Edição 232
A luta pela imunidade tributária talvez tenha sido a principal bandeira do sistema de fundos de pensão. Ela foi retirada das entidades em 1983, quando o decreto-lei de nº 2065 deixou de reconhecer o seu caráter de assistência social, levando dirigentes das fundações a se mobilizarem ao longo das duas décadas seguintes pela retomada do status perdido. Para o secretário executivo da Abrapp, Devanir da Silva, o anúncio do decreto 2065 foi marcante. “Lembro da publicação do decreto 2065/83 até hoje, ele foi comunicado a nós no congresso da Abrapp de Porto Alegre”, lembra Devanir. “O decreto foi muito sutil, dizia que a caracterização de natureza de assistência social não se aplicava para as entidades de previdência complementar fechada”.
Com isso, estava aberto o caminho para que a Receita Federal passasse a cobrar dos fundos de pensão o Imposto de Renda na fase de acumulação da poupança, ao contrário do que acontecia na maioria dos países que contavam com sistemas de previdência fechada semelhantes. Paralelamente às contestações jurídicas, levadas ao Supremo Tribunal Federal (STF), as fundações começaram a provisionar recursos para a eventualidade de terem uma decisão contrária dessa corte. Em 2001, quando o STF julgou o caso da fundação Ceres e decidiu por votação de 6 votos a 4 acabar com a imunidade dos fundos de pensão, o sistema tinha R$ 12 bilhões provisionados.
A decisão do STF tinha nuances. Embora obrigasse as fundações a pagar IR na fase de acumulação, reconhecia a imunidades das fundações que contribuíam sozinhas para os planos, sem aportes dos seus funcionários. Nesse caso, explicava a decisão do STF, o caráter de assistência social se aplicava e o IR não era devido. Mas poucas estavam nessa situação. A maioria recebia contribuições dos dois lados, patrocinadora e participantes. Era o caso da fundação Ceres.
Ao taxar os fundos na fase de acumulação, o STF criou uma situação desequilibrada entre a previdência fechada e a aberta, que tinha imunidade na fase da acumulação e pagava imposto apenas na fase do recebimento do benefício. É o chamado diferimento. Para tentar retomar a isonomia entre os dois modelos, o Congresso Nacional que naquela época discutia a reforma da previdência votou a Lei Complementar nº 109, que garantia o diferimento também para os fundos de pensão. Fernando Henrique Cardoso, então presidente, vetou esse artigo e editou a MP 2222, que criou o Regime Especial de tributação (RET) para os fundos de pensão. Esse regime permitia que os fundos pagassem apenas metade do valor devido, desde que renunciassem às ações em andamento contestanto o pagamento.
“O governo agiu de maneira imediatista e irresponsável, para arrecadar em ano eleitoral metade dos R$ 12 bilhões provisionados pelos fundos”, diz José Ricardo Sasseron, diretor de benefícios da Previ e na época presidente da Anapar, a associação que representa os participantes. “O governo não se preocupou com a estabilidade e o crescimento do sistema, apenas com a arrecadação”.
RET – O então secretário da Receita Federal, Everardo Maciel, virou figura familiar nos eventos do sistema de fundos fechados. Esteve inclusive na posse de Fernando Pimentel no seu primeiro mandato à frente da Abrapp, eleito ao final de 2001 e empossado no início de 2002. O evento aconteceu nos salões do Word Trade Center, onde fica a sede da entidade. Na época. Everardo discursou e disse que estava se abrindo “uma nova época de convivência pacífica entre os fundos de pensão e a Receita Federal”. Na platéia, muitos sorriram amarelo.
A maioria das fundações deixou para decidir na última hora se aderia ou não ao RET. O prazo inicial ia até 31 de dezembro de 2001. Depois foi estendido até 31 de janeiro de 2002, quando venceria a primeira parcela do valor devido, já que aqueles que aderissem ao regime novo, além de terem metade da dívida perdoada, ainda poderiam parcelar o débito. A adesão de algumas grandes fundações ao RET sinalizou que a briga com a Receita Federal era sem futuro e sem amparo. Muitas outras seguiram o mesmo caminho.
Uma exceção foi a Previ. O sindicato dos bancários de Brasília conseguiu um mandato de segurança impedindo que a fundação aderisse e a entidade não assinou o termo de compromisso na data. Foi a única, além daquelas que não assinaram por já terem sentenças definitivas garantindo a imunidade, como as fundações que contribuiam sozinhas, por exemplo.
No final de 2002, entretanto, as coisas começaram a mudar. Com a eleição de Lula, e o compromisso que ele tinha assumido de apoiar o sistema de fundos de pensão, políticos ligados ao sistema de fundos fechados começaram a ser chamados para fazer parte da equipe de transição. Luiz Gushiken, Ricardo Berzoini e Sérgio Rosa eram os mais destacados. O congresso da Abrapp de 2002, que aconteceu no final de outubro em São Paulo, refletiu essa nova realidade. A reivindicação de imunidade tributária foi retomada, inicialmente com algum constrangimento por alguns mas em pouco tempo abertamente por todos. niguém mais defendia o RET.
Lula cumpriu o que prometeu, fortalecendo o sistema de previdência fechada. Dos políticos que compunham a equipe de transição, Luiz Gushiken foi para a Secretaria Especial de Comunicação e Assuntos Estratégicos, Ricardo Berzoini para o Ministério da Previdência, Sergio Rosa ganhou a presidência da Previ. Esses nomes ajudaram a nomear pessoas que conheciam o sistema para cargos-chave, como Adacir Reis para a Secretaria de Previdência Complementar (SPC). Isso foi importante para o fortalecimento do sistema.
Em 2004, a lei nº 11053 igualando os fundos de pensão à previdência aberta em termos de tributação, permitindo a esses a imunidade na fase de acumulação e o pagamento do imposto apenas na fase de recebimento.