Análise no lugar errado | Santander analisa cenários econômicos e...

Francisco Cordeiro da Luz Filho, do IPMOReginaldo Alexandre, da ApimecEdição 262

 

Ao associar os resultados das pesquisas eleitorais à volatilidade do mercado de ações, no rodapé do corriqueiro extrato mensal enviado pelo correio aos clientes “select”, que ganham acima de R$ 10 mil por mês, o banco Santander protagonizou um episódio raro no mercado. A candidata à reeleição Dilma Rousseff e líderes do Partido dos Trabalhadores (PT) mostraram indignação contra a postura da instituição financeira, o que culminou na demissão de funcionários de alto escalão do banco e em um pedido formal de desculpas. 

Embora dirigentes do PT tenham afirmado que a empresa não sofreria retaliação, poucos dias depois do ocorrido a prefeitura de Osasco, governada pelo PT, anunciou o cancelamento do convênio que mantinha com o Santander. Segundo a assessoria de imprensa municipal, o ato foi motivado por “reclamações de correntistas, iniciadas no ano passado”, e apenas “coincidiu” com o incidente do relatório.
O regime próprio de previdência dos servidores do município de Osasco, IPMO, também reviu aplicação que mantinha com a instituição. O RPPS anunciou o resgate de R$ 1,34 milhão de aplicação em um fundo de renda fixa que mantinha com a asset do Santander. Entretanto, deverá manter as carteiras de crédito privado em que o banco atua como custodiante, que somam R$ 25 milhões.
Segundo o presidente do IPMO, Francisco Cordeiro da Luz Filho, esta medida não deve ser vista como uma “represália”, já que o desinvestimento estava previsto desde o começo do ano. “A aplicação era de curto prazo e vai vencer logo. Também vamos resgatar recursos de mais dois fundos, um da Caixa e outro do Bradesco, para investir R$ 5 milhões em uma carteira de maior rentabilidade”, explicou. O fundo a ser investido não foi revelado. Luz Filho apenas informou que será uma aplicação de renda fixa.
A rentabilidade do fundo Santander IMA-B Títulos Públicos ficou negativa em 10,63% no consolidado de 2013, figurando entre as piores da categoria “100% títulos públicos” da carteira do IPMO. No primeiro semestre de 2014, contudo, o fundo do Santander foi o que mais rendeu dentro dessa categoria, atingindo rentabilidade de 9,26%. O IPMO soma um patrimônio de R$ 155,8 milhões, conforme o balanço do primeiro semestre divulgado pelo RPPS.
Luz Filho garante, contudo, que “nada mudou no que diz respeito ao relacionamento do instituto com o Santander”. Eventualmente, se algum fundo do Santander apresentar “rentabilidade interessante, o instituto poderá investir novamente nos produtos do banco”, diz. Em relação à mensagem do banco, o presidente do IPMO prefere por panos quentes e afirma não ter visto “nada de diferente do que o mercado já havia dito”. Mas alerta que é preciso ser mais cauteloso em período de eleição. “Durante as eleições, o que importa é a versão dos fatos, e não os fatos”, destaca.
Segundo ele, a mensagem deixa implícito que a gestão Dilma não fez bem ao país. “Uma coisa é publicar uma análise, outra é torcer para que um evento desejado, como a eleição de um determinado candidato, aconteça. Por isso é sempre importante que os analistas se baseiem em fatos, para que a análise se distancie de uma mera opinião”, pondera. “Eu, particularmente, não acredito no colapso da nossa economia. Acho que estamos bem, embora alguns problemas devam sim ser resolvidos”, complementa.

Analistas – Reginaldo Alexandre, presidente da Associação Nacional dos Analistas e Profissionais de Investimento de Mercado de Capitais (Apimec), afirma que o profissional tem a obrigação de analisar todas as variáveis possíveis, sejam de mercado ou políticas, para emitir um parecer o mais completo possível para o investidor. “O mercado é movido por expectativas. É praticamente impossível não expressar opiniões. Mas claro que tudo deve ser embasado em dados”, pondera.
O texto do Santander – que foi copiado de um relatório do banco Fator, assinado pelo economista Paulo Gala –, foi publicado em um extrato mensal enviado a correntistas do banco, e não em um relatório formal. Também não foi assinado por um analista, como determina a Instrução 483, da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que regulamenta a profissão. “A atuação do analista deve ser independente. Ele precisa de liberdade para expressar suas análises”, comenta Alexandre. O executivo, contudo, não quis emitir opinião em torno do incidente do Santander. “Não me cabe julgar a decisão do banco em torno do ocorrido. A CVM é quem fiscaliza esse mercado e, se houve algum erro de conduta dos analistas, ela pode ser acionada para avaliar o caso”, diz.
Gabriel Amado, diretor de investimentos da Fundação Itaú-Unibanco, afirma que o recebimento de relatórios com análise de mercado é muito comum e serve de subsídio para que a equipe de gestão de recursos possa elaborar sua própria opinião em torno dos fatos e, desta forma, discutir as melhores opções de ativos para investir. “Nada mudou. Recebemos recomendações de investimentos, opiniões, análises. Mas filtramos tudo o que chega”, diz o executivo.
Esse procedimento também é corriqueiro na Fundação Cesp. “Somos clientes de diversas instituições financeiras e recebemos milhares de relatórios por dia com análises semelhantes à do Santander. O que pegou mal no caso do banco foi que o texto não era assinado por um analista, então virou o equivalente a uma opinião institucional”, declara Edner Castilho, gerente executivo de gestão de risco da fundação.
Segundo o executivo, nenhum relatório que a fundação recebeu do Santander nos últimos tempos tem um tom “eleitoreiro”. “Todos os bancos e consultores são muito cuidadosos na hora de escrever. Nada mudou para nós, continuamos a receber os mesmos relatórios de sempre, com as mesmas mensagens de sempre. Não sei por que tanto alarde em torno desse assunto”, diz.

Trecho da carta do Santander

“Se a presidente se estabilizar ou voltar a subir nas pesquisas, um cenário de reversão pode surgir. O câmbio voltaria a se desvalorizar, juros longos retomariam alta e o índice Bovespa cairia, revertendo parte das altas recentes. Esse último cenário estaria mais de acordo com a deterioração de nossos fundamentos macroeconômicos”.
Em nota, a assessoria do banco informou que a instituição adota critérios exclusivamente técnicos em todas as análises econômicas, que ficam restritas à discussão de variáveis que possam afetar os investimentos dos correntistas, sem qualquer viés político ou partidário. “O texto veiculado na coluna ‘Você e Seu Dinheiro’, no extrato mensal enviado aos clientes do segmento select, pode permitir interpretações que não são aderentes a essa diretriz. A instituição pede desculpas aos seus clientes e acrescenta que estão sendo tomadas as providências para assegurar que nenhum comunicado dê margem a interpretações diversas dessa orientação”, alega no comunicado.