Edição 382
O Banco Central do Brasil decretou a liquidação extrajudicial do Banco Master no último dia 18 de novembro. O controlador da instituição, Daniel Vorcaro, foi preso pela Polícia Federal no âmbito da Operação Compliance Zero, que investiga suspeitas de fraudes financeiras. Enquanto as entidades fechadas (fundos de pensão) não tinham investimentos em papéis do Master, os regimes próprios (RPPS) acumulavam R$ 1,76 bilhão em ativos da instituição financeira, a maior parte em Letras Financeiras (LFs).

Posteriormente, Vorcaro foi solto por decisão da Justiça e passou a cumprir medidas cautelares. A Polícia Federal continua investigando as fraudes na gestão do banco, enquanto os investidores se preparam para uma longa e árdua jornada para reaver os recursos investidos.
Apesar das orientações de consultores e de informações públicas que já indicavam fragilidades na instituição com diversos indícios de irregularidades, vários RPPS continuaram realizando investimentos em letras financeiras do Master nos anos de 2024 e 2025. Questionadas sobre erros ou irregularidades nas decisões sobre as aplicações, alguns desses institutos informam que estão apurando o ocorrido e avaliando medidas para mitigar ou reverter eventuais prejuízos, como são os casos, por exemplo, dos regimes próprios de Aparecida de Goiânia (GO) e Araras (SP).
Outros dizem que fizeram as aplicações dentro dos limites e orientações definidas pela regulação e pelo Banco Central, como são os casos de São Roque (SP), Amazonas (AM) e Santa Rita D’Oeste (SP). E há ainda aqueles que não retornaram aos pedidos de entrevista nem responderam aos questionamentos de Investidor Institucional.

Aparecida de Goiânia – O Instituto de Previdência dos Servidores de Aparecida de Goiânia (AparecidaPrev) informou que a aplicação de R$ 40 milhões do instituto em LFs do Master foi realizada em junho de 2024, durante a administração do ex-prefeito Vilmar Mariano.
Segundo a entidade, a proposta de aplicação em ativos do Master foi apresentada pelo ex-secretário da Fazenda de Aparecida, Einstein Paniago, que integrava o conselho de investimentos do instituto. Ele havia presidido o AparecidaPrev antes de virar secretário da Fazenda.
“Como a aplicação foi realizada em instituição financeira com nota inferior ao permitido pela política vigente do AparecidaPrev contrariando os critérios estabelecidos, assim que assumimos a gestão, em janeiro de 2025, notificamos nosso Conselho Deliberativo, e comunicamos formalmente os órgãos de controle e apresentamos denúncia ao Ministério Público e ao Ministério da Previdência Social, para que sejam apuradas as responsabilidades”, diz Márcia Tinoco, presidente do AparecidaPrev.
Por se tratar de uma aplicação vinculada a um prazo longo, de 10 anos, o investimento não pôde ser resgatado. Até outubro de 2025, a aplicação tinha registrado retorno de de R$ 7 milhões, que agora podem virar pó. A presidente do instituto de Aparecida de Goiânia informa que o regime próprio irá se habilitar como credor para buscar a recuperação do valor aplicado e dos respectivos rendimentos. “Estamos atuando com transparência e responsabilidade para proteger o patrimônio previdenciário dos servidores municipais, adotando todas as medidas cabíveis para resguardar os recursos do RPPS”, afirma Márcia Tinoco.
Araras – Na mesma linha, a Prefeitura de Araras (SP) e o Araprev (Serviço de Previdência Social do Município de Araras) informaram que estão adotando medidas cabíveis para resguardar os interesses dos aposentados e pensionistas do serviço público municipal. Para isso, abriu procedimento de sindicância interna para apurar as decisões de aplicações em ativos da instituição. O Araprev realizou três aplicações em 2024 em papéis do Banco Master, que somam R$ 29 milhões.
“A fim de preservar os interesses dos aposentados e pensionistas, a Prefeitura informa que acatou o pedido fundamentado do Araprev pela abertura de sindicância interna para averiguar os procedimentos tomados no ano de 2024 na autarquia. Outra medida foi encaminhar o caso à Procuradoria Geral do Município para providências administrativas e/ou judiciais perante o caso ocorrido”, afirma comunicado do instituto.
Dentro dos limites – Outros regimes próprios alegam que as aplicações foram realizadas dentro dos limites e orientações da regulação vigente. É o caso do São Roque Prev (Instituto de Previdência Social dos Servidores Municipais de São Roque), por exemplo, que em resposta por escrito à esta publicação informou que “adquiriu as letras financeiras do banco em 2024 e o investimento seguiu ritos legais e técnicos, com pareceres de assessoria de investimentos, aprovação do Comitê de Investimentos, ciência e homologação dos Conselhos Fiscal e Deliberativo”.
“É importante salientar que, à época dos investimentos, a instituição financeira estava regularizada pelos órgãos competentes (Banco Central, CVM e Secretaria de Regimes Próprios) e possuía avaliações satisfatórias de agências internacionais de rating, o que respaldou a operação”, continua o instituto. A direção alega que atendeu à Resolução CMN nº 4.963/2021 e todos os documentos exigidos foram encaminhados ao Tribunal de Contas, sem novos questionamentos ao instituto.

