Edição 274
O procurador federal Marcelo Siqueira Freitas, atual secretário executivo do Ministério da Previdência Social (MPS) é enfático ao reprovar as decisões dos governadores de estados como Paraná, Minas Gerais e Rio Grande do Norte de migrar o pagamento de benefícios do Tesouro para os fundos capitalizados de regimes próprios. Não fossem as liminares concedidas aos estados, o dirigente afirma que o ministério não autorizaria tais decisões, porque gera um desequilíbrio atuarial sobre os fundos.
O secretário executivo, que acumula experiência desde o ano 2000 em atuação na procuradoria do INSS, explica que o ministério tem discutido com um grupo de governadores do nordeste para buscar novas fontes de financiamento para o custeio dos benefícios dos servidores. A discussão começou no mês de julho em um encontro em Teresina (PI) entre os governadores dos estados nordestinos e o Ministro Carlos Gabas. Desse primeiro encontro, surgiram propostas como por exemplo a utilização dos recursos do Dpvat para o custeio de parte dos benefícios.
As propostas foram levadas para encontro no Conaprev em agosto e ampliado para todos os estados. Em entrevista exclusiva, Siqueira fala ainda sobre a criação do Prev-Federação e da importância do regime complementar para os estados.
Investidor Institucional – Quais as propostas para ajudar os estados na busca do equilíbrio no pagamento dos benefícios dos servidores?
Marcelo Siqueira Freitas – Defendemos algumas propostas para buscar algumas novas fontes de financiamento para os regimes próprios. Uma delas, que os próprios governadores propuseram, é a utilização do seguro Dpvat. Então, naqueles casos de benefícios concedidos pelos regimes próprios derivados de acidentes de trânsito, queremos propor alguma forma que o Dpvat possa ser revertido para ajudar a custear este tipo de benefício. Não podemos ignorar que buscar fontes alternativas de financiamento, ainda que para um universo específico de benefícios, ajuda a fechar as contas dos benefícios.
II – A utilização do Dpvat poderia servir para cobrir benefícios já concedidos?
MSF – Não, benefícios já concedidos dificilmente. Estamos falando de benefícios futuros, que possam ser suportados em parte pelos recursos do seguro Dpvat.
II – E a questão da demanda pela aceleração da liberação dos recursos da compensação previdenciária?
MSF – Essa é uma demanda dos entes públicos. Estamos também discutindo isso com eles, mas sem nenhuma promessa da nossa parte. O que podemos fazer é envolver outros atores do governo federal que precisam atuar nessa questão. Temos que discutir com o Ministério da Fazenda.
II – No contexto de ajuste fiscal, fica mais difícil conseguir a liberação das compensações?
MSF – Sim, isso acontece. O que estamos discutindo é uma solução que não necessariamente será de curto prazo. Ainda que no curto prazo exista uma dificuldade maior, a nossa disposição é discutir com o Ministério da Fazenda para encontrar uma solução definitiva, ainda que não seja de curto prazo. Por isso é necessário incluir a Fazenda nesse debate.
II – Que outros temas vocês estão trabalhando para ajudar os regimes próprios?
MSF – Tem uma ação junto ao judiciário, para sensibilizar os tribunais estaduais. Os RPPS dos estados têm encontrado uma dificuldade muito grande no diálogo com o judiciário dos estados, com ações que pedem aposentadorias precoces, com cálculos heterodoxos de aposentadorias e pensões. Então os estados solicitaram do ministério para fazer uma interlocução de alto nível com o judiciário dos estados para demonstrar algumas preocupações sobre entendimentos que têm impactos negativos sobre os regimes próprios.
II – Como vocês analisam a decisão de estados como o Paraná de utilizar recursos do fundo capitalizado para pagamento de benefícios antes custeados pelo Tesouro?
MSF – O Paraná realizou uma segregação de massas lá atrás, no final dos anos 90, então o estado começou a formar um fundo capitalizado para pagamento dos servidores que se aposentassem após a segregação. Com isso, conseguiu capitalizar alguns bilhões de reais para pagar os benefícios futuros. O que o Paraná fez no começo deste ano foi desmontar essa lógica. Ele inseriu servidores que eram pagos pelo Tesouro, para que o fundo capitalizado começasse a pagá-los. Com isso, começou a consumir os recursos aportados no fundo e ressurgiu um déficit atuarial nas contas do fundo.
II – Então, o Ministério foi contrário à decisão do Paraná?
