Edição 142
Perspectivas 2004 – Walter Brasil Mundell é vice-presidente de investimentos da SulAmérica
O cenário parece promissor para o Brasil em 2004, com grande possibilidade de avançar ainda mais em 2005.
Contudo, essa expectativa decorre, em grande parte, das condições internacionais, e não dos acertos locais da política econômica. O maior mérito do governo, até agora, foi manter as políticas monetária, fiscal e cambial do governo anterior. Seu maior pecado foi agir firmemente para diminuir a autonomia das agências reguladoras, o que cria instabilidade nos mercado e dificulta as condições de expansão dos investimentos.
A chave para entender a euforia com as perspectivas para 2004 – e principalmente para entender os riscos atuais – está no cenário internacional. Os pontos a considerar são cinco:
1) o risco inflacionário nos EUA, por enquanto, é baixo e a recuperação econômica não alterará significativamente o nível de emprego da mão de obra;
2) a perspectiva para a cotação do dólar, em relação a outras moedas conversíveis, como o euro, ainda é de queda;
3) a China é, hoje, uma das principais engrenagens do motor da economia mundial, com um crescimento espetacular que ainda pode durar muito tempo;
4) o preço das commodities está subindo, impulsionado pela desvalorização do dólar e pelo insaciável consumo chinês; e,
5) os mercados emergentes são, atualmente, a coqueluche dos investidores globais.
A resultante dos quatro primeiros temas é a expansão de liquidez mundial. Seu maior efeito para nós, provém do quinto tema: estamos vendo, outra vez, uma “bolha” de investimentos em ativos de maior risco, que começou pela retomada da alta nos mercados de ações dos países centrais, após três anos de queda, continuou através da valorização dos títulos sem “grau de investimento” e, agora, puxa para cima a cotação dos países emergentes, como o Brasil. Há vários meses, todos os ativos estão valorizando, em todos os países.
As “bolhas” acabam todas do mesmo jeito: estouram. Os investidores, e até mesmo muitos governadores de bancos centrais, acham que sairão do barco antes que afunde. Poucos conseguem. É muito difícil, senão impossível, determinar o momento certo de sair do mercado, mas alguns sinais de que a corda está muito esticada já são evidentes. Os níveis atuais da bolsa americana, em uma perspectiva histórica, estão novamente muito altos, embora o mercado tenha permanecido dessa forma por boa parte da década de 90. Ações de companhias chinesas que estão abrindo seu capital são muito disputadas pelo mercado. Por último, o Brasil vendeu recentemente títulos de 30 anos de prazo a taxas baixas, se considerarmos nosso histórico de preços.
O quadro geral é favorável aos países emergentes e a principal pergunta, parece-me, é: teremos de novo uma crise como a que começou em 1997, que ficou conhecida como Crise Asiática por ter ocorrido nos países emergentes daquele continente, mas envolveu também Rússia, Argentina, Turquia e Brasil? O que pode detonar um processo de reversão no sentimento dos investidores? Em outras palavras, o que pode reverter o nível atual de propensão dos investidores globais a riscos que, normalmente, não correriam?
Pelo lado econômico, os riscos estão claramente associados ao fato da inflação nos EUA estar em seu ponto mínimo. A partir daí, é muito provável que comece a subir, mas isso só deve ocorrer em 2005. A questão é: o FED agirá ou não preventivamente? Se o FED demorar a apertar a política monetária, os bonds do tesouro dos EUA desvalorizarão rapidamente, assim que o mercado perceber o fato. Isso terá um forte impacto na cotação do dólar, derrubando as bolsas mundiais e desvalorizando ativos de maior risco.
Estamos preparados para enfrentar as turbulências que devem ocorrer? Depende do tamanho da turbulência e de como chegaremos até lá. Se o Banco Central errar a mão na taxa de juros – reduzindo a Selic rapidamente no primeiro trimestre –, uma grande variação no cupom longo deverá ocorrer, quando a liquidez internacional diminuir. Se até lá a autoridade monetária não permitir uma valorização real de nossa moeda, o impacto, tanto no juro longo como na taxa de câmbio, talvez não seja significativo. As bolsas estão caras, inclusive nos EUA. Mas com a grande oferta de liquidez e o apetite para risco em alta, deverão subir ainda mais, beneficiando, por inércia, as ações de companhias brasileiras. Entendo que o risco país deve situar-se ao redor de 360 pontos, oscilando 100 pontos para mais ou para menos.
Os grandes ganhos já fazem parte do passado. O quadro mundial benigno deve, aos poucos, começar a reverter. Os resultados que teremos dependem do governo manter a política econômica atual e debruçar-se nas chamadas reformas estruturais, entre as quais as mais importantes são a fiscal e a jurídica, além de reformas na área microeconômica e o aperfeiçoamento do marco regulatório. Infelizmente, não estou convencido de que o governo tenha percebido que as condições para o crescimento sustentável ainda não estão presentes.