Servir a um só senhor | Perspectivas2005 – Everaldo Guedes ...

Edição 154

Para quem não gosta de rotina, 2005 será um ano muito interessante. Não é sempre que temos tantas novidades, e tão diversas, como no momento atual. Há novidades para todos os gostos, desde novas necessidades em termos de estrutura interna e controles, inovações tributárias, nova legislação sobre fundos de investimento, os novos custos dos fundos exclusivos, sustos e assombrações na área de risco de crédito e tudo o mais em que se puder progredir mais um pouco em termos de técnicas de gestão.
Tudo isto, associado à sempre necessária análise da conjuntura econômica e dos cenários possíveis para o mercado financeiro, serve para deixar bem claro que não é fácil a vida de um administrador de fundo de pensão.
Os impactos não ocorrem tanto pela grande quantidade de novas normas mas, principalmente, pelas poucas mas contundentes diretrizes enunciadas recentemente como, por exemplo, as contidas na recente Resolução nº 13 do CGPC.
A abordagem de governança corporativa trazida por esta Resolução certamente provocará mudanças substanciais na atuação dos fundos de pensão, ao longo do tempo. Tais mudanças podem não ocorrer instantaneamente mas, à medida que os novos conceitos forem sendo absorvidos, certas práticas obsoletas serão postas de lado.
Um aspecto relevante quanto a isso se refere ao relacionamento entre as EFPCs e as consultorias. Parece que estas terão que decidir, definitivamente, para quem trabalham: se para o sistema financeiro ou para os investidores. Esta questão está bastante clara no terceiro parágrafo do Art. 4º, onde se lê: “A EFPC deve se assegurar de que as empresas e profissionais contratados para lhe prestar serviços especializados tenham qualificação e experiência adequadas às incumbências e de que não haja conflitos de interesses”.
Nesse sentido, o que poderia se configurar como conflito de interesses seria, como exemplo muito relevante, a prestação, para um fundo de pensão, de serviços de consultoria em avaliação de desempenho de gestores concomitantemente à prestação de qualquer tipo de serviço para os gestores de carteiras. Nestas circunstâncias, como manter a isenção total na avaliação de uma carteira sob gestão de uma instituição que é cliente em outro contrato? Ou num processo de escolha de novos gestores, que envolve avaliação quantitativa de desempenho e qualitativa através de procedimentos de “due-diligences”, e assim por diante?
A questão não é de padrão ético, uma vez que todo o mercado tem progredido muito nesse aspecto, mas sim de estruturas confiáveis. Instituições financeiras de elevado padrão ético não são dispensadas, nem pelo mercado, nem por si mesmas, de manter estrutura adequada e segura de segregação de atividades de gestão de recursos de terceiros, o famoso “chinese wall”. Não queremos, com isso, afirmar que a simples existência física e lógica de segregação de atividades na gestão de recursos, que pode ser apenas aparente, garanta um total “compliance” e a minimização desse tipo de risco para o investidor, como vários maus exemplos, mais ou menos recentes, nos têm mostrado, mas é certamente melhor ter as estruturas de segurança do que não tê-las.
Vejamos também o conteúdo do Art.10º: “No quadro de pessoal e de prestadores de serviços da EFPC deve haver uma efetiva segregação de atividades e funções, de forma que uma mesma pessoa não assuma simultaneamente responsabilidades das quais decorram interesses conflitantes, ainda que de forma meramente esporádica ou eventual”. Também aqui deveremos ver mudanças de atitude no mercado na próxima sessão de revisões de políticas de investimento, pois este é um tópico particularmente sensível a conflitos de interesses, uma vez que há uma prática, que ocorre compreensivelmente em função de restrições orçamentárias, de entidades receberem de gestores textos completos de políticas de investimento. Na prática, o que ocorre nesses casos é que quem está elaborando as diretrizes a serem seguidas, em termos de limites de risco, ativos aceitáveis e muitos outros aspectos relacionados à gestão, é exatamente quem deverá se submeter a essas regras, ou seja, o próprio gestor está elaborando a norma que ele mesmo deve seguir. Supomos que, para que seja obedecida a Res.13 em sua totalidade, esta prática deva desaparecer.
Aparentemente as entidades de pequeno porte sofrerão com aumento de custos, mas não necessariamente as coisas têm que ser assim, uma vez que soluções criativas podem ser implementadas. Fundos de pensão com restrições orçamentárias severas podem se unir e desenvolver em conjunto, usando conhecimento interno, uma política padrão que, em cada caso, diferirá em função de especificidades, crenças e aversão a risco peculiares a cada entidade.
Recurso semelhante poderá ser empregado no treinamento dos membros dos Conselhos, que serão mais solicitados de agora em diante, tanto em termos de preparo técnico como de atuação na solução de problemas detectados, o que antes não era uma exigência. Treinamentos podem e devem ser buscados através da ABRAPP, ANAPAR ou qualquer outro tipo de associação, de caráter formal ou informal, entre as entidades ou entre participantes deste mercado, a fim de reduzir custos sempre que possível.
Outro aspecto que, sem dúvida, terá tratamento diferente ou, pelo menos, mais minucioso, em 2005, é a abordagem do risco de crédito. Neste país de memória tão curta, em que esperamos tantas décadas para podermos ver a magistral obra de Pelé, simplesmente porque os registros estão espalhados, ou perdidos, ou não interessam a quem deveria divulgá-los, nossa torcida é para que eventos recentes não caiam no esquecimento tão logo estejamos celebrando a entrada de 2006. Há vários anos temos procurado, geralmente com sucesso, explicar a nossos clientes que as agências de “rating” não são todas iguais, mas provavelmente o mercado como um todo vai fixar este conceito com mais facilidade de agora em diante. A época da memória curta está no fim. Não se trata, obviamente, de renunciar a todo e qualquer tipo de risco, até porque sem um pouco de risco não se pode almejar valor agregado adicional nas carteiras de investimentos, mas se trata de controlar melhor o risco e melhorar a percepção de onde ele efetivamente reside.
Finalmente, não podemos deixar de considerar as dificuldades crescentes no atingimento das metas atuariais de rentabilidade, posto que, apesar do tão comentado e discutido nível dos juros no Brasil, há muito tempo não tínhamos juros reais tão baixos, se é que não fica estranho usar esta palavra para algo tão elevado quando comparado com a realidade de outros países. O fato é a taxa de juros real, que é a porção que supera a inflação, tem cortejado o nível de um dígito, quando olhamos os valores de mercado numa perspectiva de futuro, a partir de qualquer data. Quando olhamos para trás as coisas nem sempre são assim, podendo até, conforme o índice de inflação que utilizarmos, vermos juros reais negativos, como em 2002, quando o IGP-M superou amplamente a taxa acumulada do CDI “over” no ano.
No entanto, como decisões são tomadas sempre de olho no futuro e bola de cristal ninguém tem, fica evidente a dificuldade, que pode crescer ainda mais, em obter rentabilidade suficiente para bancar os custos administrativos e superar a meta atuarial. Neste sentido, torna-se mais e mais importante a utilização de ferramentas sofisticadas como o ALM para maximizar a probabilidade de que as metas sejam atingidas e, como benefício adicional, planejar o risco do balanço da entidade como um todo.
Não vai ser fácil, mas os desafios estão aí para serem vencidos. A missão de aperfeiçoar nosso sistema de Previdência Complementar é de todos e ainda vai exigir muito do nosso esforço conjunto.
Everaldo Guedes França é sócio-diretor da empresa de consultoria PPS.