Edição 262
Após doze anos da falência do banco Crefisul, do empresário Ricardo Mansur, o fundo de pensão de seus ex-funcionários conquistou na Justiça o direito à restituição de contribuições previdenciárias que nunca foram repassadas pela patrocinadora ao plano. No final de julho, o Tribunal de Justiça de São Paulo emitiu uma sentença favorável aos assistidos, todos aposentados e pensionistas, autorizando a devolução imediata de R$ 1,8 milhão para o fundo. A vitória, inédita para entidades fechadas de previdência, abre precedente para que outros fundos reivindiquem recursos que não foram repassados.
Até então, o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) era o único a conseguir resgatar, diretamente da massa falida de patrocinadoras, valores devidos de contribuições previdenciárias. Para as entidades fechadas, a única saída era aguardar a restituição na fila de credores, valor que geralmente é incluído no bolo de tributos e encargos trabalhistas. Com a inédita vitória dos participantes do plano do Crefisul, abre-se, portanto, espaço para uma nova jurisprudência em torno desse tema, medida que pode antecipar a recuperação de ativos pertencentes ao patrimônio dos fundos de pensão em dificuldade.
O processo de restituição foi aberto no final de 2008, quando o acúmulo de déficits e o rombo da reserva do fundo impossibilitaram o pagamento dos benefícios devidos aos assistidos. O fundo entrou em liquidação extra-judicial um ano antes, em 2007.
Segundo o advogado responsável pela causa, André Luiz Marques, a vitória dos assistidos do Crefisul foi possível porque se baseou em uma premissa utilizada pelo INSS em ações de restituição, mas que nunca havia sido empregada por entidades fechadas de previdência: as contribuições, por definição, não pertencem ao patrimônio da patrocinadora falida, mas sim ao fundo de pensão.
A tese é endossada no texto da sentença. “As contribuições previdenciárias descontadas dos salários dos empregados, pelo falido, e não repassadas aos cofres previdenciários, devem ser restituídas antes do pagamento de qualquer crédito, ainda que não trabalhista, posto que a quantia relativa às referidas contribuições, por motivos óbvios, não integram o patrimônio do falido”.
De acordo com a sentença, independentemente do motivo pelo qual as contribuições não foram repassadas, seja por apropriação indevida dos recursos pela patrocinadora ou por outra razão, a instituição não fez transferências suficientes para arcar com os benefícios assumidos com os participantes. “De uma forma ou de outra, o valor pertencia exclusivamente ao fundo de pensão, e não à massa falida”.
Para que os assistidos pudessem reaver as contribuições, foi necessário desmembrar esse valor do total devido pelo banco. Isso porque, na época da falência do Crefisul, a instituição chegou a assinar um contrato de confissão de dívida com o fundo, no valor de R$ 3 milhões – que cobriria a reserva matemática e o déficit financeiro, incluindo juros, multas e demais correções. “Embora o banco tivesse declarado a dívida com o fundo, somente a parte da reserva matemática pode ser considerada restituição. O resto desse débito é considerado ganho financeiro”, explica Marques. Na ocasião, o banco havia se comprometido a pagar sua dívida em 48 parcelas. Entretanto, pagou apenas seis.
Na fila – Mesmo com a restituição de R$ 1,8 milhão, ainda falta recuperar R$ 1,2 milhão para sanar a dívida total. Este valor residual, contudo, será disputado dentro do quadro geral de credores do banco, reivindicado em caráter especial, para que os participantes do fundo, todos aposentados e pensionistas, possam receber a quantia com prioridade.
De acordo com Vanderlei Martins, liquidante do fundo desde 2008, não há valores devidos no âmbito das aplicações financeiras do fundo. Diferentemente do caso Mappin, cujo dono era também o empresário Ricardo Mansur, o fundo de pensão do Crefisul não detinha ativos podres do banco em sua carteira, nem foi detectado desvio de recursos para a instituição financeira.
A única dívida existente era proveniente de contribuições que nunca foram repassadas. “Parte da demora do processo de restituição tem a ver com o fato de que não existem muitos peritos especialistas em previdência no sistema judiciário. Para o processo, dispensamos dois peritos porque eram contadores, e não atuários. Queríamos um atuário, pois ele seria capaz de entender a tese da reserva matemática, ampliando as chances de sucesso da ação. Até que o caso fosse assumido por um perito de atuários, perdemos dois anos de processo”, afirma Martins.
