Edição 338
O novo texto da reforma tributária apresentado pelo relator, deputado Celso Sabino (PSDB-PA), reconheceu explicitamente a isenção tributária dos fundos de pensão em relação a ganhos de capital, incluindo a distribuição de lucros e dividendos pelas empresas. O substitutivo apresentado pelo parlamentar diz que “não estarão sujeitos à incidência do imposto de renda na fonte … os lucros ou dividendos apurados com base na escrituração mercantil distribuídos a fundos de investimento constituídos exclusivamente para aplicação dos recursos a que se refere o art. 5º da Lei nº 11.053, de 2004”.
O projeto de Sabino deve ser votado pela Câmara dos deputados antes de meados de agosto, portanto após o fechamento desta edição de Investidor Institucional, que já estava na gráfica para ser impressa quando o substitutivo foi apresentado e teve que ser alterada para que a matéria que trazia sobre a reforma tributária fosse adequada ao novo texto de Sabino. Para os fundos de pensão, a chance de que a inclusão da Lei 11.053 seja novamente retirada ou sofra algum tipo de revés na Câmara é pequena, e o mais provável é que as entidades fechadas de previdência complementar tenham a isenção tributária confirmada na PEC. “Foi um gol de placa, que mostra a sensibilidade do Ministério da Economia em relação à formação de poupança de longo prazo,” comemorou o presidente da Abrapp, Luís Ricardo Martins, ao receber a notícia sobre o conteúdo do substitutivo de Sabino. Embora contemplada no substitutivo de Sabino, a incorporação definitiva da Lei 11.053 no texto definitivo da reforma tributária ainda depende de votação no Congresso. Nas últimas semanas muitas fundações estavam envolvidas em discussões com gestores de fundos de investimentos e escritórios de advocacias para entender os cenários possíveis numa eventual mudança das regras tributárias, num texto que mantivesse a exclusão da Lei 11.053. Antes do substitutivo de Sabino, o sócio do escritório Bocater, Camargo, Costa e Silva, Rodrigues Advogados, Flávio Martins Rodrigues, informou que “muitos fundos de pensão estão nos procurando para saber como devem interagir com seus gestores externos em caso da aprovação da reforma”.
De acordo com Rodrigues, “ao mesmo tempo em que a Abrapp tem feito, juntamente com a Abrasca, Fenaprevi, Amec e B3, uma interlocução junto ao Ministério da Economia para sensibilizar a equipe econômica em relação aos aspectos macro que precisam ser mudados na reforma”, várias fundações já começam a olhar para os aspectos micro do planejamento tributário, buscando uma garantia para o caso da tributação ser aprovada. Basicamente, esse planejamento tributário envolveria diversos veículos de investimento, como fundos imobiliários, de participações e de ações.Em relação aos fundos imobiliários, algumas fundações passaram a discutir com seus gestores maneiras de desmontar as estruturas atualmente existentes em muitos desses fundos, cujas empresas de propósito específico (SPE) abrigadas dentro deles são as reais proprietárias dos ativos. Como os FIIs devem se manter isentos da tributação, ao contrário das SPEs, a melhor alternativa seria eliminar de uma vez essas estruturas e colocar todos os ativos diretamente como propriedade do fundo.
Além disso, as fundações também passaram a procurar os gestores de fundos de participações para discutir uma eventual mudança na relação entre esses e as empresas investidas por eles, com as gestoras deixando de ser acionista das investidas para passar a ser credora. Ou seja, trocariam ações por dívidas. Segundo Rodrigues, essa possibilidade é prevista nas normas da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) para essa classe de fundos, que considera válido esse procedimento desde que o investimento via dívida dê ao credor o direito de participar da administração da investida. “É o modelo do mezanino”, explica Rodrigues. “São discussões que estão acontecendo com os gestores de FIPs, provocadas principalmente pelos cotistas fundos de pensão”.
Antes do substitutivo de Sabino, o principal fantasma para os fundos de pensão era a tributação de 20% na fonte sobre os dividendos pagos pelas empresas. Isso impactaria as carteiras dos fundos de pensão tanto em seus investimentos estratégicos, feitos diretamente nas empresas, quanto nos investimentos via fundos, feitos indiretamente. Algumas fundações passaram a procurar as empresas investidas e os fundos de ações para ver a possibilidade de que essas antecipassem o pagamento dos dividendos de 2021, que seriam pagos ainda neste ano, evitando assim que as distribuições sejam taxadas. “Não resolve o problema, mas diminui a mordida da Receita Federal, pelo menos nesse momento”, explica o advogado.
Martins não nominou as fundações que passaram a discutir planejamento tributário com os gestores, sejam de FIIs, FIPs ou fundos de ações, por uma questão de sigilo profissional. “Mas não são poucas, e nem são apenas as grandes fundações. Também as médias estão bem ativas e nos procurando bastante”, conta.
Outra discussão que tem sido levantada pelas EFPCs é em relação ao diferimento tributário, na qual a isenção da tributação do investimento na fase de acumulação é compensada com a taxação da renda no resgate. Segundo Martins, caso a taxação dos investimentos fosse mantida na fase de acumulação, não poderia continuar acontecendo no resgate, pois isso configuraria bi-tributação. “É uma tese defensável, acho que isso é uma tese que está sendo defendida corretamente pelo mercado”, explica.
