Edição 154
O ciclo de oito anos encerrado em 2002 marcou a previdência complementar brasileira pela estagnação no número de entidades e de participantes. Houve um crescimento vegetativo das reservas, paralelamente à transformação dos planos de benefício definido em planos de contribuição definida, de maneira unilateral por parte das empresas. Se a nova legislação votada em 2001 pelo Congresso Nacional trouxe maior transparência ao sistema, o Poder Executivo caminhou em sentido oposto: reduziu a capacidade de fiscalização e regulação da Secretaria da Previdência Complementar (SPC), favoreceu bancos e seguradoras e privilegiou a previdência aberta, em detrimento das entidades fechadas.
Uma nova fase foi iniciada em 2003. Entidades fechadas e abertas passaram a ter um tratamento equilibrado. Nestes dois anos houve um trabalho intenso, tanto da SPC quanto do Conselho de Gestão da Previdência Complementar (CGPC), para regulamentar os vários pontos pendentes da legislação e alterar normas que dificultavam o crescimento do sistema. O novo marco regulatório foi debatido com os vários atores que atuam no sistema de previdência complementar, resultou em regras mais estáveis e trouxe maior segurança a participantes, entidades e patrocinadoras. A SPC foi dotada de capacidade de fiscalização e assume papel destacado no incentivo à criação de novas entidades e planos de previdência. Resta pouco a regulamentar, o que deve ser encaminhado nos próximos meses.
2004 termina abolindo a tributação sobre os ganhos auferidos nas aplicações dos recursos garantidores. A MP 209, já votada pelo Congresso Nacional, atendeu a uma demanda de duas décadas. Como nem tudo é perfeito, no entanto, o novo regime tributário opcional, a título de incentivar a poupança de longo prazo, acaba penalizando os participantes de mais baixa renda.
Neste período houve grandes avanços rumo à transparência. Centenas de representantes dos participantes e assistidos foram eleitos, criaram-se novos mecanismos de controle e novas atribuições para os conselheiros e cresceram as exigências de divulgação de informações aos participantes.
Novos planos – Criaram-se bases sólidas para o crescimento da previdência complementar fechada. A velha criança, no entanto, ainda engatinha. Seu desenvolvimento depende da alimentação que receberá de outras mãos: o crescimento econômico sustentado, a geração de mais e melhores empregos e o aumento da renda de parcelas significativas da população. As estatísticas mostram que 95% dos trabalhadores brasileiros recebem mensalmente menos do que dez salários mínimos, o que limita o público-alvo da previdência complementar. A grande maioria dos trabalhadores tem enormes dificuldades para abdicar do consumo imediato e destinar parte de seu orçamento para a poupança de longo prazo.
O incremento na atividade econômica tem melhorado os níveis de ocupação e tem aumentado os empregos formais, que pagam os melhores salários. Infelizmente, a participação da massa de salários no PIB nacional não tem aumentado.
Acreditamos, no entanto, que esta realidade pode se alterar no próximo período. Muitos analistas e institutos de pesquisa projetam a continuidade do crescimento econômico para 2005. Melhorias no nível de emprego levarão fatalmente os trabalhadores a reivindicarem maior participação na renda nacional. E este é um fator decisivo para o crescimento da previdência complementar.
Na medida em que as necessidades imediatas dos trabalhadores forem sendo atendidas, pela melhoria de salários e benefícios, a previdência complementar deverá ganhar importância na pauta dos sindicatos. Algumas entidades de classe já se anteciparam e criaram planos de previdência para oferecer aos seus associados: sindicatos de médicos, engenheiros, artistas, as ordens de advogados e centrais sindicais. A Força Sindical já criou sua entidade de previdência e a Central Única dos Trabalhadores deverá trilhar o mesmo caminho em 2005.
Os sindicatos e entidades de classe deverão repetir o papel de relevância que tiveram, nas últimas décadas, em busca de maior transparência e incorporação de representantes dos participantes na gestão de suas reservas previdenciárias. A postura pró-ativa dos sindicatos e de outras entidades de classe, criando planos e reivindicando contribuições das empresas para estes planos, determinará o sucesso da previdência associativa. Isto é o que prevemos a partir de 2005. Os trabalhadores e suas entidades representativas, no entanto, continuarão privilegiando a criação de entidades fechadas patrocinadas por empresas, de maneira garantir a contribuição obrigatória dos empregadores.
Em 2005 provavelmente serão criadas as primeiras entidades dos servidores públicos, a partir da decisão do Governo Federal de mandar para o Congresso Nacional o projeto de lei que criará planos e entidades para o funcionalismo federal. O potencial de acumulação de reservas destes planos será imenso, dado o nível de renda de alguns dos segmentos do funcionalismo. Deverá haver, no entanto, grandes embates para definir o número de entidades e a modelagem dos planos de benefícios a serem patrocinados para os servidores.
Novos investimentos – As entidades fechadas de previdência concentram dois terços de suas aplicações em renda fixa, essencialmente títulos do Tesouro Nacional. Beneficiadas pelos índices extorsivos definidos pelo Banco Central, muitas entidades vêm garantindo rentabilidade maior que o mínimo atuarial.
Esta realidade, no entanto, tende a mudar. A sociedade brasileira pressiona pela redução das taxas de juros, tanto as definidas pelo Banco Central quanto os elevados spreads cobrados pelas instituições financeiras. Não podemos mais conviver com as mais elevadas taxas de juros do mundo, sob pena de continuarmos assistindo ao crescimento da carga tributária e ao comprometimento da capacidade do Estado em investir em infra-estrutura, educação, saúde, pesquisas, crédito produtivo e em outras tantas áreas de carência da população e do empresariado brasileiro.
Esperamos que o ano de 2005 marque a retomada da trajetória de redução das taxas básicas de juros da economia. Esta tendência reduzirá, fatalmente, os ganhos em renda fixa das entidades de previdência e as obrigará a migrar parte de seus ativos para outras opções de investimentos, tais como renda variável. No mesmo sentido, as Parcerias Público-Privadas constituirão novas opções de investimento. A sociedade brasileira agradecerá, pois depende deste valioso mecanismo de poupança de longo prazo para suprir a carência de capital produtivo.
Se, de um lado, estas modalidades poderão garantir melhor rentabilidade para os ativos, por outro a exposição ao risco aumentará. A segurança das aplicações em renda fixa deverá dividir espaço com uma gestão mais criteriosa dos investimentos e exigirá dos dirigentes das entidades análises mais profundas no que diz respeito a riscos, garantias e contratos que evitem novos acontecimentos como a tragédia do Banco Santos.
José Ricardo Sasseron é Presidente da Anapar e membro do Conselho de Gestão da Previdência Complementar