Sem pagar para ver | Fundações não embarcam nas expectativas mais...

Edição 153

Como no Campeonato Brasileiro de Futebol, o mercado acionário do País guardou as maiores emoções de 2004 para os momentos finais do ano. Depois de atravessar o primeiro semestre patinando entre 19 mil e 23 mil pontos, o Índice Bovespa – que reúne o desempenho médio ponderado das 55 ações mais negociadas na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) – encontrou forças para romper o teto dos 25 mil pontos, um recorde histórico em reais, no último trimestre do exercício.
Empurrados pelos indicadores positivos da economia verde-amarela, cujo crescimento já beira a casa dos 5% ao ano, os investidores voltaram a comprar papéis com um apetite que não se via desde o segundo semestre do ano passado. A queda da cotação do dólar ante o real também levou o Ibovespa a superar níveis históricos em moeda estrangeira, beirando os 10 mil pontos.
Em dólar, o principal termômetro do mercado acionário brasileiro saiu dos 7.697 pontos, em dezembro de 2003, para os 9.400 pontos em dezembro deste ano – uma valorização em moeda estrangeira de 22%. Nada mal se levado em consideração que os juros de longo prazo nos Estados Unidos, medidos pelos títulos públicos de dez e de 30 anos, oscilam entre 4% e 6% ao ano.
Por trás desse desempenho da Bolsa, os analistas de mercado, como Renato Opice, da Pavarini & Opice, e João Luis Mascolo, da ForeSee Asset Management, citam os números positivos da economia, a estabilidade da inflação, a alta moderada dos juros americanos, nos cenários macroeconômicos interno e externo, sem deixar de ressaltar fatores particulares setoriais, como os lançamentos de ações de três companhias na Bovespa – Natura, Gol e ALL.
Além disso, as companhias brasileiras registraram desempenhos contábeis positivos no decorrer de 2004. Tanto que um dos indicadores que refletem a relação entre o desempenho das empresas com o mercado acionário, o dividend yield (relação entre dividendo pago e a cotação da ação) ainda segue forte. (veja tabela ao lado). Nesse embalo, o patrimônio dos fundos de pensão aplicado na Bovespa até aumentou no decorrer deste ano. Pulou da casa dos R$ 40 bilhões para os R$ 44 bilhões, expansão de aproximadamente 10%.

Cautela predomina – Mas os indicadores que refletem uma certa euforia param por aí. A movimentação média mensal desses mesmos fundos de pensão até registrou redução. Caiu do nível de R$ 2 bilhões mensais para perto do patamar dos R$ 1,6 bilhão. É que alguns fatores ainda pairam no ar deixando um clima de incerteza, caso da alta forte do petróleo e das pressões inflacionárias – que levaram o Banco Central (BC) a interromper e até a inverter a trajetória de queda da taxa básica de juros no País, hoje em 17,75% ao ano.
O analista Mascolo, da ForeSee, também professor do Ibmec, aponta o governo como o principal responsável por essa patinada do mercado acionário, em resposta às incertezas econômicas que nasceram em terreno de dúvidas políticas. “A bolsa subiu mais de 90% em 2003 porque havia a aposta de que as reformas econômicas iriam sair do papel e começariam a abrir os gargalos da economia do País”, diz. Mas, segundo ele, o governo não entregou tudo o que prometeu e muitas reformas ainda estão por vir. O analista cita a trabalhista, que é promessa no âmbito das mudanças microeconômicas, mas que alguns integrantes do próprio governo – como o ministro do Trabalho, Ricardo Berzoini – admitem ser muito difícil. “O cenário macro depende do governo e o governo ainda não fez o que deveria até agora”, afirma.
Luis Mascolo também aponta a definição do marco-regulatório das Parceiras Público-Privadas, as PPPs, como um dos entraves que deve ser solucionado antes de o País equacionar a deficiência de fundos para investimentos de longo prazo.
