Edição 154
Com a publicação, em 07/10/04 da Resolução Nº 13 do CGPC, estabelecendo diretrizes para a prática de boa governança das entidades fechadas de previdência complementar, torna-se ainda mais importante a discussão prévia das hipóteses e métodos atuariais utilizados na avaliação atuarial dos planos de pensão, alterando, até certo ponto, a dimensão destes itens e trazendo aos órgãos decisórios das entidades uma nova ótica de análise.
A transparência requerida pela resolução, a necessidade de uma comunicação simples e objetiva de itens complexos e a responsabilidade pela gestão da entidade contribuem para o desenvolvimento de um novo contexto de relacionamento entre as partes envolvidas, Conselhos e Diretorias, prestadores de serviços atuariais, consultores, auditores e, o mais importante, participantes e patrocinadores.
Neste novo contexto, surgirá uma discussão em fórum mais amplo, o que até então estava restrito aos meios acadêmicos: o impacto na utilização de hipóteses atuariais sobre os benefícios e custeio de planos de aposentadoria.
Para entender melhor a discussão deve-se avaliar o cenário dos planos de aposentadoria. Quando predominavam os planos de benefício definido, as hipóteses de crescimento salarial, benefício previdenciário e taxa de juros tinham importância relevante no custeio dos planos, mantendo-se praticamente inalterado o benefício global (INSS + Previdência Complementar) recebido pelo participante.
A questão da mortalidade era, até certo ponto, secundária, até porque os planos eram novos, tinham um número reduzido de participantes assistidos com reservas de benefícios concedidos correspondendo a um percentual de menor relevância.
Com o advento e supremacia dos denominados planos de contribuição definida mudou o foco de discussão das hipóteses atuariais com impactos menores no custeio, alterando-se no entanto o impacto no benefício global recebido pelo participante.
Nos parágrafos seguintes são sintetizados os principais focos de discussão, restringindo-se a análise ao comportamento esperado das hipóteses de crescimento salarial, benefício de aposentadoria da previdência social, taxa de juros e mortalidade e seus impactos nos planos de contribuição definida.
Crescimento salarial – Neste tipo de plano, o efeito do crescimento salarial sobre o custeio é praticamente nulo quando analisado em percentagem da folha de salário. No extremo da simplicidade, em planos que não possuem contribuições escalonadas por faixa salarial, salários aumentando x% produzem similar comportamento nas contribuições em percentual da folha de salários.
O efeito sobre o benefício final é, de certa forma, perverso. A natureza do plano de contribuição definida com capitalização ao longo da carreira normalmente não reproduz no benefício aumentos salariais concedidos no final da carreira, significando que, quanto mais forte o crescimento salarial neste período, menor será o benefício do plano expresso em percentual do salário final. O mesmo comportamento é observado na evolução dos chamados “high flyers”. Apesar destes fatos, a discussão sobre esta hipótese limita-se, praticamente, à definição para efeito de simular o benefício esperado, não devendo ser foco de discussão nos próximos anos para o universo aqui analisado.
Benefício de aposentadoria da Previdência Social – A evolução deste benefício não produz qualquer impacto direto no benefício de aposentadoria de planos do tipo contribuição definida, embora produza um efeito no nível global de benefício esperado que será percebida pelo participante, já que o plano foi desenhado considerando uma expectativa de benefício da Previdência Social.
Taxa de juros – Indubitavelmente, haverá grande discussão para os próximos anos com severos impactos no benefício e no seu custeio. Na função de taxa de retorno de investimento as projeções realizadas para definição do nível de benefício esperado do plano consideram, na quase totalidade, a taxa de juros real de 6,0% a.a.. Uma eventual concretização de taxa de retorno inferior em 0,5% a longo prazo pode reduzir o benefício em até 10,0% ou 15,0%. Este impacto é impiedoso e tem reflexo direto no benefício a ser concedido.
A grande dúvida que os analistas discutem e a comunidade internacional já questiona é o patamar à uma taxa de retorno real fixada em 6,0% ao ano. Numa economia estável e desenvolvida espera-se níveis de taxa de juros de 4,0% ao 5,0% a.a., o que evidentemente reduziria drasticamente o montante acumulado e, conseqüentemente, o benefício. A equação brasileira de dívida pública, remuneração do risco envolvido e necessidade de captação de recursos para seu equilíbrio resultam, na prática, na emissão de títulos com taxas até superiores a 6,0%. Mais uma vez, a dúvida é até quando o país vai sustentar este patamar. O passado confirma a utilização, o futuro a longo prazo é incerto.
