Sem provisionar risco de crédito | Superintendente da Previc, Ric...

Edição 354

Um mês após ser nomeado e empossado como superintendente da Previc, Ricardo Pena concedeu entrevista à Investidor Institucional onde falou sobre temas importantes para o sistema de previdência complementar, incluindo o ambiente regulatório, resgate da credibilidade dos fundos de pensão junto aos participantes que foi bastante arranhada pela operação Greenfield, e o fim da resolução que trata do risco de crédito, entre outros. Pena diz que já encaminhou pedido para que a área técnica da autarquia prepare a revogação da norma, que deve ser publicada em breve. Optamos por trazer apresentar essa entrevista na forma de perguntas e respostas, de forma a reproduzir com mais precisão o pensamento do novo superintendente da autarquia. Veja a seguir os principais pontos da entrevista:

Crescimento das entidades abertas e a necessidade de melhorias no ambiente regulatório das fechadas
Pena: Tem uma parte da previdência aberta que é PGBL, essa realmente é previdência, mas tem outra parte, que é o VGBL, que tem mais características de seguro. É essa última parte que tem crescido muito nos últimos anos, e se a gente quer inverter a tendência da previdência aberta crescer mais rápido que a fechada, como aconteceu nos últimos anos, temos que melhorar o ambiente regulatório. A gente discutiu isso lá na equipe de transição, que pode estar tendo um excesso de regulação e inviabilizando o crescimento da previdência complementar. A previdência aberta é uma previdência com regras mais flexíveis, produtos mais simples, se a gente quer fazer a fechada crescer mais ela tem que mexer no ambiente regulatório

O governo Lula e o fomento das entidades fechadas
Pena: Veja, as principais medidas que resultaram no crescimento da previdência fechada vieram do primeiro mandato do presidente Lula, como a educação previdenciária, a previdência do servidor público, o fundo de pensão instituído. Nossa expectativa é poder voltar com iniciativas que retomem esse crescimento abrindo uma área de fomento, de desenvolvimento de mercado, incluindo todo o ecossistema das fechadas que vai das entidades de patrocínio público, patrocínio privado, privado multinacional, instituidor, entes federativos…

Atenção ao RendA+
Pena: O RendA+ é um produto envelopado como previdência privada e com um atrativo de simplicidade e facilidade. Eu acho que nós temos que ficar atentos porque realmente foi um produto bem lançado, que vai drenar recursos que poderiam estar aqui na previdência fechada.

Resgatar a credibilidade dos fundos de pensão
Pena: Depois da operação Greenfield, ficou no imaginário das pessoas que os fundos de pensão são entidades que convivem nas páginas policiais. O nosso desafio é tentar resgatar a credibilidade dos fundos de pensão e trazer esse sistema de volta para a pauta econômica, para pauta de proteção social. Porque o principal produto que a gente tem é a confiança, sem confiança ninguém compra previdência.

Conversar com entidades gestoras de planos de servidores para melhorar esses planos
Pena: A gente tem uma demanda de uns 50 entes federativos por mês batendo na nossa porta para firmar convênio de adesão, então no primeiro momento a gente tá dando a resposta necessária de firmar o convênio, mas depois nós vamos sair conversando com eles para tentar entender o que precisa ser melhorado na relação entre o ente, a entidade gestora e o participante, de forma a melhorar os planos desses servidores. Tem planos de entes estaduais e municipais que não tem uma proteção mínima do ponto de vista da cobertura de risco, de invalidez, de morte. Tem plano com taxas de contribuição de 0,5%, com taxa tão baixa não consegue capitalizar e sem capitalizar a expectativa de benefício é inferior à taxa de reposição que espera. Se não aumentar essa taxa de contribuição vai gerar frustações futuras. Tem uns quatro ou cinco players que estão dominando o mercado de gestão de planos, vamos chamar esses principais players para conversar e ver o que a Previc pode fazer no sentido de melhorar os planos.

Novas janelas para migração dos RPPS para a previdência complementar
Pena: Lá na Funpresp já teve quatro janelas de migração do RPPS para o regime complementar, isso permitiu um salto no número de participantes tanto na Funpresp-Exe quanto na Funpresp-Jud. Alguns estados também adotaram essas janelas de migração, então talvez a gente pudesse estudar um pouco essas medidas como uma maneira de fomentar a previdência do servidor público.

