Edição 216
Os fundos de pensão já não se assustam mais com os altos e baixos do mercado acionário. Ao invés de fugirem da Bolsa em queda, realizando prejuízo, as fundações chegam até a aproveitar a baixa para ir às compras. E mais: esse comportamento não é exclusivo de grandes e tradicionais entidades como a Petros, mas, sim, é adotado também por novatas de menor porte como a OABPrev-SP, passando pela Ecos, pela Fundiágua e pelo Infraprev.
Sidney Bortolato Alves, diretor tesoureiro da OABPrev-SP, conta que, no ano passado, a política de investimentos da entidade aprovava uma exposição de até 5% do patrimônio em renda variável. Para este ano, foi decidido que o teto seria ampliado para 15%, podendo chegar ao máximo de 20% caso fosse detectada uma oportunidade imperdível de ganhos. Ao final de maio, dos R$ 84,2 milhões de patrimônio da OABPrev-SP, R$ 12,5 milhões estavam aplicados em ações, o que equivale a quase 15% do total de recursos da entidade. “Praticamente triplicamos o nosso aporte em bolsa de valores desde o final do ano passado, quando estávamos com 5%”, aponta Alves. Ele confirma que a OABPrev-SP tem aproveitado a queda da Bolsa para aumentar as alocações. “Estamos aproveitando as baixas para fazer compras. Já estamos com uma boa carteira”, completa ele, ao informar que a gestão de renda variável da entidade, terceirizada para a Icatu Hartford Administração de Recursos, é aderente ao IBrX.
Alves informa, no entanto, que a ideia não é chegar aos 20% estipulados pela política de investimentos. “Colocamos esses 20% para dar um pouco de maleabilidade à política caso surja um bom negócio que não queremos perder. Mas não acredito que cheguemos a isso por enquanto, porque somos muito cautelosos. Podemos ir para 16%, 17%, depois voltar para 15%. Isso vai se acomodando de acordo com o comportamento do mercado”, explica. De acordo com Alves, a entidade, além de seguir a composição do próprio IBrX, tem investido em ações de companhias cuja atuação é mais ligada ao consumo interno, como as do segmento de varejo. Ele argumenta que as compras estão sendo feitas porque a OABPrev-SP acredita em uma retomada da Bolsa lá na frente.
Outro fundo de pensão que também viu na baixa uma oportunidade de ganho foi a Ecos – Fundação de Seguridade Social do Banco Econômico SA.
Jussara Carvalho Salustino, diretora administrativo financeira da entidade, conta que, apesar de o plano de Benefício Definido (BD) da fundação ser maduro e, portanto, exigir aplicações mais conservadoras, foi possível aproveitar um momento de queda da Bolsa. “Nada de pessimismo.
Quando as janelas aparecem, nós vamos lá e aproveitamos. Acreditamos que esse movimento é de curto prazo, por isso, temos dado nossas mordidinhas. Em meados de maio, vimos uma oportunidade e fizemos uma alocação”, diz. O plano BD da entidade tem R$ 675 milhões em recursos, com 13% de exposição a renda variável. Jussara explica que, como a carteira do plano BD está bastante alongada, não há muitos recursos livres para fazer grandes compras de ações. “Mesmo porque, refizemos nosso ALM no final do ano passado”, completa. E como no plano de Contribuição Definida (CD) da fundação há os perfis de investimento, as parcelas de alocação em ações são pré-definidas. Ao contrário do que acontece na OABPrev-SP, que deixa a gestão de renda variável a cargo da Icatu, na Ecos a maior parte da carteira é gerida dentro de casa.
Operando a volatilidade – Diante de um cenário bastante instável, o Infraprev – Instituto Infraero de Seguridade Social tem procurado fazer compras e vendas de ações para ganhar tanto com as altas quanto com as baixas da Bolsa. Carlos Frederico Aires Duque, diretor-superintendente do fundo de pensão, detalha que 30% da carteira de renda variável da entidade é destinada a giro. Esses recursos é que vem sendo utilizados para operar a volatilidade do mercado acionário.
Entre os papéis que estão na mira da fundação, Duque destaca as ações de companhias que atuam em setores mais ligados à economia real brasileira, como construção civil e varejo, por exemplo. Além disso, o instituto tem olhado para papéis de empresas com atividades ligadas a commodities, “que estão bastante descontados”. O diretor- superintendente do Infraprev também acredita em uma recuperação do mercado acionário brasileiro. “Essa baixa da Bolsa não é uma questão de fundamento, mas de fluxo. Os estrangeiros estão vendendo muito, houve uma saída muito forte. Mais cedo ou mais tarde, haverá uma retomada”, opina.