Passando para a função de taxa de desconto o impacto maior é nos planos que concedem renda vitalícia. O cálculo para definição do fator atuarial considera, além da mortalidade, uma taxa de juros para descontar o valor de pagamentos futuros trazendo-os a valor presente. Quanto menor a taxa de juros maior será o fator, produzindo benefícios iniciais menores.
Mortalidade – Os planos de contribuição definida no Brasil iniciaram com a capitalização típica destes planos, com saldos valorizados pelo retorno dos investimentos, e a concessão de benefícios sob a forma de renda vitalícia, característica esta considerada até uma heresia pelos defensores de planos sem riscos atuariais. Interessante notar que os planos recentemente implantados já expurgam os riscos inerentes à sobrevivência, ao fixar benefícios de período certo ou sob a forma de um percentual do saldo acumulado. Entretanto, os processos de conversão de planos de benefício definido em contribuição definida tipicamente mantém a renda vitalícia como forma de pagamento de benefício, assim como um número expressivo de planos.
A publicação, pelo IBGE, da melhoria da expectativa de vida do brasileiro e seu reflexo no fator atuarial utilizado para o cálculo do benefício da previdência social, a crescente preocupação quanto à adoção de tábua de mortalidade que expresse a experiência da população coberta estão motivando uma revisão da hipótese de mortalidade utilizada pelas Entidades Fechadas de Previdência Complementar.
Segundo o IBGE, a expectativa de vida aos 55 anos passou de 20 anos em 1991 para 24,2 anos em 2002. A Resolução CGPC 11, de 21 de agosto de 2002, que define parâmetros técnicos atuariais mínimos para a estruturação de planos de benefícios mantidos por Entidades Fechadas de Previdência Complementar, estabelece que a expectativa de vida gerada pela tábua utilizada pela entidade deve ser pelo menos igual à obtida utilizando-se a AT-49, permitidas algumas exceções desde que comprovadas por relatório atuarial com teste de aderência da hipótese adotada à população coberta.
A tabela abaixo apresenta a variação da expectativa de vida aos 55 anos para diversas tábuas onde constatamos que para esta idade o resultado da AT-49 já é inferior ao obtido pelo IBGE.
O exemplo mostra dois participantes de planos similares, cuja diferença única seja a mortalidade adotada, um teria uma renda vitalícia superior em 10% devido à hipótese de mortalidade adotada.
A outra face do mesmo problema é quando o plano foi estruturado com base na AT-49 e o participante sobrevive “de acordo” com a AT-83. Neste caso, ocorrerá um déficit resultante de 10% do saldo considerado.
Não é difícil avaliar a dificuldade de alterar a hipótese de planos em funcionamento. O procedimento adequado para esta situação consiste em elaborar um teste de aderência da hipótese utilizada à população coberta, identificar a tábua que melhor se adequa aos resultados do teste, discutir criteriosamente os impactos da alteração sobre os benefícios a serem concedidos, conscientizar as partes envolvidas da necessidade da alteração e proceder à alteração.
A alteração da hipótese sobre os benefícios já concedidos tipicamente resulta no acréscimo do passivo atuarial em torno de 10%. O que tem sido feito em algumas entidades é utilizar superávits obtidos nos resultados financeiros, por exemplo, para integralizar o acréscimo verificado.
Em resumo, as grandes discussões para o futuro próximo serão a taxa de juros que deve ser utilizada, devidamente adaptada ao cenário brasileiro, e o tratamento do risco atuarial nos planos de contribuição definida. Este tratamento pode significar a eliminação com os denominados planos de contribuição definida puro (tendência observada nos planos recentemente implantados) ou a transferência do risco para o benefício, redefinido atuarialmente a cada ano, ou mesmo compartilhado na data do início do benefício. Nesta última, a hipótese seria revista periodicamente com o benefício inicial, refletindo a expectativa de vida atuarialmente calculada na mesma data.
Utilizando os princípios de conservadorismo e prudência recomendados para uma boa governança de uma Entidade Fechada de Previdência Complementar, as hipóteses atuariais adotadas devem ser avaliadas criteriosamente e, se necessário, devem ser modificadas sem postergação, provisionando-se eventuais perdas antes mesmo de serem configuradas.
Luís Alberto Alvernaz é presidente do IBA (Instituto Brasileiro de Atuária) e diretor da Mercer