Sistema tem dúvidas em relação ao funcionamento da 2.720 | Encont...

Edição 79

O primeiro mês de funcionamento da nova legislação de investimentos dos fundos de pensão foi marcado mais por dúvidas do que por atitudes de aprovação ou desaprovação do texto. Isso ficou patente no expressivo comparecimento de dirigentes do sistema ao encontro promovido pela Abrapp no dia 19 de maio, em São Paulo, para discutir a lei. Previsto inicialmente para um público de menos de cem pessoas, que seriam recebidas no auditório da própria Abrapp no World Trade Center de São Paulo, o encontro teve que ser mudado às vésperas da sua realização para o Hotel Renaissance por causa do inusitado número de inscritos.
Cerca de 300 pessoas compareceram ao evento, que teve como palestrantes no período da manhã o titular da SPC, Paulo Kliass, e a coordenadora de sistemas de informação do órgão, Vanialucia Lins Souto, e à tarde o sócio da Rocca, Prandini e Rabbat, Antonio Carlos Rocca. O convite ao representante da RPR deveu-se à assessoria que sua empresa prestou à SPC na elaboração do novo texto.
Já durante o primeiro café do evento, enquanto os dirigentes trocavam impressões sobre pontos específicos da lei, ficava claro que as dúvidas eram muitas. Para alguns dirigentes de empresas de asset management, o texto “acabou de vez com a indústria de administração de recursos”. Segundo esses, que pediram para ter seus nomes preservados, “o novo texto aumenta enormemente os custos de administrar um fundo de pensão, além de colocar os investimentos em uma camisa de força”.
Várias perguntas foram feitas aos representantes da SPC sobre custos. Para Kliass, no entanto, a surpresa não deveria ser dirigida ao aumento dos custos operacionais, ditados pelas contratações de consultorias especializadas e envio de relatórios mais pormenorizados e freqüentes ao órgão controlador, mas sim à total ausência de controles mais eficazes para os fundos de pensão. “Um setor que representa mais de 10% do PIB do país não poderia continuar nessa situação”, disse. “Hoje, só conseguimos saber o que se passa em um fundo de pensão dois meses depois do fato ocorrido. Isso é absurdo, tem que mudar”.
Tanto Kliass quanto Vanialúcia enfatizaram diversas vezes que as mudanças não seriam bruscas, mas poderiam ser feitas gradativamente pelas fundações, que têm até 31 de abril do ano que vem para se adequarem. Até lá, vale o princípio de que as posições de investimento assumidas com prazo de vencimento mais longo poderão ser carregadas até a data, mas não são renováveis, enquanto as novas posições tomada desde 1º de maio deste ano já deverão seguir o novo texto.

Dúvidas – Para os participantes, várias outras questões não ficaram claras no texto. Entre elas, qual índice a instituição deverá usar no caso dos empréstimos ao participante (o texto só diz que a instituição deve buscar a taxa média do mercado de renda fixa, mas não diz qual é ela); como montar uma carteira de ações de média liquidez, se num cruzamento das ações negociadas na Bolsa de Valores de São Paulo não foi achado nenhum papel que se enquadraria dentro desses parâmetros (o ativo não existe, na prática); como evitar que o desinvestimento nas ações de baixa liquidez, que tende a concentrar-se perto do prazo fatal pela fragilidade do mercado atual, derrube ainda mais os preços dos papéis; o que fazer com fundos que seguem benchmarks diferentes dos especificados no texto e como será feita a fiscalização das atividades de custódia das instituições, que concentraram um poder enorme com as novas regras?
Algumas das respostas, é provável que a própria dinâmica do sistema ajude a dar. “É fato que o novo modelo traz custos adicionais para os fundos de pensão, mas temos que perceber que a adoção de algumas práticas e serviços também poderão produzir uma economia decorrente da maior eficiência da gestão”, considera o presidente da Abrapp, Carlos Caldas. “O novo modelo consagra as tendências e procedimentos que já estão sendo adotados pela maioria dos fundos de pensão, sobretudo no que se refere ao controle de risco dos investimentos. Além disso, ele não engessa a segmentação dos ativos, ao contrário das primeiras propostas do modelo”.
Segundo Rocca, “a 2720 priorizou o risco dos investimentos em detrimento de qualquer outro aspecto, até mesmo do casamento de ativos e passivos”. Segundo ele, “a nova legislação é mais avançada, porque o conceito de risco dos investimentos veio para ficar, não só aqui como em todos os mercados”.
Além de considerar a obrigatoriedade de abertura das carteiras dos fundos um “divisor de águas”, ele esclareceu a respeito dos limites dos fundos de private equity, que se encaixariam na alínea fundos de empresas emergentes, podendo alcançar, então, até no máximo 1% do patrimônio das entidades. Em relação aos fundos de Internet, disse que podem misturar aí os conceitos de empresas emergentes (1%) e lançamentos primários (limite de 2%).

