Edição 115
Com a expectativa de aprovação da Lei Complementar 109, que em seu artigo 11 abre a possibilidade de os fundos de pensão fazerem resseguro para os seus planos de benefícios, as empresas seguradoras dispararam numa verdadeira escalada de assédio junto a esses novos clientes.
Mesmo sem ter muito claro quais são as regras do jogo, que a princípio deve permitir o resseguro apenas para benefícios de risco como morte e invalidez, as seguradoras já começaram a fazer as suas contas. Avaliações preliminares indicam algo em torno de R$ 100 milhões anuais em prêmios como parte desse novo negócio.
“Do final do ano passado até fevereiro deste ano, já registramos o dobro de consultas em relação à média do começo do ano passado”, afirma diretor executivo da Unibanco AIG, Miguel Leôncio Pereira. Segundo ele, a maior parte das consultas tem partido dos fundos de pensão de menor porte, patrocinados por empresas do setor privado.
Pereira calcula em 150 o número de fundos de pensão, entre estatais e privados, interessados na compra de apólices de seguros para cobertura de morte e invalidez. “As grandes fundações têm se mostrado mais resistentes a transferir esse risco para uma seguradora, pois acham que se o fizerem podem passar a idéia para o participante de que não têm saúde financeira”, avalia o executivo do Unibanco AIG.
A Canadá Life é outra que se prepara para um boom de negócios com os fundos de pensão, já retomando contatos iniciados desde meados do ano passado. “Estamos em fase final de negociação com três fundações, uma média, outra pequena e uma terceira de maior porte”, adianta o vice-presidente comercial e de marketing, Julio Cesar Felipe. Ele calcula que os prêmios desse novo negócio ainda devem ser modestos neste ano, entre R$ 10 milhões e R$ 12 milhões.
Em princípio, as fundações patrocinadas por empresas privadas deverão ser as responsáveis pelo maior volume dessas apólices, mas a preocupação deve atingir a todos os fundos de pensão. “Se ocorre um sinistro sem que a reserva tenha sido totalmente constituída, o fim da contribuição acabará gerando um déficit para o fundo, cujo valor terá de ser recolhido pela patrocinadora”, raciocina o diretor da Canadá Life. “E essa situação vale para todas as fundações, o risco é igual para todas”.
Segundo ele, tem havido grande demanda também por parte das grandes fundações pelos seguros de risco de morte e invalidez. “No início, achamos que apenas os fundos menores se interessariam por pecúlios de morte e invalidez. Mas tem aumentado o número de consultas dos fundos grandes, que têm em seus quadros executivos com altos salários”, afirma Felipe. Um raciocício simples explica a razão dessa demanda: se um executivo com salário de R$ 10 mil fica inválido, por exemplo, a fundação terá que dispor de reservas de R$ 1,2 milhão para viabilizar o pagamento por 120 meses.
Outra seguradora bastante atenta à possibilidade de negócios nessa área é a Real Prev. Segundo o seu presidente, Júlio Bierrenbach, percebe-se um aumento no número de consultas de apólices como um todo, mas é difícil mensurar a busca por transferência de risco por morte e invalidez por parte das fundações. “É claro que se houver a possibilidade de transferência desses riscos o mercado será extremamente significativo para as seguradoras”, diz.
Bierrenbach lembra que em fundações de pequeno e médio porte, casos de morte ou invalidez podem comprometer toda a sua carteira. “Já numa empresa de seguro e previdência, cuja massa é muito maior, o risco e o custo administrativo podem ser diluídos com mais facilidade”, considera. De acordo com ele, o mercado de seguros de riscos só não deslanchou há mais tempo porque os preços das entidades abertas eram proibitivos.
Sobrevida – Embora a pensão não possa ser enquadrada como um benefício de risco, como são a morte e a invalidez, muitas fundações vêm consultando as seguradoras sobre a possibilidade de fazer o resseguro sobre o que chamam de sobrevida, garantindo uma renda mensal vitalícia aos assistidos. “A questão de repassar o risco da sobrevida ainda não está devidamente regulamentada dentro da nova legislação”, diz Pereira.
Por esse tipo de seguro, a fundação arcaria com o benefício do assistido até o limite previsto na sua tábua atuarial e, a partir daí, a seguradora assumiria a diferença. “O próprio governo deveria incentivar esse tipo de cobertura, como forma de evitar a insolvência de fundações”, avalia Pereira.
Outro aspecto questionado pelas seguradoras é a não inclusão na lei da possibilidade das fundações comprarem renda mensal vitalícia para seus participantes, a partir do momento da aposentadoria. Segundo Felipe, da Canadá Life, embora essa possibilidade exista no caso de planos de Contribuição Definida (exercida pelo participante, nunca pela fundação), ainda falta a regulamentação. “Com isso, a aposta se o participante irá viver mais ou menos passa a ser responsabilidade da seguradora”, explica.
