
Mauro Guadagnoli, da Brasilprev



São poucos os setores da economia que continuam em crescimento mesmo com a derrocada do PIB em 2015 e 2016. A previdência privada aberta é um deles. No primeiro trimestre deste ano, os planos de previdência aberta tiveram aportes de R$ 21,5 bilhões, um crescimento de 5,7% na comparação com igual período do ano anterior. A captação líquida, a diferença entre depósitos e resgates, somou R$ 8,1 bilhões, de acordo com a Fenaprevi (Federação Nacional de Previdência Privada e Vida), que reúne 69 seguradoras e entidades do setor.
“O mercado de previdência aberta tem grande potencial. A reforma da Previdência será um impulsionador para que ele cresça. A conscientização das pessoas de que a poupança é de responsabilidade delas para manter o padrão de vida no futuro aumentou. Nessa época de crise, elas estão abrindo mão do consumo e poupando com visão de longo prazo”, afirma Mauro Guadagnoli, superintendente comercial da Brasilprev.
Apesar da predominância no crescimento de planos individuais no sistema de previdência aberto, a participação de empresas médias e grandes no sistema continua evoluindo, mesmo que aos poucos. Mesmo empresas com presença no varejo, como Brasilprev e Zurich Santander, já recebem consultas de patrocinadoras de planos fechados, que estudam a migração para o sistema aberto.
Trata-se de um segmento que cresce capitaneado pelos planos individuais, que responderam por 9,4 milhões de contratos no primeiro trimestre, com aportes de R$ 19,1 bilhões. O segmento de planos empresariais reuniu 3 milhões de contratos, que juntos representaram R$ 1,9 bilhão em aportes. A maioria dos planos são VGBL (Vida Gerador de Benefício Livre), com contribuições de R$ 19,5 bilhões, ficando o PGBL (Plano Gerador de Benefício Livre) com a fatia de R$ 1,8 bilhão.
Na passagem de 2014 para 2015, o crescimento do sistema aberto foi de dois dígitos, de 18,7%, com aportes que somaram R$ 95,6 bilhões. Em 2015, os investimentos de planos individuais somaram R$ 84,6 bilhões, ante R$ 73,1 bilhões em 2014.
Os planos empresariais também registraram alta, com contribuições de R$ 9,56 bilhões em 2015 ante R$ 8,4 bilhões no ano anterior. Apesar disso, ainda é pequena a participação deste segmento, que responde por cerca de R$ 50 bilhões em reservas de um total de R$ 515,2 bilhões no fim de 2015. Porém, verifica-se um movimento recente de consulta de empresas que patrocinam planos próprios de previdência que estudam a migração para o sistema aberto.
Segundo Guadagnoli, o segmento de pessoa jurídica da Brasilprev cresceu 26,2% em reservas no primeiro trimestre deste ano. Como parâmetro, o incremento de todo o mercado de planos empresariais foi de 16,8% neste período. Ele diz que os números de 2016 reforçam algumas mudanças de tendência nos planos empresariais. A concentração de grandes companhias neste segmento tem diminuído, enquanto as empresas de pequeno e médio porte evoluíram 208% nos últimos cinco anos, desde o lançamento de um produto específico pela Brasilprev.
Do fechado para o aberto – O executivo conta que vários negócios com patrocinadoras de fundações têm sido fechados sob sigilo. No ano passado, a Brasilprev recebeu recursos da migração de um plano fechado que representaram 25% de toda a captação de R$ 7,2 bilhões proveniente dos planos empresariais. “Começamos a ter novamente uma percepção de tendência nesse sentido”.
Ele explica que a procura de portabilidade de planos fechados para abertos havia sido forte há alguns anos, antes da Secretaria Nacional de Previdência Complementar se chamar Previc. Na época, a legislação passou por mudanças que estabeleceram condições mínimas atuariais de taxas de juros, e planos superavitários ficaram deficitários da noite para o dia. “Quando as patrocinadoras se adequaram à legislação, a procura por planos abertos arrefeceu. O que percebemos desde o ano passado é que houve um aumento bastante expressivo nas consultas que recebemos de empresas que patrocinam planos fechados estudando uma possível migração para planos abertos”, afirma.
Nas conversas com essas patrocinadoras, o executivo observa que o principal motivo para a migração é a busca de foco no core business, diante da necessidade de maior competitividade do setor privado na crise.
Outro, segundo o superintendente da Brasilprev, é a terceirização de riscos inerentes a planos de previdência complementar. “Eventuais oscilações em um plano de uma determinada patrocinadora podem impactar o balanço e esta é uma preocupação grande de executivos e acionistas. Acaba sendo um passivo no balanço que não é inerente ao negócio e sim ao plano de pensão dos funcionários”, afirma.
Além disso, ele aponta que há um arcabouço de regras que evoluíram muito nos últimos anos, principalmente em termos de compliance. Desta forma, outro ponto que também pesa na decisão de migrar é a responsabilidade fiduciária, que não é só da fundação, mas também da patrocinadora.