Revogar resolução que exige provisionamento para risco de crédito
Pena: Na minha primeira passagem pelo órgão regulador, primeiro como secretário da SPC e depois como diretor superintendente da Previc, eu tinha sido apenas servidor público e trazia uma visão mais burocrata. Hoje eu tenho uma visão mais de ex-dirigente, que já esteve do lado de lá, e também de participante de plano de previdência. Minha percepção hoje é que realmente há um excesso de instruções, de normas, de exigências, de formalidades, então a gente vai tomar algumas ações no sentido de reduzir esses normativos. Uma primeira ação que está na nossa prancheta é a revisão daquela instrução que trata do provisionamento de risco de crédito, se não me engano era instrução 42 que virou resolução 18, que a gente vai revogar. A entidade compra um ativo de crédito e tem que fazer provisão de acordo com o risco, de 5%, de 10%, como se fosse um banco. Essa é uma medida que a gente já pediu para a área técnica preparar uma revogação.

Discutir a suspensão temporária das contribuições extraordinárias
Pena: Em relação ao déficit estamos querendo propor algo mais estrutural, porque não é só o de 2022. Uma proposta que apareceu no grupo de transição era fazer uma suspensão temporária das contribuições extraordinárias, lógico que teria que ser bem estudada, com uma exigência de solvência e sem comprometer a folha regular do pagamento de benefício. Seria uma suspensão temporária até o final do ano, e depois teria uma regra mais duradoura, a ser definida num grupo de trabalho que estamos propondo ao secretário Paulo Roberto (dos Santos Pinto) para discutir esse e alguns outros temas ligados à retirada de patrocínio, mudança de indexador, marcação a mercado, equacionamento de déficit.

Prazo para equacionamento do déficit poderá ser alongado
Pena: A atual regra de solvência, levando em conta a questão da duration, da marcação a mercado, e até mesmo alguma flutuação conjuntural, pode estar exigindo dos planos um equacionamento às vezes desnecessário. A nossa ideia é fazer um alongamento desse equacionamento baseado em uma regra melhor, com parâmetros mais adequados. Mas não para todas as fundações. O Postalis, por exemplo, não poderia entrar nesse programa porque hoje sua contribuição extraordinária financia a folha corrente de benefício. Mas fundações sem esse comprometimento deveriam poder, como já acontece em outros setores. Para as empresas têm o Refis, que foi seguido de um waiver, de parcelamento; os estados tiveram o regime de recuperação fiscal e também alongamento; os entes também tiveram parcelamento com relação às dívidas previdenciárias e agora as pessoas físicas com renda até dois salários mínimos tem o Desenrola. Porque não pensar em algo para os fundos de pensão?

Reinserir o segmento de imóveis na política de investimentos das EFPCs
Pena: A primeira regra de investimentos que nós vamos rever é a dos imóveis. Essa regra que obriga a vender o estoque até 2030 é muito ruim, porque coloca as fundações numa posição limitada. Os fundos canadenses investem no brasil em imóveis, eles estão comprando lajes, shoppings, até terrenos para construir. E estou falando de quem? Do Canada Pension Plan, do Quebec Pension Plan, do Ontário Teacher’s Pension Plan, que estão entrando no Brasil para comprar imóveis e as Fundações daqui não podem comprar. Lá na Funpresp, durante a pandemia, ofereceram a sede da fundação prá gente comprar a 40% do preço de mercado, porque naquela época ninguém estava querendo nem ver imóvel. E a gente consultou a Previc, que falou: não, é proibido, você tem que entrar num fundo e arrumar mais três cotistas. É uma regra que tem muito a ver com uma visão de banco, com índices de liquidez de Basileia, mas num fundo de pensão o portfólio já cumpre essa exigência. A nossa perspectiva é levar para o Conselho Monetário Nacional uma reinserção do segmento de imóveis no portfólio de investimentos.

Limites para investimentos no exterior aumentam se tiver demanda
Pena: Sobre investimentos no exterior, o que eu sei é que nós vamos ter que fazer alguma adaptação em função da nova instrução da CVM 175, que vai entrar em vigor em abril. Agora, em termos de aumentar o limite de investimentos de 10% para 20%, como alguns pedem, a gente pode estudar se tiver uma demanda forte das entidades. Porque esse é um limite de teste, né? Se deu certo você amplia, se deu errado você aperta. Na Funpresp, durante a pandemia a gente chegou a ter 7% no exterior, mas depois diminuiu e hoje eu acho que não chega a 4%.

