Edição 149
Não é passe de mágica, nem contorcionismo financeiro. Uma pitada de sorte, talvez, mas muito mais de definição de foco. Essa foi a receita da Fundação Banco Central de Previdência Privada (Centrus) que, em cinco anos, tirou seu Plano de Benefício Definido (BD) do vermelho e conseguiu no mercado acionário um retorno admirável – e destoante em relação aos dos maiores fundos de pensão do País.
Em maio de 1999, quando assumiu o cargo de diretor-presidente da fundação, Pedro Alvim Junior trabalhava com um déficit técnico de R$ 180 milhões no BD. Hoje, esse número é de R$ 1,7 bilhão. Positivo! Ajudou nesse resultado o ganho – acumulado de junho de 99 a junho deste ano – de quase 400% na carteira de ações.
Alvim Junior explica o salto pela adoção de dois conceitos triviais em economia: segurança e liquidez. No caso da Centrus, isso quis dizer, na prática, aplicações em títulos públicos do Tesouro e em ações de alta liquidez do Ibovespa. É nessa cesta que o fundo aloca quase 90% dos seus investimentos, de R$ 5,1 bilhões.
É certo que a opção por esses investimentos é dada pela situação do fundo, que caminha para a extinção dentro de 15 ou 20 anos. Afinal, os seus participantes ativos são apenas 85 – empregados da própria Centrus e com idade média já na casa dos 68 anos. O restante, mais de 1,1 mil inativos, já se aposentou pelo regime celetista antes de 31 de dezembro de 1990, portanto, antes da Lei do Regime Jurídico Único [veja box]. O fundo, com patrimônio de R$ 6,5 bilhões, também tem 660 pensionistas.
Nessa situação de necessidade de caixa, diz Alvim Junior, não houve espaço para malabarismos nas aplicações. “Evitamos riscos desnecessários, como derivativos. Quando o cobertor é curto, a tendência é ficar mais quietinho”, disse, ao avaliar que as fundações deveriam ser mais conservadoras e só entrarem em operações onde consigam avistar a porta de saída.
Aplicações – Manter-se à sombra em tempos de juros elevados e diante da necessidade de financiamento do setor público não é tarefa das mais difíceis. Na renda fixa, por exemplo, a Centrus apostou grande parte de suas fichas nas Notas do Tesouro Nacional série C (NTN-C), que acompanham a variação do Índice Geral de Preços de Mercado (IGP-M), e nas Letras Financeiras do Tesouro (LFT), os títulos pós-fixados indexados à taxa Selic. Todas com prazo máximo de 2009.
Nada de debênture, nada de nota promissória ou de recebíveis. Nem papéis do BC entraram no portfólio, já que, segundo Alvim Junior, eles não têm uma estrutura de pagamento de juros adequada à necessidade de caixa da Centrus. Ainda na renda fixa, alguns Fundos de Investimento Financeiro (FIF) e Certificados de Depósito Bancário (CDB) entraram para a seleta carteira – sem , contudo, ultrapassar 8% dos investimentos.
Os imóveis, de baixa liquidez, de difícil parametrização e de custos consideráveis, também ficaram restritos a um único dígito das aplicações da fundação: 6,6%. E isso, disse o diretor-presidente, porque têm boa rentabilidade. As operações com participantes do fundo também responderam pela mesma fatia, em torno de 6,5%.
“O que nos proporcionou boa rentabilidade foi a estrutura do portfólio. Aqui não tem nenhum gênio em finanças. Fizemos uma carteira de qualidade e, por isso, não foi necessária nenhuma provisão nos últimos cinco anos resultante de operações da nossa gestão”, disse Alvim Junior.
Bolsa – Foi no mercado acionário, entretanto, que a Centrus encontrou o melhor dos mundos. Para se ter uma idéia, de junho de 99 a junho de 2004, o Ibovespa subiu 90,69%, ao passo que a carteira de ações livre da Centrus valorizou-se 397,53%. Um desempenho notável para uma carteira cujo beta (correlação com o Ibovespa) manteve-se, segundo Alvim Junior, entre 70% e 82%.
Em relação aos cinco maiores fundos de pensão do País, a rentabilidade da carteira da Centrus chama a atenção. No mesmo período, a Petros ganhou 149%, a Funcesp 182%, e a Sistel, 245%. A Funcef, cujos dados vão até maio deste ano, lucrou 129%. E a Previ, mesmo não disponibilizando os dados acumulados até junho de 2004 (semestre em que a Bolsa perdeu quase 5%), conseguiu o máximo de 285% entre janeiro de 99 e dezembro do ano passado.