Se um movimento de migração se inicia rumo ao sistema aberto ele ainda não foi captado pela Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc), que regula os fundos fechados. Responsável pelos dados do sistema aberto, a Superintendência de Seguros Privados (Susep) informou que não tem dados específicos sobre esse tipo de portabilidade.
Carlos Marne, diretor de análise técnica da Previc, diz que nos últimos três anos até 2015 foram encerrados 47 planos de benefícios de entidades fechadas, um número menor do que os 59 aprovados.
“Houve a inclusão de 649 novos patrocinadores, 314 deles por causa da criação de planos para entes federados, do tipo funpresp”, afirma. Segundo ele, em valores, dos R$ 700 bilhões em ativos dos planos R$ 460 milhões saíram do sistema por retirada de patrocínio em 2015. Deste total, cerca de R$ 300 milhões foram para outro plano de benefício, que pode ser aberto ou fechado. No acumulado deste ano até maio, houve retirada de R$ 76 milhões, dos quais R$ 50 milhões foram direcionados para outro plano de benefício.
“Os valores de retirada foram muito pequenos em relação ao total do sistema. Do total 30% foram resgatados e 70% para outro plano de benefício, que pode ser aberto ou fechado”, afirma Marne, que atribui a esse movimento as incorporações de empresas por outras, o que leva a portabilidade de planos de benefícios.
João Batista Ângelo, diretor de previdência da Zurich Santander, também tem observado movimentações de entidades fechadas estudando a migração para o sistema aberto. Nos últimos 12 meses, a empresa participou de três grandes processos de seleção de patrocinadoras de planos fechados que avaliavam essa transferência. “Uma delas não voltou a falar conosco e imaginamos que foi só uma sondagem. Mas duas continuam no processo de escolher quem será o parceiro na previdência aberta”, afirma.
Batista atribui essas consultas a dois movimentos. De um lado, as patrocinadoras observam a expectativa de vida no futuro e, assim, avaliam ser mais vantajoso fazer a transferência do plano para o sistema aberto. Desta forma, deixam de reter o risco de longevidade dentro do grupo fechado de participantes. “É um movimento muito comum no exterior e que vai continuar nos próximos anos. No futuro, acreditamos que pode haver uma aceleração”, afirma.
O executivo explica que nos planos abertos há mais massa para diluir o risco de longevidade, tanto do ponto de vista atuarial quanto financeiro, diferentemente do que ocorre no sistema fechado, no qual há uma concentração do risco na massa de recebimentos dos participantes.
Ele diz que hoje, por exemplo, os fundos multipatrocinados, que estão debaixo da regulação fechada, não podem arcar com o risco de longevidade, ou seja a renda que podem conceder é puramente financeira.
“Eventualmente, se a entidade deseja que o participante de um fundo tenha a opção de renda atuarial, isso tem de ser feito por meio da transferência do risco atuarial para uma entidade aberta. Essa é uma discussão que está ocorrendo entre os reguladores”, afirma.
Outra questão que a patrocinadora observa é o ganho de eficiência do ponto de vista econômico na transferência do plano para uma entidade aberta.
Batista diz que a seguradora está fazendo um estudo para fortalecer a presença no segmento empresarial. A participação de mercado hoje é modesta, da ordem de 1,5% em fundos corporativos do sistema aberto. Em março, as reservas do segmento empresarial eram de cerca de R$ 800 milhões, de um total de R$ 30 bilhões de todos os planos da empresa.
Segundo ele, a demanda de empresas de médio porte teve até uma retração por causa da crise, mas isso deve se reverter à medida que a confiança na economia voltar. É um segmento que crescia antes da recessão porque a previdência era observada como um benefício diferencial na política de Recursos Humanos das empresas.
Até março, as reservas totais dos planos de previdência da Zurich Santander cresceram 25% em relação a março de 2015, com crescimento de 133% na captação líquida no primeiro trimestre deste ano ante igual período do ano anterior.
“Os resgates cresceram 15%, mas sobre uma reserva que subiu mais. Isso é fruto do trabalho de fortalecimento do produto dentro do banco, que começou em 2013. Passamos a treinar as equipes para ajudar a firmar o conceito de previdência e também simplificamos os produtos. Agora temos apenas três fundos, cada um para um perfil de risco, e que já eram os mais movimentados”, afirma.
Valorização de funcionários – Bruno Hoffmann, superintendente comercial da Icatu Seguros, diz que o crescimento dos planos de previdência abertos tem sido fortalecido pela resiliência dos clientes. “Nessa crise, o plano de previdência é o último lugar de onde o participante resgata em caso de necessidade”, afirma.
Essa mudança de comportamento tem ajudado a seguradora a incrementar os resultados. Com reservas de R$ 10 bilhões em VGBL e PGBL, a Icatu captou cerca de R$ 900 milhões em 2015, crescimento de 40% sobre o ano anterior. Das reservas, 80% estão em planos individuais e 20% em empresariais. Hoffman diz que, apesar da participação pequena de planos corporativos, tanto no sistema aberto quanto na seguradora, há potencial de crescimento porque a relevância desse benefício aumentou na percepção de funcionários das empresas.