Alterar a regra dos investimentos em FIPs para dar mais segurança aos dirigentes
Pena: A nossa perspectiva é mexer um pouco na regra dos investimentos produtivos, talvez alterar a regra dos FIPs para dar mais clareza e segurança aos dirigentes na hora de usar esses veículos. As grandes fundações estão colocando na política de investimento que é vedado investir em FIPs, sobretudo em função da autuação de dirigentes pela Greenfield, mas com isso a gente pode estar perdendo boas oportunidades de investimentos de médio e longo prazo. Hoje, apesar de existir o segmento estruturado, houve uma redução forte de investimento nos FIPs.

Criar um segmento específico para investimentos em transição energética
Pena: Estamos estudando a possibilidade de abrir o segmento específico de investimento em transição energética, porque hoje isso é uma tendência. Assim como você teve aquela tendência das empresas de tecnologia, hoje você tem uma tendência da economia de baixo carvão. Estou falando de energia, de mobilidade, da própria tecnologia mais eficiente. Talvez as fundações, por terem capacidade e porte, possam investir no setor porque isso envolve ganhar dinheiro e fazer investimentos sustentáveis. Eu acho que isso aí vai ter um apelo importante para os próximos anos. A nossa expectativa é que a gente possa talvez propor um segmento específico, dando alguns estímulos para que as fundações participem desse processo de transição energética em projetos que sejam viáveis do ponto de vista financeiro e de rentabilidade.

Discussão de temas ESG
Pena: Grandes fundações poderiam ter uma diretoria cuidando especificamente do tema ESG, acho que essa é uma tendência. O Brasil está um pouco atrasado na discussão dos temas ESG, na Europa já se discute muito, e acho que aqui as fundações poderiam construir políticas de investimento direcionadas à essa área. Acho que inclusive ajudaria um pouco o mercado de crédito de carbono, que pode depois performar bem nas carteiras das fundações.

Discussão sobre harmonização entre abertas e fechadas precisaria ser reconstruída sob perspectiva das fechadas
Pena: Não tem muita coisa a aproveitar do projeto de lei do IMK. Eu acho que precisaria ser reconstruído na perspectiva da previdência fechada. Precisa ter muito cuidado nessa discussão de harmonização prá não atrair o que vem de ruim das abertas e perder muita coisa boa que as fechadas têm, como não ter finalidade lucrativa, ter baixo custo de gestão, ter boa governança, pagar benefícios. Acho que talvez na tributação, aí sim, possa ter alguma harmonia em relação às regras das abertas. Mas outras coisas, como as ações daquele PL do IMK, pelo que eu conheci era um projeto até regressivo prá previdência fechada, tinha voucher, tinha entidade sem patrocínio, tinha entidade 108 (patrocinador público) que era tratada como 109 (patrocinador privado).

Habilitação do presidente da Previ não foi um processo expresso
Pena: Acho que tem uma disputa política em torno da nomeação do novo presidente da Previ e não é nosso papel entrar nessa disputa, seja de grupos lá no âmbito do Banco do Brasil ou uma disputa societária em torno do controle da Vale, empresa da qual a Previ faz parte. Não cabe à Previc fazer o julgamento da indicação pelo patrocinador ou do processo seletivo que houve na entidade. O nosso papel é percorrer as exigências e fazer ou não a habilitação técnica. O processo de habilitação tem requisitos mínimos, de formação, de experiência, de certidões negativas criminais, cível e administrativa, e tudo isso foi seguido. E não foi um processo expresso, como estão falando. O prazo máximo para habilitação de um dirigente é de 30 dias, o prazo médio é de 14 dias, e o prazo médio para entidades ESIs (Entidades Sistemicamente Importantes) é de cinco dias. Porque ninguém falou nada quando a Previc habilitou um general para a presidência do Postalis em uma tarde? Não faço nenhum julgamento com relação a isso, mas com relação ao nosso trabalho estamos super tranquilos.

Casar alíquota zero no IR com investimentos em transição energética
Pena: Eu gosto do modelo de incentivo à poupança previdenciária pela tributação, como o que foi colocado no projeto do senador Paulo Paim. Tributação zero a partir de um determinado número de anos com os recursos no fundo vai no sentido de exonerar o estado e incentivar a iniciativa privada. Talvez o que se pudesse fazer em relação a esse projeto, de tributação regressiva e com alíquota zero para prazos maiores de permanência dos recursos no plano, seria atrelar essa agenda à agenda ambiental. Você daria o incentivo da alíquota zero no imposto de renda com a contrapartida da fundação de investir em iniciativas que vão possibilitar a transição energética do país, do ponto de vista da mobilidade, da proteção do meio ambiente, do transporte, etc.