Edição 253
Em seu primeiro ato oficial como o novo comandante do Banco Central da Índia (RBI), o economista Raghuram Rajan elevou a taxa básica de juros de 7,25 para 7,5%, surpreendendo os círculos financeiros e provocando protestos de vários dirigentes de empresas. Mas para as pessoas que conhecem a condição atual dos mercados emergentes e a trajetória profissional de Rajan, sua decisão não foi nada surpreendente.
Rajan não tem mostrado hesitações em assumir desafios. Em 2005, como economista-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI), ele estava ao lado dos maiores banqueiros do mundo, em Jackson Hole, Wyoming, quando apresentou os estudos sobre a forma como o setor financeiro evoluiu durante a era de Alan Greenspan. Mais tarde, em seu livro Fault Lines, Rajan descreveu de forma irônica aquela que seria a última reunião comandada por Greenspan: “Alguns estudos apresentados na conferência preocupavam-se em descobrir se Alan Greenspan tinha sido o melhor banqueiro central da história ou, apenas, estava entre os melhores”.
A conclusão que Rajan apresentou na reunião, porém, foi bastante diferente. Ele argumentou que, sob a gestão de Greenspan, os incentivos haviam sido artificialmente distorcidos em favor dos gestores do sistema financeiro, que colheriam recompensas milenares se as coisas corressem bem mas lucrariam muito pouco caso algo desse errado. E acrescentou que a situação estava mais propensa a ser desfavorável, por causa dos incentivos distorcidos que estavam sendo oferecidos aos gestores para assumirem riscos excessivos. Greenspan havia centralizado os investimentos em “credit default swaps”, que prometiam pagar os empréstimos inadimplentes dos gestores em troca de prêmios de seguro moderados. Notando que ninguém realmente sabia realmente como os swaps foram precificados, Rajan declarou que os bancos assumiram riscos excessivos porque confiavam que as seguradoras iriam reembolsá-los. Nestas circunstâncias, qualquer súbito aumento dos empréstimos inadimplentes poderia superar as reservas das seguradoras, o que levaria a uma crise financeira. Foi exatamente o que aconteceu dois anos mais tarde, na crise financeira de 2008 .
A advertência de Rajan não foi bem recebida. Muitas pessoas pensaram que ele não entendia nada sobre finanças modernas. Na verdade, ele provou que entendia muito bem o cenário, ao contrário dos que o criticaram na época.
Agora, Rajan está emitindo outro alerta, por meio do aumento da taxa básica de juros na Índia. O anúncio foi feito pouco depois do Federal Reserve (Fed) decidir manter a compra de 85 bilhões de dólares em títulos por mês, em seu programa de flexibilização quantitativa, o que alegrou os gestores do setor financeiro e os comerciantes. O anúncio do Fed impulsionou um mini-boom imediato em todos os instrumentos financeiros. Um dia após o anúncio, um artigo na Quartz argumentava que a alta taxa atual de emissão monetária assim como as taxas de juros extremamente baixas causadas pela QE3 são insustentáveis: mais cedo ou mais tarde, as taxas de juros seriam obrigadas a aumentar. A longa prevalência de taxas de juros extremamente baixas provavelmente criarão condições para uma grave crise financeira, o que afetará todas as atividades econômicas. As atividades que são rentáveis por causa das baixas taxas irão se tornar inviáveis e as empresas não serão capazes de pagar suas dívidas.
Por esta razão, é necessário que as economias mundiais estejam preparadas para tal eventualidade. É nessa linha que Rajan está raciocinando, daí o aumento nas taxas de juros na Índia, o que facilita o ajuste nas atividades que não são auto-sustentáveis e que sobrevivem apenas com preços baixos. O Financial Times publicou declaração de Rajan: “Temos que nos lembrar de que o adiamento da crise é apenas isso, um adiamento. Não vamos perder a chance de agir, já que o aviso nos foi dado. Precisamos colocar a casa em ordem e nos anteciparmos”. O aviso de Rajan deveria ser levado a sério por toda a economia global, não apenas pelos mercados emergentes.
O que pode ser feito nesta situação? Nos mercados emergentes, os bancos centrais deveriam começar a aumentar as taxas de juros agora que isso pode ser feito de forma gradual. Maiores taxas de juros iriam dissuadir investimentos em atividades que não são autossustentáveis e atrair recursos para empreendimentos mais sólidos. Além disso, o aumento das taxas iria ajudar a desacelerar as saídas de capitais dos países em desenvolvimento, que atualmente buscam taxas mais altas nos Estados Unidos, e frear a desvalorização das moedas nacionais. O adiamento dos aumentos das taxas de juros nos Estados Unidos vai permitir aos países passarem pelo processo de ajuste gradualmente. Em uma crise, as taxas de juros são elevadas bruscamente, o que provoca danos consideráveis para a economia.
Os investidores devem se adiantar na questão, atentando para a aproximação do aumento das taxas de juros. Aqueles que investem em ativos que se caracterizam por queda acentuada na rentabilidade quando os juros sobem devem mudar de direção, principalmente se esses ativos estão sobrecarregados com custos fixos que não serão reduzidos caso os de juros subam. Naturalmente, este é o tipo de conselho que não pode ser útil para todos ao mesmo tempo. Perdas de rentabilidade não podem ser evitadas. Alguém terá de absorvê-las porque, com a alta nas taxas de juros, os preços das ações tendem a cair. Se você vender suas ações antes da queda dos preços, por exemplo, o comprador terá que assumir a perda. Este é o preço que a sociedade terá que pagar por ter taxas de juros insustentavelmente baixas por tão longo tempo.
*Manuel Hinds é ex-Ministro das Finanças de El Salvador. Recebeu o Prêmio Hayek do Manhattan Institute em 2010. O artigo de Hinds foi publicado originalmente no newsletter Quartz.