“Está subindo na hierarquia de benefícios desejados, ao lado de plano de saúde e odontológico”, diz. A procura por empresas concentra-se nas de grande porte, segundo Hoffman, até mesmo porque elas usufruem do benefício fiscal de abater até 20% da folha de pagamento por estarem no regime de tributação Lucro Real.
Alessandro Gonçalves, gerente comercial grupo Nunes & Grossi, diz que entre as pequenas e médias, a contratação de previdência é mais voltada para gerentes e diretores, justamente por causa da ausência de incentivo fiscal representativo. “A maioria se preocupa com o que está na convenção coletiva, ou seja, a obrigatoriedade do seguro saúde, de vida e odontológico. A previdência ainda não é prioridade e precisa ser fomentada. Elas precisam de incentivo fiscal”, afirma.
Uma pesquisa de remuneração da consultoria Mercer realizada com 450 organizações, em maio deste ano, mostra que o benefício da previdência complementar já é oferecido por 64% das empresas de porte médio a alto. “Antes, era um benefício mais restrito às grandes e essa régua começou a abrir”, diz Mauro Machado, consultor de previdência da Mercer.
O consultor diz que não observa uma tendência de empresas migrarem do sistema fechado para o aberto, e sim mais uma escolha atrelada aos objetivos de cada patrocinadora. “As empresas estão avaliando com profundidade a questão da governança e do controle de benefícios. No caso do fundo fechado, é possível criar comitês para isso”, afirma Machado.
O que tem guiado as empresas para uma direção ou outra também é a relação mais próxima ou distante que desejam ter com o plano. “Se é mais próxima, o plano de fundos multipatrocinados do tipo PGBL é mais adequado porque a legislação impõe a responsabilidade no processo de investimento, de forma que a definição dele seja casada com o passivo do plano”, explica.
Segundo ele, a empresa que não quer mais esse envolvimento busca o sistema aberto. “O que temos observado são empresas que começam a avaliar a migração do PGBL para um fundo multipatrocinado. Não posso dizer se isso é uma tendência. Mas num segundo momento vejo uma estrutura mais complexa, no qual um determinado tipo de corporação precise ter parte dos recursos no fundo multipatrocinado e parte no sistema aberto”, afirma.
Outro fator que tornava mais atrativo o fundo fechado era a possibilidade de fazer investimentos no exterior, o que recentemente mudou com a resolução do Conselho Monetário Nacional (CMN) 4.444, que dá permissão para que as empresas de previdência aberta possam fazer esse tipo de diversificação.
Com isso, o sistema aberto se equiparou em regra ao fechado, na avaliação de Guadagnoli, da Brasilprev. “Essa resolução foi um marco histórico para o mercado. Vai ao encontro das necessidades não só do mercado, mas de clientes no que diz respeito à diversificação do investimento em renda variável no exterior e em operações estruturadas. Será melhor para oferecermos o produto correto a cada cliente e no tempo certo”, afirma.
Hoffman, da Icatu, avalia que novas regras devem ser adotadas em fundos que ainda serão criados, provavelmente para o público jovem, para não elevar o risco de participantes de produtos existentes.
Fundos fechados buscam mudança para crescer
Diante da baixa proporção de retiradas do sistema fechado de previdência em relação aos ativos totais, Carlos Marne, diretor de análise técnica da Previc, afirma não acreditar que haja um movimento significativo de migrações para os fundos de previdência abertos.
Segundo ele, a agenda dos últimos dois anos visa ampliar regras que possibilitem a criação de mais fundos fechados. Uma delas é a instrução que visa o fomento de planos setoriais, por entidades de classe setorial ou profissional. “Essa instrução vai regulamentar as entidades setoriais, que podem ter como participantes pequenas e médias empresas. Isso traz flexibilidade para a adesão ao plano setorial até que cresça o suficiente para se tornar um plano patrocinado. Colocamos em consulta pública por um mês”, diz.
Outra mudança que será pedida para o Ministério da Fazenda, ao qual agora a Previc é diretamente vinculada, é em relação ao regime tributário dos planos de entidades fechadas. “Queremos lançar planos dedutíveis VGBL, que crescem por causa do modelo de tributação, principalmente entre profissionais liberais”, afirma. Hoje os planos das entidades fechadas só podem ser do tipo PGBL.
Na agenda tributária, a Previc também pedirá à Fazenda a postergação da opção pelo regime tributário, para que o participante possa fazer a opção até a data de concessão do benefício.
Hoje, a escolha pelo regime progressivo ou regressivo deve ser feita até o último dia do mês subsequente à escolha do plano, de forma considerada prematura. “Esperamos conseguir essas mudanças nos próximos meses. Elas trarão incremento ao número de participantes de fundos de pensão e, como não implicam em renúncia fiscal, não deve encontrar resistência na implementação”, conclui.