Exatamente por esses “senões” é que gestores de alguns dos principais fundos de pensão estão com pelo menos um pé atrás, antes de confirmar uma maior participação na renda variável. “Eu tenho que ter cautela”, diz Sary Alves, o diretor financeiro da Celos, fundação das Centrais Elétricas de Santa Catarina (Celesc). Ele lembra que o cenário maravilhoso, traçado em 2003, não se realizou em 2004.
Recordando: depois de subir 97% em 2003, o Índice Bovespa poderia subir mais 25% ou até 50% em 2004, para alguns analistas do mercado financeiro. Trajetória que não se confirmou, já que os atuais 25 mil pontos representam uma alta inferior a 15%, sendo portanto menor que o rendimento lastreado em Certificados de Depósito Interfinanceiro (CDI) – que ficou inflado este ano pela alta recente dos juros básicos, em reflexo ao comportamento dos juros futuros.
Essa variável – taxa de juros – segue presente como maior desafio para uma participação mais agressiva das fundações na renda variável brasileira. A Celos é um exemplo. Depois de alocar mais de 32% do patrimônio, hoje em R$ 1,3 bilhão, em ações e private equity em 2002, a entidade reduziu essa fatia para 20% do total em 2004 e quer baixar para 11%.
“É uma lenda esse negócio de que a renda variável é uma opção interessante no longo prazo”, atira Sary Alves, para explicar: “a gente tem que cumprir a meta atuarial. Se eu não faço isso por dois anos, ou aumento a contribuição, ou reduzo os benefícios. Com juros na casa dos 17% ao ano, eu tenho que olhar a renda fixa”.
Para 2005, a Celos pode até vir a manter mais de 11% da carteira em renda variável, mas fora do universo da Bovespa. A fundação segue de olho em projetos que façam parte do seu universo estratégico – o da energia. Especialmente na geração. “Temos 5% estratégicos na Celesc, empresa distribuidora que tem pouca presença na geração”, justifica. A Celos estuda aumentar participações em fundos de Pequenas Centrais Hidroelétricas (PCHs), como o que montou com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), no valor de R$ 500 milhões. “É nossa área, o setor que a gente conhece”. Fora desse nicho, a Celos pode ampliar posições em dois tipos de fundos: indexados a distribuidoras de dividendos e a empresas exportadoras.
Analistas são unânimes em apontar as exportadoras como líderes de desempenho em 2005, mesmo depois de registrarem fortes altas em 2003 e 2004. Renato Opice, da Pavarini & Opice, diz que a Bovespa patinou em 2004 apenas para quem olha sob o enfoque do índice Bovespa, atrelado principalmente às empresas de telecomunicações e à Petrobras. As teles tiveram muito movimento de rotatividade, diz ele, com investidores realizando em um papel para entrar em outro; enquanto a Petrobras sofreu um desconto grande pelo fator político. “Acho que o mercado exagerou no desconto que deu sobre o papel da Petrobras por conta dessa suposta interferência política”, diz ele. Por isso, avalia que a Petrobras deve ganhar força e ser uma boa opção de investimento em 2005.
Opice também diz que, fora das teles e da Petrobras – saindo portanto do mundo do Ibovespa –, a renda variável ofereceu boas oportunidades de ganhos em 2004. Tanto, aponta ele, que os estrangeiros realizaram lucros e esse movimento foi um dos responsáveis pela patinada no primeiro semestre. “Pelo bom desempenho de alguns setores em 2004, como o caso de siderurgia e de agronegócio, está mais difícil encontrar boas opções para garimpar na Bovespa”, admite. Mesmo os fundos que buscam ganhar com os dividendos estão mais magrinhos: “Há dois anos que a bolsa vem subindo, por isso, o dividend yield diminuiu muito, já que o múltiplo recua com a alta da bolsa, se a distribuição de lucros não receber injeções”, avalia.

Além da Bovespa – “Se a gente aumentar a participação em renda variável será meio a meio”, diz o diretor da Petros, Ricardo Malavazi. Ele se refere às opções oferecidas pela Bovespa e as opções de private equity ou venture capital, no sentido mais amplo. A Petros vai fechar 2004 com 20,7% do patrimônio, de aproximadamente R$ 23 bilhões, em renda variável. O alvo que a fundação busca é o formado pela cesta do IBrX-50, índice das 50 maiores empresas – por patrimônio – com ações negociadas na Bovespa.
