente, esses regimes contabilizam cerca de R$ R$ 19 bilhões em recursos, com o que a poupança previdenciária saltaria para R$ 321 bilhões, ou 21,27% do PIB. “É um patamar completamente diferente”, ressalta Santos.
A rigor, como poupança previdenciária de longo prazo, esse é o volume correto das reservas nacionais. A falta de um critério mais sólido que permita somar esses recursos de igual finalidade atrapalha o país na hora de mostrar suas potencialidades. “Em termos de números nacionais, poderíamos apresentar esses números de forma unificada”, avalia o diretor da Susep.
Embora tenha sido contemplada na Reforma da Previdência, a previdência complementar dos servidores ainda não está instituída. A Secretaria de Previdência Complementar (SPC) não possui estimativas em relação ao patrimônio que os planos de funcionários públicos pode gerar pois, segundo afirma o diretor do Departamento dos Regimes Próprios da Secretaria de Previdência Social, Delúbio Gomes Pereira da Silva, nem todos os estados ou municípios terão a necessidade de instituir seus fundos de pensão. Este processo pode ficar restrito a alguns estados e suas capitais.

Hábito – Para Estevão Kopschitz, pesquisador do Instituto de Pesquisa econômica Aplicada (Ipea), fundação ligada ao Ministério do Planejamento, o uso exclusivo dos números da previdência fechada para definir o volume da previdência complementar do país se deve a um hábito arraigado, mas não exato. “E, ainda, há quem classifique este patrimônio como ‘poupança interna’”, explica. “É saudável esclarecer que este é apenas um item da poupança interna, pois existem outras formas de poupar, que não apenas esta”.
A qualidade desta poupança, a previdenciária, é elogiada por Kopschitz. “Quando a poupança é formada com a intenção de complementar a aposentadoria é importante que isso seja feito por meio de instrumentos como os fundos de pensão fechados e os produtos abertos”, afirma. Dessa forma, segundo o pesquisador, a chance de que o objetivo seja alcançado, é muito maior. “É um dinheiro administrado por profissionais, que têm um fluxo de passivo definido e o risco do erro fica diluído pelo grupo”, completa.
O presidente do Sindicato Nacional das Entidades Fechadas de Previdência Privada (Sindapp), José de Souza Teixeira, é contrário à idéia de somar todos patrimônios previdenciários de longo prazo. “A previdência fechada tem características distintas da aberta. Embora tenham o propósito único de poupança, são diferentes na essência. Os fundos de pensão não têm fins lucrativos e os planos abertos, têm”, diz. Eduardo Jauregui, da Mercer Investment Consulting, concorda com Teixeira e, quando precisa, prefere utilizar os dados da SPC.
Para Newton Conde, consultor da Watson Wyatt, a cultura de referir-se à previdência de longo prazo utilizando apenas os números dos fundos fechados deve-se, em primeiro lugar, à diferença ao tempo de existência entre os tradicionais fundos de pensão e a previdência aberta, e à forma como cada uma se desenvolveu. Embora a previdência aberta tenha crescido muito nos últimos anos, ela é ainda muito pequena em relação à fechada, complementa Conde. E, como centraliza os recursos de uma forma diferente, visando o lucro, não tem interesse em divulgar o patrimônio e, sim, o benefício.
Ainda de acordo com o consultor, as fundações sempre enfatizaram o seu patrimônio, ao contrário das seguradoras e bancos, gestores de PGBLs e VGBLs, que comumente valorizam os benefícios. “As entidades fechadas não precisaram fazer este marketing porque, desde o início, conseguiram se capitalizar rapidamente”, explica Conde. “Já para conseguir vender planos abertos sem o peso dos seguros de vida, um produto que era entendido apenas como um ‘pedágio’ para obter vantagens bancárias, foi preciso dar uma grande ênfase aos serviços oferecidos”.

Mudança de imagem – Atualmente, os fundos de pensão estão buscando desfazer esta imagem, ou seja, focando mais no que representam em termos de seleção de ativos do que no montante que gerenciam – perfil já explorado em outros países. Novamente utilizando o exemplo dos Estados Unidos, disparado o país que possui o maior patrimônio em previdência, as notícias de fundações estão nas páginas de jornal relacionadas a recursos humanos. A previdência aberta, por sua vez, fica nas editorias de seguros. “Aqui no Brasil, ouve-se falar em fundo de pensão quando a imprensa entende que existe um déficit, conceito que neste setor é entendido erroneamente como rombo. É o resultado de anos de cobertura dos desvios da previdência oficial, do INSS”, lembra o consultor da Watson Wyatt.
E isso pode estar mudando. É cada vez mais comum ouvir representantes de fundos de pensão reforçando que as fundações não possuem um patrimônio, apenas administram poupanças individuais. A cultura de ligar o fundo de pensão a um montante que na verdade não possui gerou, inclusive, perdas para o setor.
Um exemplo é a Súmula 289, do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), lembra o presidente da Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar (Abrapp), Fernando Pimentel. A decisão estabeleceu, em maio deste ano, que a restituição das parcelas pagas pelos planos de previdência privada aos participantes deve ser feita com correção monetária plena. “Os juízes entenderam que os valores reivindicados em ações eram ínfimos em relação ao que entendem como patrimônio das entidades. Por conta disso, a Abrapp foi voluntariamente ao STJ explicar este conceito de poupança individual”, diz Pimentel.

Relação PIB/previdência no mundo
Estados Unidos – 71%
Canadá – 63%
Holanda – 113%
Suécia – 107%
Dinamarca – 84%
Japão – 46%
Austrália – 68%
Hong Kong – 49%
Chile – 53%
Fonte: Abrapp