Curiosamente, ele acha que o fim da declaração do imposto de renda pelo formulário simplificado como pretende a proposta do governo deve gerar um impacto positivo para os fundos instituídos. Atualmente, a maior parte dos profissionais liberais e a classe média que fazem a declaração do imposto de renda pelo modelo simplificado só têm a opção do VGBL para aplicar em previdência, mas com a obrigatoriedade de fazerem pelo modelo completo vão poder optar pelos fundos instituídos de suas entidades de classe, como as OABPrevs, por exemplo. “Isso pode dar um incentivo à essas entidades”, avalia
A interlocução da Abrapp com as equipes técnicas do Ministério da Economia, especialmente com a Secretaria de Política Econômica, foi fundamental para sensibilizar o relator a incluir em seu substitutivo da Lei 11.053. Antes da apresentação desse substitutivo, o presidente da Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar (Abrapp), Luís Ricardo Martins, explicava que “o Ministério da Economia está sensibilizado com as demandas das entidades fechadas de previdência complementar”. Ele teve conversas regulares com pessoas da equipe do ministro Paulo Guedes, explicando a importância de manter a isenção tributária para as EFPCs, principalmente pelas suas características de investidores de longo prazo. “Acho que o tema está muito bem encaminhado, contamos com apoio de vários interlocutores lá no ministério, mas o martelo deve ser batido semana que vem, com o fim do recesso parlamentar”.
Segundo Martins, o principal ponto de preocupação da entidade era com relação à possibilidade de taxação dos dividendos das empresas na fonte, o que impactaria fortemente a rentabilidades das carteiras dos fundos de pensão, tanto por suas participações diretas em empresas de diversos setores quanto por seus investimentos em fundos, principalmente de ações (FIAs), de participações (FIPs) e imobiliários (FIIs) com ativos de empresas de propósito específico (SPE). Cálculos preliminares da Abrapp indicavam que a tributação dos dividendos na fonte somada à tributação de ganhos de capital nos vários fundos de investimentos poderia representar uma mordida de cerca de R$ 11,2 bilhões anuais sobre o patrimônio das EFPCs, que atualmente está na casa do R$ 1 trilhão. Isso reduziria a rentabilidade média do setor em 1,18% ao ano. Em 2020, por exemplo, isso significaria uma queda da rentabilidade média das EFPCs de 11,3% para 10,12%.
Em discurso da época, antes do substitutivo, o presidente da Abrapp dizia que as medidas tomadas pela equipe do Ministério da Economia e Receita Federal beiravam a irresponsabilidade social, indo na contramão das medidas de fomento à poupança de longo prazo que o Brasil precisa. “A tributação de dividendos e de fundos de investimentos, ao lado de qualquer outra forma de elevação da carga tributária incidente sobre as empresas, afetarão com certeza a rentabilidade dos planos previdenciários e, consequentemente, reduzirão os benefícios a serem pagos no futuro aos aposentados, além de originarem possíveis déficits que merecerão aportes adicionais de patrocinadores e trabalhadores. Com isso o País poupará menos, com impacto não apenas sobre a renda futura de quem vai se aposentar, mas também sobre a vitalidade da economia no presente”, argumentava a Abrapp num paper encaminhado ao sistema e também ao governo.
Para Fábio Coelho, ex-superintendente da Previc e atualmente presidindo a associação dos investidores minoritários do mercado de capitais (Amec), a tributação de dividendos das empresas na fonte cria uma complexidade operacional para os fundos de ações que não existe atualmente. Até porque, como hoje essa tributação não existe, os gestores não dispõem de controles para contabilizar os cotistas que são isentos e aqueles que não são. Ele explica que os fundos de ações, em sua grande maioria, estão organizados em três camadas, sendo uma primeira formada por um master feeder que abriga todos os ativos do fundo, a seguir uma segunda que abriga os fundos de cotas (FICs) e finalmente uma terceira que é formada pelos cotistas. “Com a tributação dos dividendos teria que ter uma contabilidade sobre cada uma dessas três camadas, ver se fulano é isento e se sicrano não é”, explica Coelho. “Os gestores de fundos não têm esse tipo de controle, levariam anos para criar e seria muito caro”.
A proposta que a Amec tem defendido nas reuniões com a Secretaria de Política Econômica, comandada pelo secretário Adolfo Sachsida, é manter a isenção tributária sobre os dividendos distribuídos aos fundos de ações. “O que estamos propondo não é nenhuma jabuticaba, é assim que funciona em vários países do mundo onde a tributação de dividendos não incide sobre os fundos”, diz Coelho. “Achamos que o governo está analisando com boa vontade nossos pleitos”.
Coelho elogia a disposição do governo em ouvir os pleitos do setor privado, como no caso das EFPCs e do mercado de capitais. “Tenho sentido que estão tentando ver se algo ficou para trás para corrigir, ainda não corrigiram mas sinto que estão indo nesse caminho”, diz. Segundo ele, Sachsida têm enfatizado em todas as reuniões de que participa que o objetivo do governo não é a busca de uma maior arrecadação, mas sim a neutralidade tributária. “Se você isenta alguns segmentos e reduz o imposto de outros, então você tem que compensar com quem não pagava impostos antes”, tem explicado o secretário aos seus interlocutores, no relato de Coelho.