Segundo o secretário da Previdência Complementar, José Roberto Savóia, uma das preocupações do órgão é “não descaracterizar a entidade de previdência complementar como tal, ou seja, o seu caráter previdenciário vai ter que prevalecer acima de qualquer interesse”. Ainda de acordo com o titular da SPC, “uma fundação não é uma entidade financeira, que capta recursos e na hora de pagar os benefícios aos participantes transfere a responsabilidade para terceiros”.
Para Savóia, “qualquer que seja a apólice contratada pelo fundo de pensão, se a seguradora quebrar, a responsabilidade dos benefícios será sempre da fundação”. Ainda de acordo com ele, todas essas questões estão sendo previstas nas resoluções que estão sendo preparadas pela SPC, que levou em conta na hora de prepará-las as sugestões do mercado, incluindo os fundos de pensão, representantes de participantes, assets e seguradoras.
Poucos avanços na terceirização dos riscos das fundações
Na visão de fundos de pensão e seguradoras, a Lei Complementar avançou pouco na questão de terceirização dos riscos por parte dos fundos de pensão. “Poderíamos ter uma situação mais flexível na maneira de repassar os riscos, como no resto do mundo”, avalia Ronald Kaufmann, diretor técnico da Sul América Vida e Previdência.
Kaufmann lembra que as empresas brasileiras instituíram seus fundos de pensão ao longo dos últimos 20 anos, só assumindo os riscos atuariais em função da pequenez do mercado ou da própria inexperiência. Segundo ele, com a evolução do mercado segurador criou-se expertise para assumir totalmente esses riscos, a custos compatíveis para as fundações. “Várias patrocinadoras de fundos fechados estão buscando transferir os riscos do seu passivo atuarial”, diz Kaufmann.
Para Bento Zanzini, diretor da Zurich, o vínculo do participante com a empresa não tem porque continuar existindo a partir da fase de benefícios. A fundação poderia abrir mão de parte dos riscos que incorre ao administrar a base de aposentados. “Mas a Lei 109 não colaborou para que essa visão prevalecesse. As coisas não avançaram. Pelo contrário, se restringiram”, avalia.
A própria SPC admite que a lei é muito genérica e necessita de resoluções tão logo saia a regulamentação, as quais devem ficar a cargo do Conselho de Gestão. “Por enquanto, a LC 109 permite contratar benefício de risco, mas não transferir o pagamento do benefício para uma seguradora”, resume a coordenadora jurídica da SPC, Sônia Leitão.
Polêmica em torno de uma palavra
Ao usar o termo resseguro, a Lei Complementar 109 criou uma polêmica no mercado: quem, afinal, estará apto a fazer o resseguro das fundações? Na prática, o único órgão credenciado a fazer a cobertura de resseguros no País é o Instituto de Resseguros do Brasil (IRB), empresa do governo federal que mantém o monopólio do setor.
Mas, por outro lado, quem normalmente contrata um resseguro é uma empresa de seguros, quando se vê incapacitada de arcar com riscos muito altos. “Da forma como está a LC 109 é dúbia, pois coloca um fundo de pensão no papel de seguradora”, analisa o superintendente da Associação Brasileira das Entidades de Previdência Complementar, Abrapp, Devanir da Silva. Já o diretor executivo do Unibanco AIG, Miguel Leôncio Pereira, prefere encarar a questão de uma forma mais simples. “As seguradoras fazem os seguros para as fundações e, para se resguardarem, contratam um resseguro junto ao IRB”, diz.
Já o diretor técnico do IRB, Francisco Aldenor, entende que o sistema de previdência complementar, tanto aberto ou fechado, funciona à semelhança de uma seguradora, por assumir riscos atuariais. “Nesse sentido, ele não pode prescindir-se da cobertura do resseguro, indispensável ao seu equilíbrio”, explica. “E como a lei fala em resseguro, quem está autorizado a fazer resseguros no Brasil é só o IRB”.
O IRB está se preparando para atender às necessidades de cobertura das entidades de previdência complementar nas áreas de benefícios de risco, de acordo com as definições da Lei 109. “Já temos toda nossa estrutura montada, mas certamente teremos que trazer um ressegurador externo com experiência nesse tipo de risco previdenciário, para se integrar ao processo e agregar valor”, resume Aldenor. O IRB fechou 2001 com R$ 1,7 bilhão de prêmios de resseguro em áreas como marítima, vida e acidentes pessoais.