Edição 141
A demissão da superintendente da Telos, Solange Paiva Vieira, jogou um balde de água fria na estratégia que vinha sendo desenhada pelo management da empresa de comum acordo com a direção da fundação, de adquirir em parceria com outros investidores os 53% do capital votante de Embratel. Uma semana depois de anunciar publicamente a decisão de participar do leilão de venda da empresa, Solange foi sumariamente demitida pelo Conselho Deliberativo da Telos, num dos episódios mais sórdidos já vivenciados naquela fundação.
Ela foi chamada à sala do Conselho e, enquanto recebia a notícia da sua demissão, sua sala já estava sendo ocupada pelo novo superintendente, Roberto Durães de Pinho. Segundo fontes que presenciaram o ocorrido, quando ela voltou encontrou a sua mesa já no corredor e a fechadura da sala trocada. É mais ou menos o que aconteceu há um ano, quando ela chegou para substituir o então presidente, Eduardo Alcoforado Pontual, só que naquela época a mesa que foi para o corredor foi a dele.
Ainda não está perfeitamente claro o que aconteceu, mas há várias especulações sobre o episódio. Como ela própria nega-se a falar sobre o assunto, a versão mais repetida é que teria recebido do management nacional da empresa o sinal verde para tentar formar um consórcio, composto pela própria Telos, outros investidores locais e mais os executivos da companhia, numa espécie de management by out verde/amarelo, para comprar a Embratel.
Ela concordou com a idéia, sem se preocupar muito com os detalhes técnicos dos limites de investimento dos fundos de pensão. Mas já nesse ponto o negócio era de difícil concretização, pois a regulamentação diz que a fundação não pode ter mais de 20% do capital votante, sendo que esse volume não pode exceder a 5% dos seus recursos. No caso de empresas cujas ações representem 2% ou mais do Ibovespa, a regulamentação permite que a fundação utilize até 10% dos seus recursos para compor os 20% do capital votante.
A Embratel, entretanto, representa apenas 0,9% do Ibovespa no caso das ações ON, que são exatamente as que dão o controle da empresa e que o consórcio da Telos queria comprar. Então, do ponto de vista técnico o modelo de negócio já estava fazendo água antes mesmo de ser lançado.
Mas, apesar disso, a proposta foi anunciada publicamente na segunda-feira 8 de dezembro, com seu modelo ainda indefinido e o consórcio em formação. O que era um projeto, ainda em fase de costura com outros potenciais parceiros e ainda sem qualquer operacionalidade efetiva, de repente ganhou todas as manchetes de jornais, juntamente com a foto dela. Mais ou menos como ela costumava fazer no passado, à frente da SPC, quando ia à imprensa para anunciar que havia um “rombo” de dezenas de bilhões no sistema de fundos de pensão.
A repercussão do anúncio foi enorme e péssima, ao contrário do que ela esperava. Ela esperava apoio popular e quem sabe até oficial, por parte do governo, à decisão da fundação de comprar a empresa para mantê-la em mãos nacionais. Porém, a realidade é que o mercado viu o anúncio com outros olhos e as ações ON da companhia caíram 6,9% na Bovespa entre os dias 8 e 15 de dezembro. Analistas começaram a questionar a estratégia de um fundo de pensão, com ativos de R$ 2,3 bilhões, comprar uma empresa como a Embratel. Para a maioria deles, o risco do negócio era excessivo para a fundação.
Nos dias em que esteve à frente da operação, ela chegou a alegar que o negócio era excelente para a fundação, pois a empresa oferecia uma ótima taxa de retorno e seria uma alternativa de investimentos num momento de queda das taxas de juros. Sobre os riscos da operação, entretanto, nenhuma palavra. Especialistas em negócios de fundos de pensão já apontavam uma série de dificuldades no caminho da operação.
Temores – Além da questão dos limites de investimento das fundações, que por si já era um obstáculo imenso ao negócio, a idéia de um fundo de pensão participar do controle da empresa patrocinadora desagradou aos especialistas, que temiam que ocorresse uma confusão entre os papéis de dono da empresa e de representante dos funcionários. Na ocasião, o próprio presidente da Associação Nacional de Participantes de Fundos de Pensão (Anapar), José Ricardo Sasseron, dizia que o negócio era arriscado porque aumentava o poder de ingerência da patrocinadora sobre os rumos da fundação, o que poderia levá-la a prejuízos. “Nos fundos de patrocinadoras privadas, ainda são elas que indicam a maior parte dos membros da direção do fundo. Temos maus exemplos de investimentos de fundos em patrocinadoras, como por exemplo no caso da americana Enron”, justifica Sasseron.
O negócio também começou a ser questionado do ponto de vista da sua rentabilidade. Para o analista de telecomunicações do Unibanco Luiz Fernando Azevedo, a compra da Embratel pela Telos não era um grande negócio para a fundação. Na opinião dele, o preço a ser pago pelo controle da empresa, avaliado entre R$ 1,8 bilhão a R$ 1,9 bilhão, estava longe de ser uma bagatela, além de que o negócio não traria ganhos de sinergia operacional, uma vantagem óbvia no caso das empresas de telefonia interessadas na companhia de longa distância. “É difícil saber exatamente por que a Telos está interessada na compra da Embratel”, questionava.
A diretoria da fundação não respondia a questões como essa, mas numa apresentação feita por seus dirigentes aos participantes foi dito que o negócio resultaria numa taxa de retorno para a fundação de, pelo menos, o dobro do que os títulos públicos estão pagando.
