Rodízio por tabela | A exigência do rodízio de auditoria entre as...

Edição 140

Os fundos de pensão, assim como as companhias abertas, estão se preparando para importantes mudanças em suas auditorias. Embora o primeiro rodízio nas auditorias das fundações só vá acontecer em 2006, repetindo-se a partir daí a cada quatro anos, na prática muitas devem começar as mudanças já no ano que vem. É que várias fundações contratam a mesma auditoria das suas patrocinadoras, as quais terão que ser substituídas em 2004 sempre que operarem com a companhia há mais de 5 anos, conforme determina a Instrução 308 da CVM. Com isso, por alinhamento com a patrocinadora, muitas fundações também começam a mudar as suas auditorias no ano que vem.
Calcula-se que cerca da metade das empresas de capital aberto terão que fazer o rodízio de auditoria a partir de 2004. Além dessa mudança por alinhamento com a patrocinadora, muitas fundações também vão rever sua política de contratação de auditorias por conta das mudanças estabelecidas na Resolução 3.121 do Conselho Monetário Nacional (CMN), que substituiu a Resolução 2.829 no disciplinamento dos investimentos das fundações. Pela nova norma, passa a ser permitido aglutinar três antigas auditorias (a de balanço, a de gestão e de enquadramento) na auditoria independente, o que deve resultar em custos administrativos mais baixos.
Embora essas questões ainda estejam sendo digeridas pelo mercado, as opiniões já se dividem. Para alguns, a possibilidade de colocar as várias auditorias em uma peça só é positiva, porque além de reduzir custos vai facilitar o entendimento das peças pelo público. Já para outros, essa mudança pode representar perda de qualidade no trabalho do auditor.
A Resolução 3.121 diz que a empresa que prestar o serviço de auditoria independente é responsável também por atestar, no próprio relatório anual que vai junto com o balanço, se a fundação está tomando as devidas providências para enquadrar-se aos limites de investimento em cada tipo de ativo. Esse mesmo relatório anual deve conter também a avaliação da pertinência dos procedimentos técnicos, operacionais e de controle dos investimentos da fundação.
Essa determinação elimina a necessidade de auditoria de enquadramento e de gestão, até então obrigatórios, já que ambos passam a ser ítens dentro da auditoria independente.
Segundo o secretário de previdência complementar, Adacir Reis, as análises do balanço, da gestão e do plano de enquadramento feitas de forma integrada, em uma só peça, trará maior eficiência ao trabalho do auditor, e ao mesmo tempo deve eliminar possíveis superposições de auditores e repetições de análises. O secretário também acredita que a reunião das auditorias numa peça só deve reduzir os custos desse serviço. “Devemos presenciar o melhor dos mundos: ganho de qualidade com queda de custos”, avalia o secretário.

Clones – A SPC resolveu unir as auditorias depois de constatar que os trabalhos não eram feitos corretamente. “Chegamos a pegar pareceres de auditorias de gestão clonados, um exatamente igual ao outro, sem uma vírgula sequer diferente”, afirma Reis. Ele acredita que isso dificilmente deve acontecer a partir de agora, com o parecer da gestão sendo um capítulo dentro do relatório anual da auditoria independente.
Os representantes das fundações também acreditam na redução de custos e aprovam a medida. “Os gastos com auditorias são importantes principalmente para os fundos com patrimônio até R$ 1 bilhão”, diz Wagner Pinheiro, presidente da Petros.
Mas nem todos concordam com a tese de que a fusão das auditorias reduz custos e melhora a qualidade. Para o consultor Dionísio Jorge da Silva, a medida vai apenas realocar custos. “O que antes a auditoria cobrava para fazer três trabalhos diferentes, agora vai cobrar para fazer tudo em apenas um relatório”, diz ele.
Reduzindo custos ou não, o consultor afirma que as despesas com auditorias não são tão grandes quanto se imagina. As auditorias de benefício e atuarial são as mais caras, custam em média R$ 40 mil/ano cada uma. A auditoria independente, que checa os princípios contábeis e assina o balanço da fundação, custa em média R$ 20 mil anuais. Enquanto que a auditoria de gestão, responsável por verificar se o fundo está cumprindo a sua política de investimento e de que forma (procedimentos e processos para investir), não chega a R$ 8 mil/ano. “Algumas firmas de auditoria oferecem de graça a auditoria de gestão em troca de auditar o balanço da fundação”, afirma Silva.
Na visão dele, sob a justificativa de reduzir custos a nova medida pode acabar comprometendo a transparência e a qualidade do serviço da auditoria, já que o mesmo auditor terá que fazer três trabalhos totalmente diferentes: a auditoria independente deve ser executada por um profissional especializado em práticas contábeis; já a de gestão cabe a um auditor com bons conhecimentos em mercado de capitais, investimentos e análise de risco; e, por fim, a de enquadramento deve ser feita por um auditor que entenda muito das regras dos fundos de pensão e de como está sendo colocado em prática no dia-a-dia o plano de enquadramento do seu cliente. “É impossível um auditor fazer bem essas três tarefas”, aposta Silva.