Segundo estudo da Mercer Investment Consulting, nos últimos 12 meses, até junho, apenas 36% das entidades alcançaram o benchmark na renda variável. Esse número cai para 12% em 24 meses. Ou seja, são poucos os gestores que têm conseguido agregar valor à carteira acionária. Para Alvim Junior, entretanto, grande parte do sucesso da carteira deve ser creditado à aposta em empresas com bom histórico de dividendos.
De fato, em 99 a Centrus recebeu R$ 41,4 milhões em distribuição de resultados aos acionistas, número que bateu quase R$ 90 milhões em 2001 e ficou na marca dos R$ 70 milhões no ano passado. Em junho de 2004, os dividendos, de R$ 56,7 milhões, já eram 21,4% maiores que os do mesmo período do ano passado.
Reestruturação – O fundo de pensão promoveu nos últimos cinco anos uma acentuada reforma na sua carteira acionária. Segundo o diretor-presidente da Centrus, a mudança levou à venda de posições em empresas que encontravam restrições no mercado e, por isso, tinham pouca liquidez, como Casa Anglo e Excelsior – que hoje não estão mais na praça.
Ao contrário dessas ações, os papéis da Ambev tornaram-se “a menina dos olhos” da Centrus. As ações, ordinárias, foram compradas lá trás, antes da fusão da Brahma com a Antártica. Agora, com a aliança da empresa com a Interbrew, esses papéis renderam ao portfólio da Centrus R$ 400 milhões, sem contar os dividendos, devido ao tag along de 80% que se estende aos detentores das ON. A Centrus é a maior acionista individual da Ambev, com cerca de 5% de participação, embora não tenha assento no Conselho de Administração da empresa.
A fundação aplica no mercado de renda variável mais de R$ 2 bilhões, que são movimentados diariamente por três operadores e mais um diretor da Centrus.
Contribuições – A reviravolta nos números da fundação permitiu que a contribuição dos participantes e da Centrus fosse reduzida à metade, passando de 15% para 7,5%. O BC, que ainda contribui para os aposentados do regime celetista, também irá incorporar essa redução, o que deve representar uma economia anual de aproximadamente R$ 20 milhões à autoridade monetária.
Para 2005, a Centrus já iniciou um estudo que prevê nova redução no percentual de contribuição. Além disso, o fundo de pensão adotou uma tábua biométrica mais conservadora para contemplar a maior expectativa de vida (e de gastos previdenciários) dos seus participantes. Essa tábua – calculada com base na quantidade de óbitos de 1992 até agora – impactou em R$ 400 milhões a expectativa de despesa do fundo.
O caminho do RJU
A figura do Regime Jurídico Único (RJU) para os servidores públicos civis surgiu com a Constituição Federal de 1988. A sua regulamentação veio com a Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, embora o artigo 251 desta Lei tenha excluído os servidores do BC do RJU por inexistir uma Lei Complementar que regulasse o Sistema Financeiro Nacional (conforme o artigo 192 da Constituição).
Em 96, a procuradoria geral da República ajuizou a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADin) nº 449-2/DF. Esta ADin defendia que o artigo 251 da Lei 8.112 era incompatível com o artigo 39 da Constituição, onde União, Estados, Distrito Federal e Municípios deveriam instituir o RJU e planos de carreira para os servidores da administração pública direta, autarquias e fundações públicas.
A ADin foi julgada procedente e o funcionalismo do Bacen passou a ser regido pela Lei 8.112. Embora o julgamento da ADin seja de 1996, seus efeitos retroagem à data da promulgação da Lei 8.112. Em outras palavras, todos os funcionários do Bacen que se encontravam na ativa a contar de janeiro de 91, data do início dos efeitos da Lei 8.112, foram enquadrados na categoria dos servidores públicos.
Disciplinando essa nova realidade jurídica, em 96 foi editada a Medida Provisória nº 1.535, que disciplinou o novo Plano de Carreira dos servidores do BC, e que, posteriormente, foi convertida na Lei nº 9.650/98. O seu artigo 14 determinou que a Centrus devolvesse aos servidores que foram guindados ao RJU os valores das frações patrimoniais referentes às reservas de benefícios a conceder, já que suas aposentadorias seriam custeadas pelo Tesouro Nacional e não mais pelo INSS.
A Lei 9.650 também disciplinou que os servidores estatutários do Bacen poderiam manter, total ou parcialmente, sob administração da Centrus os valores correspondentes às frações patrimoniais para adesão a um futuro plano de contribuição definida. Pela Lei, o Bacen segue como patrocinador para os aposentados celetistas e patrocinador não-contributivo para os servidores estatutários.