Além das dificuldades inerentes ao ramo de atividades da Embratel, existiam outros riscos para o fundo de pensão, como o excesso de exposição da carteira de investimentos num só ativo, que operava num único segmento. Além disso, deve se levar em conta o agravante de que essa exposição seria numa posição de controle da empresa, mais difícil de se desfazer em uma emergência do que outros ativos de renda variável sem essa característica. Além dos risco da não-diversificação e da baixa liquidez, existia também o risco de desenquadramento da carteira de investimentos em relação às regras estabelecidas para os fundos de pensão.
Por enquanto, a Telos tem apenas 9% de sua carteira em renda variável, enquanto a resolução 3.121 permite até 50% se forem ações do nível 1 e 35% fora desse nível. Segundo dados da própria entidade, o fluxo de caixa é positivo e vai entrar em declínio somente a partir de 2017, quando o pagamento de compromissos supera as entradas (ver quadro).
Dificuldades – Guardadas as diferenças, a Embratel é, hoje, uma empresa com dificuldades em ampliar a sua receita, carregando uma dívida de R$ 3 bilhões e necessitando de investimentos para diversificar suas operações. Segundo analistas de mercado, as empresas de telefonia de longa distância têm passado por momentos difíceis nos últimos anos, não só no Brasil mas no resto do mundo. Grande parte delas também opera com transmissão de dados corporativos, mas esse segmento ainda não deslanchou como se esperava.
Nos EUA e no México, essas empresas tiveram de entrar no ramo de telefonia local, que movimenta somas maiores que a longa distância, para saírem do vermelho. Os esforços foram iniciados a partir do ano 2000 e só recentemente estão resultando em melhoras nos números das empresas.
Aqui no Brasil, a Embratel já está incursionando pelo mercado local com a compra da Vésper, mas ainda falta muito para fincar o pé nesse segmento. A possibilidade de disputa por uma fatia maior desse bolo ainda é tema de discussão na Anatel, que define novos marcos regulatórios para o setor até o final de 2005. Entre outras matérias, o órgão pretende implementar, a partir dessa data, a desagregação das redes, o que permitiria a qualquer companhia oferecer serviços de telefonia local mediante o pagamento de uma taxa de utilização à dona daquela rede para garantir a competição nesse serviço. “A Embratel tem brigado pela desagregação das redes, mas essa desagregação ainda não foi implementada cabalmente em quase nenhum lugar do mundo”, comenta o analista Alexandre Constantini, da Bear Stearns.
Segundo ele, a extrema competitividade na longa distância torna restritas as possibilidades de crescimento nesse segmento. “A pressão tarifária no setor é enorme no mundo todo, o mercado acha que deve virar uma commodity nos próximos anos”, explica.
A médio e longo prazos, o diferencial de rentabilidade realmente virá da atuação no mercado local. Na opinião da analista Jaqueline Lison, da corretora Fator Dória, a Embratel espera obter ganhos com a desagregação das redes, principalmente no serviço de dados de banda larga, e com a ampliação das possibilidades no setor corporativo. “O mercado local ainda é o único sem competição. As empresas espelhos não conseguiram competir e, por isso, existe espaço para uma empresa do porte da Embratel”, comenta.
Ela acrescenta que a empresa melhorou seus resultados neste ano, com a reestruturação de sua dívida e a redução da inadimplência, que era crescente há quatro anos. No entanto, acredita que ainda há muito a se fazer em termos de crescimento e rentabilidade.
Alternativa à taxa de juros
A fundação Telos tinha afirmado, em apresentação feita por dirigentes da entidade aos participantes, estar interessada na compra do controle acionário de sua patrocinadora para ter uma alternativa de rentabilidade à esperada queda das taxas de juros. Na apresentação, os dirigentes da entidade disseram aos participantes que a taxa de retorno prevista para o negócio é o dobro do que os títulos públicos estão pagando à entidade, que é de 8,9% para dezembro de 2003.
A diretoria defendeu o negócio justificando a posição de mercado da Embratel, que lidera no segmentos de dados e de telefonia de longa distância (ver tabela). Além disso, apresentou indicadores de prosperidade da companhia, como a compra da Vésper, que a posicionou num mercado mais rentável; a reestruturação da dívida, por meio da emissão de US$ 200 milhões em eurobonds esse ano; as recentes quedas de inadimplência e a recuperação das margens de lucratividadfe.
Para a diretoria da Telos, a valorização das ações da empresa, que no acumulado deste ano subiram 223,9% até 3 de dezembro (desceram depois do dia 8 de dezembro, após o anúncio feito por Solange Paiva Vieira), seria reflexo disso. Além disso, a Telos quer reposicionar suas aplicações num setor estratégico e, ao mesmo tempo, fomentar “a concorrência e o desenvolvimento do setor de telecomunicações no Brasil e o desenvolvimento da Embratel como empresa de mercado de capitais”.
A fundação, que tem R$ 2,3 bilhões de patrimônio, informou ainda que encontrava-se em excelente situação financeira, com rentabilidade de 10,12% até novembro, o que ultrapassou a meta atuarial após cinco anos de resultados abaixo da meta. O superávit previsto está acima dos R$ 90 milhões.
Segundo foi dito na reunião, os participantes teriam a oportunidade de adquirir ações da empresa patrocinadora, utilizando linhas de crédito para formar um veículo de investimentos próprio e/ou reaplicando parte dos recursos de suas contas individuais no plano de contribuição definida.