Aliada à estratégia de lidar com a volatilidade, é adotada também uma medida de proteção dos recursos do Infraprev, por meio de operações com futuros de índice, diz Duque. Ele informa, ainda, que no acumulado de 2010 até abril a carteira de renda variável do Infraprev teve rentabilidade positiva de 1,03%, contra um desempenho negativo de 1,54% do Ibovespa no mesmo período. Com gestão totalmente interna, a carteira de ações do instituto responde por 24% do seu patrimônio total de R$ 1,535 bilhão.
A Petros, segundo maior fundo de pensão do Brasil, também tem aproveitado a volatilidade da Bolsa para buscar boas oportunidades de investimentos. No momento, a entidade vem aumentando ou reduzindo a exposição a ações de acordo com o movimento diário do mercado.
Segundo a fundação, o cenário benigno para a economia brasileira tem chamado sua atenção para ações de empresas voltadas ao mercado doméstico e ligadas a infraestrutura, uma vez que elas devem apresentar bons resultados em 2010. Em janeiro deste ano, o volume do patrimônio aplicado em renda variável era de 29%, sendo 11% referente à carteira de giro da fundação.
Além do Infraprev, outro fundo de pensão lança mão de operações com futuros de índice em sua estratégia de renda variável: a Fundiágua – Fundação de Previdência da Companhia de Saneamento do Distrito Federal. Segundo José Fernando Cravos, gestor de investimentos da entidade, cerca de 12% do ativo do fundo de pensão está exposto a renda variável. A maioria dessa parcela, no entanto, é alocada em derivativos do Ibovespa, por meio de carteiras estruturadas internamente pela entidade que mesclam títulos de renda fixa e opções. Em relação ao total de recursos garantidores, que hoje chega a R$ 400 milhões, somente entre 3% e 4% são destinados a fundos de ações, e a fundação não compra papéis diretamente na Bolsa. “Temos alguma coisa em fundos que buscam um rendimento um pouco acima do IBrX, mas a maior parte da nossa renda variável está nas carteiras estruturadas com derivativos de Ibovespa”, afirma Cravos.
Ele explica que, dessa forma, a entidade não ganha tanto quando a Bolsa sobe muito, mas também não perde o mesmo que o mercado quando a maré é de baixa. “O que ocorre com nossos investimentos historicamente é que, quando a Bolsa sobe muito, nós tendemos a ficar sempre um pouco abaixo da indústria. Por outro lado, quando a Bolsa cai muito, o nosso desempenho sobe consideravelmente em relação ao Índice Bovespa e aos fundos que só compram ações. Tanto é que nós nos saímos bem em 2008, mesmo com a crise. No ano passado, não atingimos toda aquela alta, mas conseguimos bater nossa meta atuarial com uma margem larga”, comenta.
O gestor informa que neste final de primeiro semestre a Fundiágua deve ampliar a participação da renda variável em seu ativo. “Devemos aumentar em no mínimo cinco e no máximo oito pontos percentuais, podendo chegar a 20%”, estima. Cravos informa que a decisão de incrementar o volume nessas operações já está tomada e que, a partir do momento em que a área de gestão operacional sentir que chegou a hora, a intenção será colocada em prática. “Nós consideramos que a Bolsa caiu de uma forma abrupta e exagerada. E a despeito de toda essa turbulência internacional, que é claro que nós não estamos menosprezando, achamos que o momento é oportuno para aumentar, de forma cautelosa, a participação no segmento. Ainda assim, por tradição e princípio de gestão, nós vamos fazer isso de uma forma que nos proteja de eventuais comportamentos adversos.” Cravos conta que recebeu visitas de cinco gestores de “renda variável mais agressiva” nos últimos vinte dias e que todos eles se mostraram bastante otimistas com relação ao mercado acionário até o final do ano. “Nós também estamos. Mas, pelo nosso perfil, nós não entramos de cabeça, por mais confiante que possamos estar.”
À espera – Mesmo diante dos casos mencionados de fundações que têm procurado usar a baixa da Bolsa a seu favor, não se pode dizer que o movimento é generalizado entre os fundos de pensão. Há entidades que, por conta da incerteza sobre os rumos do mercado, aguardam um sinal mais claro de que as coisas vão melhorar para fazer compras de ações. É essa a situação, por exemplo, do Fioprev – Instituto Oswaldo Cruz de Seguridade Social. “Por enquanto, não estamos fazendo nenhum movimento, porque não temos certeza de que a Bolsa vá voltar para os patamares de 2009. Estamos aguardando uma sinalização mais forte de qual é a tendência para tomar uma atitude”, afirma Jacques Meyohas, diretor financeiro do instituto.
Ele acrescenta que, no final do ano passado, o FioPrev tinha desenhado a estratégia de ampliar sua exposição a renda variável. Hoje, entre 8% e 9% do patrimônio de R$ 185 milhões do instituto está no segmento, e a ideia era chegar até 15%. “Como ainda não temos confiança sobre o que vai acontecer, decidimos manter as posições que já tínhamos e só. Não estamos comprando nem vendendo”, reforça Meyohas.