Custódia e PGBL – Além do aumento dos custos e da colocação do risco como prioridades, o texto cria dois novos importantes direcionamentos no sistema: o primeiro é o aumento do poder das empresas de custódia, que passam a centralizar operações não só de fundos de pensão como de outras empresas de assets. Além de tornar-se um excelente negócio, no qual as grandes casas bancárias devem concentrar esforços, a custódia abre ao custodiante todas as estratégias de assets concorrentes e dos fundos de pensão que operam com ela. É um poder imenso, caso a atividade não seja totalmente segregada de outras atividades da instituição, como sua tesouraria, sua asset e sua área de advisor.
“A 2720 coloca o custodiante em evidência”, declara o responsável pela área de custódia do Unibanco, Luís Navarro. “Antes, esse serviço ficava diluído na gestão de recursos, o que não deixava claro a importância da custódia no processo de controle de investimentos, mas agora isso fica mais claro”. Entre vários participantes do debate da Abrapp, comentava-se que a atividade de custódia deveria, ela também, ser submetida a uma legislação do Banco Central, assim como ocorre com a atividade das assets.
Outra questão levantada diversas vezes é que os custos da nova legislação poderão fortalecer os fundos abertos, do tipo PGBL, que são mais fáceis e baratos de administrar. “Uma empresa que está pensando em abrir um fundo de previdência aos seus funcionários, não terá dúvida em optar por um PGBL”, diz o diretor do Portopar, Aristeu Zanuncio.
“A impressão que temos é que o novo modelo cria tantas obrigações e custos adicionais que uma empresa pensará duas vezes antes de constituir um fundo de pensão próprio. Por isso, a nova regulamentação deve abrir espaço para o crescimento do PGBL empresarial”, afirma o diretor comercial da Liberal Asset Management, “Guilherme Cavalcanti.
Dúvidas e críticas à parte, foi bastante elogiado o capítulo que trata das responsabilidades e das punições aos dirigentes que manejam recursos de terceiros. “É importante que a noção de responsabilidade esteja claro no texto”, diz o diretor da consultoria Barra, Fernando Lifsic. Também foi elogiado a supressão do limite de 20% que as assets tinham que respeitar no tocante à administração dos fundos de investimento pertencentes às fundações. O fim desse limite resolveu, na prática, alguns problemas que assets que se fundiram recentemente estavam encontrando, em conseqüência de um mesmo cliente aplicar em fundos nas duas mas que somados na nova ultrapassavam a casa dos 20%. “Para nós foi bom”, declarou Carlos Garcia, da BBA Capital Icatu, que estava vivendo o problema de limites superados em pelo menos uma fundação.
Para informar seus clientes a respeito das implicações da nova legislação, várias assets decidiram montar eventos para dirigentes de fundos de pensão, logo após o da Abrapp. A todos eles, a afluência deve ser significativa.

VEJA O QUE ELES DISSERAM
“Os custos para os fundos de pensão serão elevados em função da necessidade de contratar o auditor de gestão, manter um sistema de análise de risco e enviar informes detalhados à Secretaria de Previdência Complementar. A saída será a formação de pools de fundos para contratar os serviços em conjunto.”
“O novo modelo deve incentivar a adoção de estratégias passivas de alocação dos recursos, com a vantagem de pagar menores taxas de administração.” – Lauro Araújo – consultor senior de investimentos da William M. Mercer
“As novas regras impõem que as carteiras de ações dos fundos de pensão contenham ativos de maior liquidez e, por isso, pode limitar algumas estratégias de gestão ativa como a aquisição de participações de governança corporativa.” – Luiz Guilherme Nobre Pinto – gerente de investimentos da Fundação Eletros
“Teremos problema para enquadrar nossa carteira indexada ao índice Morgan Stanley porque o novo modelo não inclui esse benchmark na carteira de ações em mercado.” – Marcelo Mancini – gerente de investimentos da Fundação IBM
“O limite do segmento especial (infra-estrutura, companhias em processo de reestruturação, debêntures de distribuição pública, fundos de empresas emergentes) ainda é restrito, mas pode ser aumentado em decorrência da evolução do mercado. Chegamos a pensar em deixar um limite de 30% para o segmento especial, mas achamos mais prudente deixar em 10% num primeiro instante.” – Vanialucia Lins Souto – coordenadora de sistemas de informação da SPC
“É a primeira vez que uma regulamentação de investimentos dos fundos de pensão ressalta a importância de casar a gestão dos ativos com o passivo.” – Antônio Fernando Gazzoni – consultor atuarial