Uma demissão anunciada | O ministro da Previdência, Roberto Brant...

Edição 100

Decidida a levar a cabo a missão que se auto-impôs, de reformar profundamente o sistema de fundos de pensão, a ex-titular da Secretaria de Previdência Complementar (SPC), Solange Paiva Vieira, foi demitida do cargo da mesma forma como se comportou nele: espetacularmente. Incomodado com as suas constantes insubordinações e com o clima de guerra que ela abriu com os fundos de pensão, o ministro da Previdência, Roberto Brant, resolveu demiti-la após quase três meses de convivência forçada e pontilhada de atritos.
Em suas justificativas, Brant deixou claro que a demissão era uma decisão pessoal. “Era uma técnica competente, mas não possuía habilidade para o diálogo, o que é fundamental para o cargo que ocupava”, afirmou o ministro pela imprensa no dia seguinte à demissão. “Não ouvia o sistema”, complementou.
Esse era um dos traços mais fortes da sua personalidade, a falta de abertura ao diálogo. Aliás, tanto críticos quanto defensores de Solange concordam que ela era desprovida desse atributo. “Ela decidia e fazia”, reclama um crítico.
Exigente com sua equipe, conduzia os trabalhos com pulso firme e opinião forte. Conseguiu, em um espaço curtíssimo de tempo, aprovar medidas polêmicas de reforma do sistema previdenciário, surpreendendo com isso muitos dos seus desafetos. Jovem e bonita, ela soube abrir espaços na mídia para o seu trabalho e angariar o apoio de boa parte da imprensa, que lhe deu um tratamento de musa da Previdência. Com isso, conseguiu formar em torno de si uma imagem de alguém capaz de desafiar os poderosos interesses da indústria de fundos de pensão.
Pode-se dizer que poucos titulares da Secretaria de Previdência Complementar (SPC) fizeram tanto, em tão pouco tempo, como a ex-secretária Solange Paiva Vieira. Uma comparação entre o ambiente regulatório da indústria da Previdência que encontrou em sua posse, em novembro do ano passado, e o que deixou, após sua saída em junho, dá conta das profundas transformações que conduziu.
Mas faltou-lhe jogo de cintura para continuar no cargo. Ela queimou todos os canais de comunicação com as fundações e, nos seus últimos dias no ministério, já não mantinha o diálogo nem mesmo com o seu superior, o ministro da Previdência.
“Não mandava recados: dizia o que tinha a dizer na cara”, afirma uma fonte que conviveu com ela no ministério nos últimos meses. Sua intransigência ficou evidente em um episódio de abril passado: Solange desentendeu-se com o coordenador de fiscalização Carlos Humberto, que estava na SPC há 14 anos. Queria que o coordenador fosse mais rígido com os fundos de pensão, mas não estava conseguindo. No dia seguinte, sua transferência para o INSS foi publicada no Diário Oficial da União.

Desafetos – Desde que assumiu, não perdeu tempo. Indicada no final do ano passado pelo ex-ministro Waldeck Ornellas (PFL-BA), antecessor de Brant, em substituição a Paulo Kliass, Solange empreendeu de pronto mudanças de impacto. E, também prontamente, conquistou os primeiros desafetos. Suspendeu a Resolução n.o 2.720, elaborou o decreto da idade mínima e encostou os fundos de pensão de estatais na parede, inclusive a gigante Previ, para onde nomeou um diretor fiscal. Decretou a intervenção em vários fundos de pensão e realizou um processo de seleção de gestores para administrar os recursos de 19 fundações que se encontravam sob regime especial (liquidação e intervenção).
Enquanto Ornellas manteve-se no ministério, a ex-secretária teve todo o respaldo à sua atuação. Mas, quando Antônio Carlos Magalhães rompeu com o presidente Fernando Henrique Cardoso, em meados do semestre passado, e Ornéllas perdeu o ministério por manter-se fiel ao ex-senador baiano, a sorte de Solange começou a mudar. O ex-ministro ainda teve forças para interceder por ela dentro do PFL, e a pedidos de Jorge Borhausen ela foi mantida na secretaria, inclusive porque contava com a simpatia da equipe econômica do Banco Central.
Mas a partir deste momento, sua falta de diplomacia começou a pesar contra sua permanência no cargo. Os dirigentes dos fundos de pensão passaram a ignorar a SPC e estabeleceram um canal direto de comunicação com o ministro. Brant estava disposto a manter a secretária desde que ela não incomodasse muito e diminuísse sua exposição na mídia. Mas Solange não aceitou o papel de coadjuvante, continuando a divulgar publicamente informações bombásticas a respeito dos fundos de pensão.
Os conflitos com o ministro tornaram-se cada vez mais freqüentes e públicos. Não houve nenhum esforço, de ambas as partes, em estabelecer um bom relacionamento. “Não havia diálogo entre os dois. Os desentendimentos iam parar nos jornais”, confidencia uma fonte do ministério. O clímax do desentendimento, que culminou com a demissão da secretária, foi a insistência de Solange em divulgar uma lista, preparada pela equipe da SPC, com 86 fundos de pensão com problemas de cobertura nas reservas, após o ministro tê-la proibido publicamente de fazer isso.
Mesmo após deixar o cargo, a ex-secretária continuou alardeando na imprensa a existência de graves desequilíbrios, não equacionados, nos fundos de pensão.