Debate – A fusão das auditorias pela Resolução 3.121 do Conselho Monetário Nacional trouxe à tona uma discussão antiga: a utilidade da auditoria de gestão. Na teoria, ela foi criada para acompanhar no detalhe a maneira que a fundação administra os investimentos e se isso está de acordo com a política de investimentos, definida anualmente. Mas, na prática, essa auditoria transformou-se em um preenchimento burocrático de questionário
A Fundação Cesp, por exemplo, fez auditoria de gestão por duas vezes (nos anos 2001 e 2002) e o resultado deixou a desejar. Segundo o diretor de investimento da Fundação, Martin Glogowsky, a auditoria apenas constatou a existência dos processos de decisão, de gestão e verificou que estavam sendo cumpridos. “Ninguém quis saber como fazemos as coisas. Por exemplo, como é a nossa análise de risco ou como escolhemos as corretoras com quem vamos operar. Limitaram-se em examinar apenas o que temos e fazemos, mas não de que forma fazemos”, diz Glogowsky. Para ele, a auditoria de gestão, na sua concepção original, é extremamente importante para assegurar ao participante que as regras estão sendo cumpridas.
Para o consultor Dionísio Jorge da Silva, a auditoria de gestão não funcionou como deveria porque a Secretaria de Previdência Complementar até agora não determinou quais os requisitos mínimos que devem constar nesse trabalho. O Instituto Brasileiro de Contabilidade (Ibracon) tentou preencher essa lacuna, baixando uma regra com os padrões mínimos, mas o resultado não agradou. “Os relatórios de gestão são, em sua maioria, muito ruins. Seguem apenas esse mínimo, que é muito pouco, e se resumem a duas folhas”, ilustra Silva. Ele lembra que, a partir de agora, com a possibilidade de se criarem os fundos instituídos, o parecer de um auditor sobre a gestão da fundação ganha cada vez mais importância. “Isso dará tranquilidade aos participantes de que a fundação que escolheram está gerindo bem os seus recursos.”
Nem todos, no entanto, pregam a necessidade da auditoria de gestão para o bom andamento dos fundos. Para o presidente da Petros, essa auditoria é um trabalho desnecessário já que tanto o conselho fiscal quanto o conselho deliberativo fiscalizam a execução da política de investimento. Além disso, querendo ou não, o auditor independente sempre olha os investimentos na hora de auditar o balanço.
O presidente da Petros vai além. Segundo ele, os fundos de pensão possuem muitas auditorias, com repetição de funções, e o Conselho Monetário Nacional perdeu a oportunidade de racionalizar esse funcionamento acabando definitivamente com alguns desses serviços na nova regra do setor. “É que gato escaldado tem medo de água fria”, diz Pinheiro, referindo-se ao fato do governo ter encontrado, no passado, muitas histórias de fundações com gestão nada profissional e transparente. “Mas o setor se profissionalizou e a regulamentação não acompanhou essa evolução, ficando com as mesmas amarras de antes”, define Pinheiro.
Para o professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV- São Paulo), Flávio Marcílio Rabelo, há um excesso de exigências para prestação de informações das fundações ao mercado. São exigências similares às existentes para as companhias abertas, com a grande diferença de que essas captam recursos do investidor lançando papéis no mercado, por isso devem prestar contas ao mercado inteiro, enquanto as fundações recebem recursos apenas dos participantes e portanto apenas a eles deveria prestar contas. “E isso já fazem, com a participação deles nos conselhos”, diz Rabelo.

Rodízio – Além de toda essa discussão ao redor do trabalho das auditorias, as fundações estão começando a se preocupar com a troca das firmas de auditoria. O primeiro rodízio será apenas em 2006, mas como alguns fundos de pensão são auditados pela mesma empresa de auditoria de suas patrocinadoras, devem antecipar a troca para o ano que vem, quando as companhias abertas serão obrigadas a fazer o rodízio pela primeira vez, conforme determina a Instrução 308 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
É o caso da Valia, que assim como a sua patrocinadora (a Vale do Rio Doce), é auditada pela Deloitte Touche Tohmatsu. “Vamos avaliar se vale a pena anteciparmos o nosso rodízio para trocarmos de auditoria junto com a patrocinadora”, diz o diretor de investimentos da Valia, Manuel Cordeiro. Segundo ele, existe um ganho de custo e sinergia em utilizar a mesma auditoria da patrocinadora. “Ela conhece as relações contábeis entre a fundação e a patrocinadora pelos dois lados, o que facilita em termos operacionais”, diz Cordeiro.
A auditoria da Fundação Cesp, por exemplo, também é feita pela Deloitte que por coincidência também faz a auditoria da maioria das suas 13 patrocinadoras. A escolha da auditoria da Fundação, no entanto, não está vinculada à escolha das patrocinadoras, mas reconhece que é uma “feliz coincidência.”
Para o consultor Dionísio Jorge da Silva, a firma de auditoria do fundo e da patrocinadora não poderia nunca ser a mesma. Isso, em sua opinião, configura-se como conflito de interesse. A auditoria poderia fazer vista grossa para uma dívida da patrocinadora com o fundo, por exemplo, só para não perder a companhia como cliente. Ele acredita que a SPC deveria proibir a fundação de ter a mesma auditoria da patrocinadora.
O diretor de investimentos da Previ, Luiz Carlos Siqueira Aguiar, reconhece que a contratação de auditorias diferentes reduz, no mínimo, as chances de erros ou fraudes. “São duas auditorias olhando a mesma coisa e confrontando métodos”, diz Aguiar. A Previ utiliza uma auditoria diferente daquela contratada pelo Banco do Brasil e, por regulamento interno, troca a firma a cada dois anos. Atualmente, a Previ é auditada pela Fernando Motta & Associados.
Pelo menos em um ponto todos concordam: o rodízio de auditores é saudável para a independência dos números. “Depois de muito tempo juntos, em qualquer relação, um passa a ser mas complacente com o outro, aceitando erros e vícios”, define o presidente da Petros, Wagner Pinheiro.