Malavazi diz que os passos da Petros na Bovespa têm que ser cuidadosos porque podem distorcer preços. A valorização é auto-realizável na medida em que a fundação entra comprando papéis e infla o mercado. “Por isso, é importante que a Bolsa continue o trabalho de incentivar novos processos de abertura de capital, porque assim podemos ampliar nossa fatia sem afetar os preços”, informa Malavazi.
Fora da Bovespa, a Petros quer manter a estratégia de reduzir o porcentual de renda fixa atrelada aos títulos públicos. Vai olhar com bastante cuidado novos projetos em setores de infra-estrutura, espe-cialmente aqueles em que o marco regulatório esteja claro. Ele cita dois: transportes e gás-petróleo. “Também temos acertado no setor de energia”, aponta Malavazi. “Mesmo com problemas como o do apagão, esses projetos de energia estão batendo a meta atuarial”, diz.
Dentro do mercado acionário, a Petros tem interesse em fundos de empresas ligadas ao agronegócio e à exportação. “Mesmo com flutuações externas, o Brasil tem competitividade nesses segmentos porque tem uma vocação natural nessas atividades”. A Petros deve encerrar 2005 com um percentual de aplicações em renda variável muito próximo do registrado em 2004: cerca de 21% do patrimônio total.
Estratégia semelhante à da Sabesprev, que reúne os contribuintes da Sabesp, operadora dos sistemas de água e de esgoto no Estado de São Paulo. O diretor de previdência da fundação, César Soares Barbosa, diz que a fundação tem hoje cerca de 14% do patrimônio aplicado em renda variável, sem muitas mágicas, com tudo indexado ao Ibovespa e ao IBrX.
Aproximadamente 74% dos recursos estão – e ficarão – ancorados em renda fixa, mesmo com um cenário que, para a Sabesprev, é positivo no ano que vem. “Temos um conjunto inédito de fatores positivos”, diz Soares Barbosa: “inflação controlada, superávit fiscal, recordes de exportações”. Cenário que, segundo ele, pode levar o Ibovespa a bater os 30 mil pontos até dezembro do ano que vem.
O número é bonito, mas a variação porcentual tímida – apenas cerca de 17% acima do atual nível. Descontada a inflação e a provável apreciação do dólar, dificilmente a Bolsa vai bater, com larga folga, o desempenho do CDI. Daí, portanto, a cautela da Sabesprev.
A fundação dos funcionários da geradora de energia nordestina Chesf, reunidos da Fachesf, tem uma postura mais agressiva. Ela aloca cerca de 25% dos R$ 2,3 bilhões de patrimônio na renda variável, sendo a maior parte (21%) em fundos indexados ao Ibovespa e ao IBrX. Mas o executivo responsável pelos investimentos em renda variável da fundação, Luis da Penha, aponta que o cenário no ano que vem vai mudar. “Devemos reduzir nossa participação na renda variável de 25% para cerca de 20% do patrimônio total”, considera.
A leitura feita por Penha é a mesma da maior parte dos gestores de renda variável no ano de 2004. O período começou muito promissor, com expectativas de que a Bovespa pudesse superar os 30 mil pontos. A promessa, agora, foi jogada para o final de 2005. Enquanto isso, os juros reais seguem acima dos dois dígitos. “Outra lenda do mercado financeiro é essa do benchmark [índice de referência]”, alfineta o diretor do Celos. “Para mim, benchmark é aquele que bate o Índice Geral de Preços de Mercado (IGP-M) mais 6% ao ano”. Isso, avalia ele, a Bolsa pode oferecer, mas como muito mais risco do que a renda fixa permite.
Assim, enquanto os juros básicos seguirem definindo para a economia brasileira uma taxa real superior a 8% ao ano, dificilmente a renda variável será a protagonista nos encontros anuais em que os gestores de recursos das fundações definem os planos de médio e de longo prazos.