Outra dificuldade enfrentada durante o processo, ainda no âmbito do desconhecimento do sistema judiciário em previdência, foi o fato do plano do Crefisul não possuir um CNPJ próprio. O plano está sob o guarda-chuva de um fundo multipatrocinado, o HSBC Fundo de Pensão. “Ninguém entendia que um administrador não pode fazer aportes no plano e, por isso, não acreditavam que o fundo estava falido, ainda mais porque o HSBC é um gigante multinacional”, relata o liquidante.
Martins assumiu o caso como liquidante após a renúncia de Mário de Croce, em agosto de 2008. “Quando cheguei, todo o trabalho de pente fino da dívida e dos pagamentos aos pensionistas já estava pronto. Decidi procurar um advogado, após reuniões com os assistidos, para tentar reaver as contribuições, pois com o fechamento do fundo, que estava deficitário em mais de R$ 2 milhões, não tínhamos mais condições de continuar pagando os beneficiários”, diz.
O advogado André Luiz Marques já estava atuando com a recuperação de ativos do fundo de pensão do Mappin. Então, o liquidante e os pensionistas do Crefisul optaram por abrir a ação com o mesmo advogado. O plano tinha apenas 17 participantes assistidos.
Segundo fontes do mercado, o Instituto Aerus – fundação de planos multipatrocinados que estão em liquidação extra-judicial, como os fundos das extintas Varig e Transbrasil – está procurando o escritório Expósito & Marques Advogados Associados, para abrir processo semelhante ao do fundo de pensão do Crefisul, com o objetivo de reaver contribuições desviadas dos planos. Entretanto, nem Marques, nem o Aerus se pronunciaram sobre o assunto. Procurado pela reportagem, o liquidante do Aerus não quis dar entrevista.
Fundo Garantidor – Não faltam casos de fundos de pensão em problemas financeiros por conta da falência das patrocinadoras. Entretanto, ao contrário do que ocorre em outros segmentos, como o financeiro, que tem o Fundo Garantidor de Crédito (FGC) para cobrir parte das perdas, e o segurador, que tem operações garantidas por resseguro, as entidades fechadas de previdência pouco podem fazer diante do calote das empresas.
Cada fundação precisa manter uma reserva de contingência, mas não existe nenhum fundo para o sistema de previdência fechada. Para o advogado André Marques, as entidades precisam reivindicar, junto ao Ministério, a regulamentação do artigo 11 da Instrução Normativa 109, que trata de um fundo de solvência. “Não há interesse político nessa questão, mas temos de bater nessa tecla. Esse dinheiro é um direito dos planos. Sem isso, a recuperação de ativos fica muito mais difícil e morosa”, destaca.
O advogado preferiu tratar da restituição do fundo do Crefisul de maneira diferente do plano do Mappin por uma questão de urgência. “O fundo do Mappin tinha recursos para se manter por mais tempo. No caso do Crefisul, tivemos de desenvolver uma estratégia menos conservadora, mais fulminante, pois não havia mais dinheiro para realizar os pagamentos aos aposentados”, complementa.
Dezesseis anos de disputas – Condenado a onze anos de prisão, pena que cumpriu apenas por 45 dias, o empresário Ricardo Mansur foi responsável por um prejuízo de R$ 400 milhões no banco Crefisul. Acusado também de gestão fraudulenta na Mappin Previdência Privada (MPP), Mansur teria desviado recursos do fundo, entre 1998 e 1999, aplicando o dinheiro em ações da própria patrocinadora – embora ele não estivesse formalmente envolvido nas decisões de investimento da MPP, houve o entendimento de que era ele quem determinava o destino dos recursos da fundação.
Na Justiça, desde a falência da patrocinadora, em 2009, o fundo de pensão do Mappin conseguiu reaver a maior parte dos valores devidos. Faltam R$ 10 milhões para recuperar, o que corresponde a 15% do total. “A sentença está para sair nas próximas semanas. Falta apenas o juiz assinar”, diz Marques.