MSF – O Paraná está em uma posição bem diferente dos governadores do nordeste. Enquanto os governadores dos estados nordestinos estão discutindo conosco soluções em conjunto com o ministério, o Paraná apostou em outra saída. Por conta de uma decisão judicial que tem a seu favor, que retira boa parte do poder de supervisão do ministério sobre a previdência do estado, tem adotado algumas decisões unilaterais de descapitalização do regime próprio. É essa descapitalização que o estado fez recentemente que está gerando essa percepção de um desequilíbrio atuarial no regime próprio do Paraná.
II – Por que vocês não têm poder de evitar essa situação no Paraná?
MSF – Por conta da liminar que eles têm no Supremo Tribunal Federal. Se não fosse isso, teríamos vetado. Ainda que não pudemos impedir, por causa das liminares, fizemos uma análise técnica para mostrar que o estado não conta com a nossa concordância. Temos atuado em parceria com a Advocacia Geral da União para reverter essas situações.
II – Quais os outros estados que seguiram o mesmo caminho do Paraná?
MSF – Dois outros estados seguiram o mesmo caminho, que é Minas Gerais e Rio Grande do Norte. Também estamos em desacordo com as decisões tomadas nesses estados. Não é que a revisão da segregação de massas seja impossível. Ela não é impossível, mas para obter a concordância do ministério, o ente tem que demonstrar que isso não vai impactar no equilíbrio atuarial. Por exemplo, se o fundo tem superávit, e o plano vai consumir apenas o superávit atuarial, o ministério não teria nenhuma restrição.
II – O que o ministério tem feito para inibir irregularidades na gestão dos regimes próprios de previdência?
MSF – O que temos feito é o trabalho cotidiano do ministério de fiscalização desses fundos, inclusive com histórico de autuação dos fundos quando a política de investimentos viola as normas de compliance. Outro ponto que está na pauta atual da agenda do ministério, é o reforço do departamento de regimes próprios. Tem que se considerar o seguinte, o regime geral tem uma autarquia própria para gerenciá-lo, que é o INSS. O regime complementar tem uma superintendência para fiscalizá-lo que é a Previc. E o regime próprio é fiscalizado por cada ente que o criou, os estados, o distrito federal e os municípios, e o trabalho de fiscalização é feito diretamente pelo ministério. Não tem nenhuma estrutura específica como ocorre para os regimes geral e complementar.
II – Poderia ser criado uma nova autarquia ou secretaria para os RPPS?
MSF – Não há planos para criação de uma nova autarquia, mas há planos para aumento da estrutura de fiscalização dos regimes próprios. Há ideias nos sentidos de criação de uma secretaria ou de aumento da equipe, mas ainda não há nada decidido.
II – Como está o projeto de criação do fundo multipatrocinado dos estados, o Prev-Federação?
MSF – Desde nosso ponto de vista, a criação dos regimes de previdência complementar para os estados, assim como a União fez para os servidores federais é extremamento salutar. Tanto pelo ponto de vista da segurança do sistema, quanto da busca de uma redefinição do equilíbrio atuarial dos regimes próprios a médio e longo prazo dos estados.
II – Quais as dificuldades?
MSF – O que alguns entes têm apontado para o ministério, é que ainda que concordem com a criação da previdência complementar, eles têm quadros de servidores muito pequenos ou reduzidos, o que faz com que a criação de uma estrutura própria para o gerenciamento do fundo de previdência complementar, isso consumiria uma parcela muito alta do fundo, tornando-o anti-econômico. E aí surgiu a ideia de um gestor para um fundo multipatrocinado.
II – E quem poderia ser esse gestor?
MSF – Surgiu a ideia de aproveitar alguma estatal federal para administrar esse fundo. Uma das propostas é a da Caixa Econômica Federal. O Ministério da Previdência tem negociado com o Ministério da Fazenda, que é o órgão supervisor da Caixa Econômica, para implementar o projeto o quanto antes.
II – Por que não poderia ser um fundo ao estilo do Funpresp, mas que administrasse vários planos estaduais?
MSF – Do ponto de vista legal, não haveria restrição. O que temos que avaliar é se uma entidade similar ao Funpresp conseguiria dialogar com tantas governanças díspares como são os vários estados. A vantagem da Caixa Econômica é que tem uma governança própria. No caso de uma entidade própria, teria que contar com a governança dos estados. Deveria ter uma governança múltipla para dialogar com diversos atores e não temos clareza que isso seria exequível. Então a vantagem da Caixa é que a questão da governança seria mais fácil.