Edição 239
Ainda inexpressivos nas carteiras dos fundos de pensão, os investimentos em participações avançaram mais de 25% nos últimos dois anos e a expectativa é favorável a um crescimento ainda maior no médio e longo prazos devido à queda da taxa de juros. De acordo com estatísticas da Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar (Abrapp) os fundos de pensão tinham R$ 13,347 bilhões aplicados em participações em 2011, o equivalente a 2,3% do total dos investimentos, comparado a R$ 10,634 bilhões em 2010. Em 2009, essas aplicações eram inexistentes.
Os investimentos em participações fazem parte da classificação de Investimentos Estruturados. Constituídos basicamente de participações relevantes no capital das empresas, muitas vezes nos grupos de controle, os estruturados englobam também empresas emergentes e fundos imobiliários. Entre os gestores dos fundos de pensão, é grande o interesse no aumento da participação de investimentos estruturados no portfólio de aplicações, principalmente de Fundos de Investimentos em Participações (FIP) e debêntures em projetos de infraestrutura. O motivo está diretamente relacionado com a queda da taxa de juros.
No dia 11 de julho, o Banco Central anunciou um novo corte da taxa básica, a Selic, de 8,5% para 8% ao ano. A redução levou os juros básicos ao menor patamar na história econômica brasileira e reduziu os juros reais (descontada a inflação) para 2,3% ao ano, também um recorde histórico. Apesar de reduzido para padrões brasileiros, o patamar ainda supera ao observado em países desenvolvidos e em muitos em desenvolvimento. Nos dias seguintes, a própria presidente da República, Dilma Rousseff, declarou a intenção de reduzir ainda mais a taxa básica.
Juros menores significam rendimento mais baixo para os recursos de participantes dos fundos de pensão, cuja maior parte (61%) está aplicada em títulos de renda fixa – títulos públicos e privados e cotas de fundos. O cenário de tendência queda de juros não é novo e, na verdade, algumas fundações iniciaram, embora de forma ainda tímida, como atestam os dados da Abrapp, já vinham trabalhando com essa perspectiva.
À frente da curva – Fundo de previdência complementar dos empregados da Vale e outros 48 patrocinadores, a Valia, por exemplo, iniciou a adaptação de seu portfólio através de investimentos de maior risco-retorno há quase uma década. “Os ativos de infraestrutura fazem sentido para o fundo de pensão porque o horizonte é longo. Naturalmente sua participação nas carteiras dos fundos vai aumentar”, afirmou Mauricio Wanderley, diretor de investimentos da fundação. A Valia tem R$ 14,585 bilhões em investimentos e 99 mil participantes, entre ativos e assistidos.
A carteira de investimentos em projetos de infraestrutura da Valia totaliza hoje R$ 440 milhões, sendo R$ 230 milhões em debêntures de concessões rodoviárias e o restante em energia através do Fundo Infra Brasil, uma carteira de R$ 1 bilhão dos quais a Valia detém 15%, além de debêntures de energia. “O prêmio destes ativos hoje é muito maior porque a taxa de juros era mais alta quando entramos”, explica Wanderley. A Valia tem 5,5% de seus investimentos estruturados comprometidos em FIPs abertos. Wanderley conta que os FIPs geralmente incluem projetos de longa maturação, às vezes com fluxo negativo nos primeiros cinco anos.
O que ainda mantém o capital disponível dos fundos de pensão distante dos projetos é a escassez de opções. Não há um veículo novo nos moldes do Fundo Infra Brasil no mercado. Ainda assim, Maurício Wanderley diz que a Valia analisa neste momento projetos em óleo e gás para seus próximos passos. “Embora tenha um viés mais de energia, é um setor muito interessante, apesar de também ser uma fronteira complicada (em termos de avaliação de riscos)”. Nesse caso, além de cotas de fundos, a Valia também analisa as emissões de debêntures relacionadas ao setor.
As debêntures estão no radar do presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Luciano Coutinho, que afirma esperar um volume equivalente a quase 30% dos recursos tomados por investimentos em infraestrutura em debêntures emitidas pelo setor até 2015. O motivo, acrescenta, é a queda da Selic que deve levar os investidores institucionais a tomar mais risco em suas carteiras, optando por participação em ativos voltados para a área de infraestrutura para compensar o menor rendimento dos ativos na carteira de renda fixa.
Em entrevista coletiva à imprensa no fim de maio, Coutinho afirmou que o BNDES estudava mecanismos para aumentar a atratividade dessas debêntures. Um deles seria a criação de um fundo no valor estimado em R$ 2 bilhões para dar liquidez aos papéis. O outro mecanismo seria o aluguel de títulos privados que estejam na carteira do BNDES para bancos interessados em atuar como formadores de mercado nesse segmento. Procurado em julho para detalhar o andamento do projeto, o BNDES informou que o assunto ainda está sob análise do Ministério da Fazenda.
Na fundação de previdência dos empregados da Petrobras, a Petros, o movimento na direção aos ativos de risco está mais rápido do que é observado em outras fundações. Considerando também os investimentos em Private Equity e Venture Capital, a Petros detinha R$ 2,232 bilhões aplicados em maio deste ano, o equivalente a 3,66% do total de investimentos de R$ 60,953 bilhões.
A Petros informou que, considerando sua carteira consolidada em março de 2012, os investimentos em fundos de participação estavam concentrados nos setores classificados como utilidade pública (água e saneamento, energia elétrica e saúde), construção, transporte e logística, consumo não básico, materiais básicos e petróleo, gás e biocombustíveis.