Gabriel Gonçalves do Vale Monteiro, analista financeiro do FioPrev, acrescenta que o instituto tem visto alternativas interessantes de investimento em renda fixa. “Com a perspectiva de elevação da taxa de juros até o final do ano, tem surgido boas oportunidades de alocação em renda fixa”, justifica ele. Monteiro detalha que a entidade vem realizando operações cujos papéis são atrelados a inflação (principalmente IPCA) e tem olhado tanto para títulos públicos quanto para papéis de crédito privado como debêntures, por exemplo. O analista informa que cerca de 85% do patrimônio do FioPrev está aplicado em renda fixa.
Derminas adia vendas para não realizar prejuízo Com 40% de seu patrimônio aplicado em renda variável, a Derminas – Sociedade Civil de Seguridade Social já estava se preparando para reduzir suas alocações no segmento. Pelo fato de o plano de previdência complementar da entidade já ser maduro, estava prevista desde o ano passado a realização de um estudo de ALM que indicaria como as aplicações deveriam estar distribuídas. O patrimônio total da entidade, cujo plano está constituído na modalidade de Benefício Definido (BD), é de R$ 270 milhões.
A fundação não contava, no entanto, com essa reviravolta no mercado acionário brasileiro, mais uma vez causada, como em 2008, por um abalo financeiro no exterior. Para não realizar prejuízo, a entidade vai esperar a maré melhorar e vender suas ações com o mercado em alta. “Temos a intenção de baixar nossa exposição a renda variável tão logo a Bolsa se recupere. Nossa saída não se deve em nada a essa volatilidade, nós já trabalhávamos com essa meta. Isso porque, como nosso plano já é maduro, não vamos mais correr tanto risco”, explica Adilson Andrade Soares, gerente de investimentos do fundo de pensão.
Ele explica que ainda não se sabe para que patamar será reduzida a alocação da Derminas em renda variável. “O ALM, que está sendo preparado, é que vai definir a realocação da carteira. O estudo deve estar pronto no início do próximo semestre”, avisa. “A ideia é alongar a carteira, concentrando mais os investimentos em títulos públicos, sendo que o ALM é que vai detalhar quais os vencimentos mais indicados. E vamos mesmo tirar de bolsa”, sinaliza. “Mas só vamos fazer isso quando a Bolsa subir, não vamos sair na baixa. A intenção era começar a saída em junho, mas em função do momento do mercado não vamos fazer isso. O nosso cronograma coincidiu com uma hora ruim de bolsa, por isso vamos esperar mais um pouco.”
Institucionais superam estrangeiros na Bolsa Um dos destaques do balanço da BM&FBovespa referente ao primeiro trimestre de 2010 foi o aumento da participação dos investidores institucionais brasileiros no mercado de ações. De acordo com o balanço, esses investidores, entre os quais estão os fundos de pensão, responderam por 29,9% do volume total movimentado no segmento Bovespa, contra 27,2% dos investidores estrangeiros. No mesmo período do ano passado, a situação era inversa: os institucionais locais detinham fatia de 23,6%, enquanto os investidores estrangeiros abocanhavam 34,3% do mercado.
O evento pode ser explicado por dois fatores conjuntos: um é a fuga de capital estrangeiro por conta da crise deflagrada na Europa e o outro é o aumento efetivo da participação do institucional nas negociações em bolsa de valores no Brasil.
“Os estrangeiros venderam bastante, porque o Brasil, entre os BRICs, tem o mercado que apresenta maior liquidez”, afirma Emílio Otranto, gerente de Desenvolvimento e Relações com Institucionais da BM&FBOVESPA, referindo-se ao grupo formado por Brasil, Rússia, Índia e China. “A nossa bolsa negocia entre R$ 7 bilhões e R$ 8 bilhões por dia. Quando o estrangeiro tem que tirar o dinheiro investido para cobrir perdas em outros mercados, de onde ele vai sair? É claro que é do mercado mais líquido”, completa.
Para o executivo, já existe uma consciência por parte dos fundos de pensão de que é preciso partir para uma diversificação das carteiras rumo a um nível maior de risco para que seja possível atingir as metas atuariais. “Apesar de a taxa de juros vir sofrendo elevações pontuais, a tendência é de queda. Vai ficar difícil para as fundações encontrar ativos cuja rentabilidade supere a meta atuarial. As entidades ainda têm os investimentos muito concentrados em renda fixa, e precisarão partir para aplicações de maior risco”, explica.
Otranto observa que os fundos de pensão vêm paulatinamente dedicando uma parcela maior de seus portfólios para a renda variável. Citando dados da Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar (Abrapp), o executivo aponta que, em 2008, os fundos de pensão investiam, em média, 28% de seu patrimônio em renda variável.
Em 31 de dezembro de 2009, essa fatia era de 33,3%. Segundo Otranto, os dados referentes ao final do ano passado englobam cerca de 370 entidades, com patrimônio total de R$ 520 bilhões.