Fundações – Na visão dos fundos de pensão, a gestão de Solange Vieira na SPC foi caracterizada pela falta de diálogo. “Não tínhamos espaço para fazer sugestões nas regulamentações que ela elaborava”, queixa-se Carlos Caldas, presidente da Abrapp. Prova disso é que o Conselho de Gestão de Previdência Complementar (CGPC), órgão regulador do sistema, reuniu-se apenas uma vez desde que Solange assumira a SPC. E, nesta única reunião, realizada em dezembro do ano passado – que serviu para referendar a aprovação do decreto da idade mínima para aposentadoria dos participantes dos fundos de pensão – “o assunto foi apresentado de surpresa, sem que tivéssemos lido a proposta da idade mínima antes da reunião”, conta Carlos Caldas. Depois disso, o CGPC deveria ter se reunido em março, mas a reunião foi adiada para abril.
Na proposta de regulamentação da Lei Complementar n.o 109 também não houve abertura para os representantes dos fundos participarem. Solange Vieira elaborou a proposta junto com sua equipe e enviou-a para o ministro Brant poucos dias antes de deixar o cargo (ver matéria na página 12).
A esta altura, a relação com os dirigentes dos fundos de pensão já estava bastante deteriorada. Quando as fundações e suas patrocinadoras sabiam que estavam na mira da fiscalização da secretária, seus dirigentes procuravam estabelecer algum contato prévio com o ministro Brant antes de passar pelo gabinete de Solange Vieira. “A secretária atendia a todos que a procurassem, mas não dava muito espaço para que os dirigentes dos fundos se defendessem”, diz um consultor de fundos de pensão.

Equilíbrio – Com formação em economia e procedência do BNDES, Solange Vieira confessava que não era especialista em atuária e que também não enxergava os fundos de pensão como ferramenta da política de recursos humanos das empresas. “Não entendo de recursos humanos. Minha intenção é promover o equilíbrio financeiro dos fundos de pensão”, disse a secretária em um evento em São Paulo, uma semana antes de deixar o cargo. Esta foi a postura na hora de criar o decreto que estabeleceu a idade mínima de 60 anos para a aposentadoria de participantes de planos de contribuição definida e de 65 anos, para os participantes de planos de Benefício Definido (BD).
Os critérios adotados para fazer a avaliação atuarial dos planos de benefícios das fundações também vinham provocando bastante polêmica com os especialistas do mercado. Primeiro avaliou a insuficiência de reservas do sistema em cerca de R$ 8 bilhões. Em uma segunda avaliação, divulgou que a insuficiência chegava a mais de R$ 15 bilhões, atingia 86 fundos de pensão, e o déficit potencial poderia alcançar a marca de até R$ 50 bilhões nos próximos 30 anos caso o sistema não fosse saneado. “Os conceitos e critérios para avaliação dos fundos eram contraditórios em relação à legislação e as práticas da maioria dos especialistas do mercado”, diz Caldas, presidente da Abrapp.
Se na parte atuarial a secretária recebia muito mais críticas que elogios, na área de investimentos a situação se invertia. Os especialistas do mercado aplaudiram a Resolução n.o 2.829 porque constataram que a norma era muito melhor que a anterior, a 2.720, elaborada na gestão de Paulo Kliass. O processo de seleção dos gestores para administrar os recursos dos fundos sob liquidação e intervenção também foi aprovado pelo mercado, principalmente pelos consultores e pelos dirigentes de fundos de pensão. Quem não gostou muito foram as assets, que passaram a ter que conviver com taxas de administração baixíssimas, em torno de 0,1% para a renda fixa e de 0,2% para a renda variável, resultado da concorrência promovida pela SPC.

Desagrado com o Projeto SPC-2000
Logo após assumir o comando da Secretaria de Previdência Complementar (SPC), uma das primeiras atitudes de Solange Vieira foi mudar a coordenação do projeto de modernização do órgão. O coordenador do projeto SPC-2000, patrocinado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Ricardo Pacheco, foi demitido pela secretária ainda no final do ano passado. O consórcio contratado para assessorar o projeto, formado pela Deloitte LLP, PRA (Prandini e Rabbat), SFR Previtech, Oryzon e Macsys, continuou seus trabalhos, mas o módulo que mais avançou foi o financeiro. O módulo atuarial, que contava com a consultoria da Deloitte, continuou em ritmo lento.
Antes de deixar a secretaria, Solange Vieira manifestou que pretendia manter apenas o trabalho da consultoria PRA, que ficou encarregada de preparar os sistemas para rodar a Resolução 2.829. O trabalho da Deloitte LLP e das demais empresas de sistemas seriam encerrados e a secretária pretendia contratar outra consultoria para implantar o módulo atuarial.
A secretária não estava concordando com a linha adotada pela Deloitte e preferia seguir os critérios propostos pela atuária Jaqueline Oliveira, que fazia parte de sua equipe na SPC. A atuária, que veio da Superintendência de Seguros Privados (Susep), órgão que fiscaliza o setor de previdência aberta, era apontada como a principal mentora dos critérios adotados por Solange na análise da situação dos fundos de pensão e pelos novos projetos de regulamentação. Jaqueline Oliveira vinha ocupando, nos últimos meses, a coordenação geral de atuária da SPC, em substituição a Paulo César de Oliveira, que foi deslocado para a coordenação geral de contabilidade.