Apostas – A Petros analisa que o aumento da renda, a ascensão social das classes de renda mais baixa e a expansão do crédito imobiliário favorecem o crescimento do setor de construção e transporte. “Assim como o mercado imobiliário, as obras de infraestrutura têm recebido o apoio das políticas de governo. O maior risco, no entanto, está na escassez de mão de obra”, analisa a fundação. Os setores com maior potencial de rentabilidade no futuro, na visão dos estrategistas da Petros são: comércio, saúde, energia, construção e logística (neste caso, empresas que atuam na cadeia produtiva e provedores de serviço).
Embora cientes da necessidade de tomar mais risco com investimentos estruturados em setores mais dinâmicos, com maior potencial de rendimento, muitos gestores ainda mantém a cautela. É o caso da Fundação Eletrobrás de Seguridade Social (Eletros), que já tem aprovada por seu conselho uma política para investimentos em ativos relacionados à infraestrutura, mas aguarda para fazer os primeiros investimentos.
Criada em 1971, a Eletros é uma entidade que administra os planos de pensão dos empregados de algumas das principais empresas do setor elétrico estatal: Eletrobrás, Cepel, Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), Eletrobrás Distribuição Rondônia (Ceron) e da própria Eletros. Com aproximadamente R$ 3 bilhões em investimentos, a Eletros administra cinco planos, um plano de Benefício Definido (BD), três de Contribuição Definida (CD) e um de Contribuição Variável (CV). O maior deles, o BD da Eletrobrás, com R$ 1,850 bilhão em patrimônio mantém 70,3% aplicados em renda fixa e perto de 14% em renda variável. Já os demais, com R$ 1,2 bilhão em patrimônio combinado, têm em média 22% aplicados em ações. Na média de todos os planos, a fundação mantém 16,5% aplicados em 20 papéis de empresas dos setores de varejo, bancos, mineração e commodities.
Casamento de prazo – “Sabemos da necessidade de ampliar as aplicações de maior risco e retorno por conta da queda da taxa de juros”, afirma o diretor financeiro da fundação, Jack Steiner. Segundo ele, a Eletros deu início à diversificação de ativos migrando parte dos papéis de renda fixa para renda variável, comprando ações nas bolsas de valores. “Nós só trabalhamos com análises fundamentalistas e buscamos a bolsa de valores porque é onde estão as empresas mais conhecidas”, explica.
Segundo Steiner, a Eletros deve começar a investir em infraestrutura ainda este ano e agora analisa projetos principalmente no setor de petróleo e gás e energia elétrica. “Todo o setor de petróleo e gás é bem atrativo, mas avaliamos em detalhe o plano de investimentos da Petrobras”, afirma, lembrando que deste plano depende o dinamismo e o potencial dos empreendimentos envolvidos na cadeia do petróleo.
Enquanto estuda as ofertas de projetos, a fundação finaliza a aprovação interna da política de investimentos proposta pela diretoria. O executivo, porém, lembra que a entrada no negócio será cautelosa. “Será um início bastante modesto”, revela Steiner, evitando antecipar os valores envolvidos. Ele disse que a análise dos projetos levará em conta os parâmetros ALM (Asset Liability Management) já adotados pela entidade para avaliar a maturação dos projetos vis a vis as necessidades atuariais dos planos do fundo. “Geralmente em FIP você investe durante cinco anos e só começa a ter retorno em seis ou oito anos. Por isso temos que casar muito bem com a época em que as pessoas se aposentam”, explica Steiner.
Imovéis– Outra fundação que está de olho nos Investimentos Estruturados, mas ainda não deu qualquer passo nesse sentido é a Refer, entidade que reúne os empregados do sistema ferroviário em sete capitais. A Refer centrou seua carteira em imóveis e também papéis de renda fixa relacionados a crédito privado para garantir uma rentabilidade acima da meta atuarial. O diretor financeiro, Carlos de Lima Moulin, garante, no entanto, que investimentos em infraestrutura estão no radar da instituição e serão analisados mais de perto no futuro.
Moulin conta que a fundação realiza, desde meados de 2010, a migração de recursos alocados no segmento de renda fixa para o crédito privado, principalmente as opções de ativos atrelados a índices de preços (como IPCA e IGP-M). “Neste momento, temos pouco mais de 6% do total da carteira de investimentos de renda fixa alocada em créditos privados”, conta o executivo, lembrando o foco preferencial em debêntures com garantias, Fundos de Investimentos em Direitos Creditórios (FIDC) com elevado nível de subordinação e Cédulas de Crédito Imobiliário com garantia real acima de 100% da emissão.
“Olhando a situação de mercado em relação ao ativo livre de risco, nossa expectativa é de que o nível de exposição ao crédito privado suba consideravelmente nos próximos anos”, afirma Moulin. “Na verdade, este crescimento é limitado pela escassez na oferta de bons produtos que conjuguem taxas competitivas e nível de risco relativamente baixo.”
Os créditos privados na carteira da Refer estão concentrados em ativos bancários que, segundo Moulin, serão substituídos por outros ativos quando vencerem. “São aplicações realizadas no passado recente, quando estes papeis ainda apresentavam taxas competitivas”, explica.
Confirmando a visão do presidente do BNDES e do diretor de Investimentos da Valia, o diretor financeiro da Refer relata que não há muitas opções de produtos de crédito privado em oferta no mercado. Segundo ele, a demanda por esse tipo de ativo cresce exponencialmente, à medida que os juros recuam e que os títulos públicos vão chegando ao vencimento. Tomando por base o cenário atual, diz, os gestores dos fundos vão encontrar problemas para recompor as carteiras. “Em estatísticas não oficiais, as ofertas estão tão restritas que a demanda média dos investidores tem superado em cerca de duas vezes o book (leilão de ofertas)”, destaca Moulin.