Alertas – Mesmo dentro dos limites legais, talvez os regimes próprios terão de responder pelas decisões de investimentos. É que os consultores e a própria mídia especializada já apontavam dificuldades e possíveis irregularidades na gestão do Banco Master desde o ano passado.
A SMI Consultoria, por exemplo, explica que nenhum de seus clientes realizou investimentos em ativos do Banco Master, em linha com a recomendação de evitar letras financeiras da instituição. A orientação foi baseada em análise da consultoria nos balanços do banco feita em 2024.
Entre os pontos que chamaram atenção estava a composição do ativo, que tinha baixo volume de recebíveis de contrapartes resultantes dos empréstimos concedidos e uma presença de precatórios, fator que gerou dúvidas quanto à capacidade do banco honrar seus compromissos.
“Nas nossas análises, o balanço do banco não convenceu. Quando o regime próprio investe em um ativo bancário, na prática está emprestando dinheiro à instituição. Por isso, é fundamental avaliar a capacidade de devolver esses recursos. Apesar das taxas atrativas, alguns aspectos do balanço nos deixaram inseguros”, explicou Álvaro Dezidério da Luz, economista da SMI.
Diversas reportagens publicadas já apontavam informações e rumores de problemas na instituição, que tentava passar o controle para outro banco. O mais citado em matérias da imprensa foi o BRB (Banco de Brasília) que estava tentando a aprovação para a aquisição do Master junto ao Banco Central, que acabou inviabilizada.
Caso positivo – Há ainda aqueles regimes próprios que decidiram não investir nos ativos do Master, apesar dos constantes contatos de seus distribuidores. É o caso do regime próprio de Rondônia (Iperon) que vetou o credenciamento do Master em sua lista de instituições aptas a receber aplicações.
“Na 7ª Reunião Ordinária do Comitê de Investimentos de 2025, realizada em 23 de julho, o comitê indeferiu os pedidos de credenciamento do Banco Master S/A e da Corretora Master CCTVM S.A. A recusa ocorreu por ausência de solidez patrimonial, risco reputacional e exposição pública”, disse o instituto através de nota.
Gestão técnica – Em comunicado, o governo do Amazonas ressaltou que “a aplicação em letras financeiras do Banco Master [realizado pela Amazonprev], no valor de R$ 50 milhões, embora seja um valor significativo em números absolutos, representa menos de 0,5% do total de aplicações do regime próprio. Esse montante está abaixo do limite de alçada colegiada”.
A nota aponta ainda que o RPPS obteve resultado positivo de cerca de R$ 1,1 bilhão, entre janeiro e outubro deste ano. “Para se ter ideia, em 2024, o superávit atuarial do Fundo Previdenciário do Amazonas foi de R$ 1,7 bilhão. Isso quer dizer que o fundo tem recursos para pagar as aposentadorias e pensões dos atuais beneficiários, incluindo os benefícios futuros dos servidores. Esses resultados são fruto de uma gestão técnica, responsável e transparente do Governo do Estado do Amazonas em relação à aposentadoria dos seus servidores”, diz o comunicado.
Ao ser questionado sobre o conteúdo do posicionamento, um profissional do RPPS, que preferiu não se identificar, disse não concordar com a nota. “Existe uma alçada e no caso do valor aplicado no Master, não precisou de aprovação dos conselhos. Esse negócio de relativizar o valor investido é que não me agrada”, disse a fonte.
Na mesma linha, o Instituto Municipal de Previdência de Santa Rita d’Oeste disse que “os investimentos realizados pela autarquia no Banco Master seguiram critérios técnicos embasados em relatórios apresentados por consultorias especializadas”. Ou seja, terceirizou as responsabilidades.
Questionada sobre as apurações de responsabilidades conduzidas pelo Ministério da Previdência, o subsecretário de RPPS, Allex Albert Rodrigues, disse que não poderia fornecer informações no momento “porque as investigações estão correndo em sigilo”.