Edição 357
O títulos públicos e as carteiras de crédito consignado estão entre as classes de ativos que mais têm despertado o interesse dos gestores de RPPS nos últimos três anos, na esteira do aumento dos juros mas também em função de ajustes regulatórios trazidos pela Portaria 1.467/2022, explica Francis Nascimento, diretora de investimentos da Prevcom que coordenou painel de debates sobre o tema durante o Congresso da Abipem em Foz do Iguaçu. A portaria traz novas informações e veio regular a operacionalização, o gerenciamento e a fiscalização das alocações desses investidores. “Foi um embasamento normativo importante também para os RPPS fazerem mais operações de consignados. Para as carteiras, o consignado traz as vantagens de oferecer garantias e rentabilidade maiores em operações seguras”, diz Nascimento.
Os institutos do RPPS foram autorizados pela Resolução CMN 4.963, publicada no final de 2021, a operar com empréstimos consignados aos seus participantes a partir de janeiro de 2022, mas foi a portaria 1.467, de julho do ano passado, que normatizou o assunto.
No caso dos títulos públicos, eram poucos os municípios que compravam esses papéis, mas o interesse cresceu entre 2022 e 2023 como decorrência do juro elevado, que propiciou retornos que superam as metas atuariais dessas instituições. Além disso, o atrativo das taxas veio reforçar outro fator positivo para alocar nessa classe, a possibilidade aberta pela legislação para os RPPS marcarem os títulos na curva.
“Os RPPS aproveitaram a boa oportunidade trazida pelos juros elevados, mas esses papéis serão sempre importantes para as carteiras, a depender do spread obtido, até porque há espaço para alocar em uma série de fundos de investimentos, com características diferenciadas, e fazer outros movimentos nesse mercado”, afirma Nascimento.
Duas classes de ativos estão particularmente “na moda” para os RPPS atualmente: voltar a comprar títulos públicos e oferecer crédito consignado, ressalta o consultor Paulo Di Blasi. Os títulos do Tesouro estão longe de ser uma novidade para o setor. “Os institutos agora estão aproveitando as taxas elevadas, o que é acertado, mas não é um assunto novo, então não há motivo para não explorar essa alternativa corretamente. Nos RPPS com tamanho e estrutura para isso, já fazíamos inclusive aquisições por meio dos leilões primários do Tesouro, então a alternativa já existia”, lembra. Quem não pode comprar no mercado primário, vai ao secundário ou monta uma carteira administrada. A legislação anterior autorizava também as compras no mercado secundário, como hoje, mas a proposta precisa ser evidenciada como a mais vantajosa para o instituto.
Há uma diferença importante, contudo, entre os procedimentos permitidos aos fundos de pensão e aos RPPS. “Esse é um ponto que precisaria ser melhor regulamentado, segundo Di Blasi, uma vez que na comparação entre as regulações dos investimentos dos RPPS (Resolução 4.963) e a dos fundos de pensão (Resolução 4.994) há procedimentos diferentes para a mesma operação. “Enquanto as Entidades Fechadas de Previdência Complementar podem fazer suas cotações de títulos em mercado, usando fontes secundárias e cotado por e-mail ou telefone gravado, os institutos do Regime Próprio devem contratar as plataformas para fazer a mesma operação. São modelos diferentes, é verdade, mas a operação é a mesma, então o assunto precisa ser revisto e melhor regulamentado”, defende.
Ele admite que a preocupação do regulador é compreensível e visa fazer com que as compras ocorram dentro dos parâmetros do mercado. “A exigência das plataformas, inclusive, é antiga, já prevista na Resolução 3.922/2010, mas com a alta das taxas de juros e a legislação que passou a permitir a marcação dos títulos na curva para os planos que têm risco atuarial (BDs e estoques), essa classe ficou mais vantajosa e aumentou o interesse dos RPPS”, diz.
Ele lembra que a marcação na curva não pode ser feita como uma “contabilidade de conveniência”, ou seja, é inviável pensar em adotar um modelo de precificação de acordo com o momento do mercado. O modelo só pode ser aplicado de acordo com a necessidade de liquidez do plano e essa decisão tem que ser tomada no momento da aquisição dos títulos. O assunto está disciplinado pela Portaria 1.467, que trata da reclassificação da precificação na curva (títulos levados a vencimento) ou a mercado.
“Além disso, a abordagem correta, principalmente nas compras de ativos a granel, impõe conhecer o lado operacional do texto legal, até porque as operações no mercado secundário envolvem taxas e emolumentos e isso precisa estar no preço”, diz.
No caso dos títulos de instituições financeiras comprados a granel, como as Letras Financeiras, por exemplo, também é preciso avaliar corretamente os riscos envolvidos. A compra das LF pelos RPPS está prevista na Resolução 4.963,que permite alocar até 20% do patrimônio dos institutos em títulos de renda fixa emitidos por instituições financeiras e, desde julho de 2022, a portaria do Ministério do Trabalho e Previdência autorizou a marcação desses papéis na curva.
O processo de compra de ativos a granel, entretanto, deve levar em conta o preço justo dos ativos e não considerar as taxas que permitam bater a meta atuarial se os preços não estiverem dentro dos parâmetros de mercado. “Os critérios sempre devem ser mais técnicos do que simplesmente pagar acima das metas”, avisa..
Em relação ao crédito consignado, as operações criam a necessidade de que a instituição tenha gestão de riscos e controles internos adequados, ou seja, não basta ter ferramentas tecnológicas, porque o assunto é complexo e eventos no meio do caminho podem interferir no pagamento de margem. “O consignado é um produto novo para os RPPS, embora não seja novo para as EFPCs. O volume de operações feitas pelos institutos tem crescido bastante, mas há uma série de controles necessários, o que exige uma curva de aprendizado porque o risco é baixo mas não é zero”, afirma.
Os fundos de pensão, que já têm os empréstimos aos participantes como uma realidade em suas carteiras há algum tempo, somam R$ 23,6 bi alocados nessas operações. “A taxa média adotada pelas EFPCs está em 2,47% ao mês ou 34% ao ano, com 28,5% de ganho real”, informa Ugo Garcia, gerente de estratégias públicas da MAG. “Esse segmento passou a representar também uma boa oportunidade de rentabilização para as carteiras dos RPPS, independente da taxa praticada, com baixa volatilidade e pequeno risco de crédito, mas não é um trabalho simples, é uma nova alternativa que precisa ser bem organizada, planejada, documentada e bem gerida”, afirma.
Os riscos estarão avaliados nos estudos necessários para permitir a implantação dos empréstimos e estarão cobertos por seguros, ou fundo garantidor ou fundo de oscilação. Além disso, os municípios são os detentores dos meios de pagamento aos servidores, o que reduz muito o risco de inadimplência. “O ganho real é significativo mesmo para quem só puder alocar 5% do patrimônio, além de contribuir para a diversificação das carteiras”, ressalta.