Riscos necessários | Stock picking na bolsa, multimercados e créd...

Edição 289

 

O ciclo de queda dos juros iniciado no final de 2016, que deve ser acentuado em 2017 e levar a Selic para 9,5% em dezembro, de acordo com o boletim Focus, vai forçar as fundações a partirem para ativos de maior rentabilidade e risco. Está cada vez mais próximo o momento em que o porto seguro representado pelos títulos públicos nos últimos anos deve deixar de amparar as políticas de investimentos das fundações. Entre as possibilidades mais citadas pelos especialistas como opções para as fundações, aparecem renda variável, títulos privados, investimento no exterior e multimercados.
Carlos André, diretor executivo da BB DTVM, destaca a continuidade da valorização da bolsa no mês de janeiro, na casa dos 7%, após a valorização significativa próxima de 40% em 2016, e também a redução substancial de prêmio da curva de juros futuros da BM&F verificada durante o primeiro mês do ano. “Esses movimentos do mercado em janeiro ocorreram em uma velocidade maior do que imaginávamos”.
Tendo em vista a performance dos ativos financeiros em janeiro, a recomendação da asset do Banco do Brasil aos institucionais, diz Carlos André, é avaliar o ambiente para encontrar as oportunidades ainda existentes a fim de consolidar as estratégias. “As políticas de investimento para 2017, definidas no final do ano passado, precisam levar em consideração o movimento que aconteceu em janeiro”, diz o executivo.
Entre as opções disponíveis no mercado para que as fundações façam frente às metas em 2017 sem o apoio dos títulos públicos, o diretor da BB DTVM cita em primeiro lugar a renda variável, principalmente para aquelas entidades que estão com sua exposição à bolsa próxima do menor patamar histórico – o consolidado estatístico da Abrapp mostra que em novembro de 2016 a posição dos fundos de pensão no mercado de ações era de 18,8%, contra 29% em dezembro de 2013, e 33% em 2009 – esse dado ainda sofre distorção pela grande posição da Previ e de alguns grandes fundos de pensão no segmento.
“Há sempre a possibilidade de melhorar esse nível de alocação, já que na média as fundações estão sub-alocadas em renda variável”, pontua Carlos André. Por outro lado, ele ressalta que a alocação na bolsa brasileira nos níveis em que ela se encontra não é muito óbvia, já que os múltiplos de alguns papéis estão relativamente esticados. Diante desse cenário, a recomendação da asset é por estratégias de stock picking no mercado de ações, já que a forte valorização do Ibovespa em 2016 dificilmente se repetirá na mesma magnitude em 2017.
“Vamos entrar em um período com juros mais baixos, e setores mais propensos de iniciar uma recuperação podem ser aqueles ligados à atividade industrial, e à infraestrutura também”. Outro ‘driver’ na alocação das fundações na bolsa deve considerar o novo ambiente internacional que começa a se desenhar com o governo do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. “Os fundos de pensão devem analisar setores que se beneficiem dos acontecimentos globais, ou que ao menos não sejam prejudicados por causa dele”.
Marco Bismarchi, da Tag, avalia que empresas que podem ganhar por conta de um câmbio mais apreciado, relacionado à nova política adotada pelos Estados Unidos, devem estar no radar das entidades. “Setores mais sensíveis a um dólar mais apreciado, ou ao crescimento global, podem andar melhor do que alguns segmentos mais relacionados à atividade local, como o varejo”, pontua o especialista. “Por isso acho que não teremos em 2017 um ano de beta como foi 2016”. Na avaliação do profissional, as fundações devem se voltar para fundos de valor, com o trabalho de stock picking do gestor para atravessar ambientes mais voláteis.
Guilherme Velloso Leão, diretor executivo responsável pela Comissão Técnica Nacional (CTN) de investimentos da Abrapp, e presidente da Fundação Casfam, afirma que, pelas conversas que teve com os dirigentes e representantes de outras fundações, a renda variável voltou ao radar do universo institucional novamente. “Com o cenário de queda dos juros, necessariamente as fundações vão ter que rapidamente caminhar para uma gestão de maior risco, e enxergo a bolsa como um caminho natural para ser analisado com mais cuidado pelos investidores”.

Small caps – Para Guilherme Benites, consultor da Aditus, com a valorização próxima aos 40% registrada pelo Ibovespa em 2016, os investidores institucionais devem considerar outras alocações no segmento de renda variável, diferentes dos nomes que lideraram os ganhos no mercado nos últimos meses. Uma opção interessante na avaliação do especialista são as ações small caps. “O Ibovespa ainda tem espaço para subir, mas não na mesma magnitude do ano passado. Com isso é importante avaliar outros índices, como aqueles mais atrelados à economia doméstica”. Benites ressalta que, de 2013 a 2016, a performance dos fundos small caps ficou consistentemente abaixo do desempenho consolidado da bolsa.
“Como as small caps são mais representativas da economia doméstica, e dado que esses ativos estão extremamente defasados em relação ao Ibovespa, acreditamos que se houver de fato uma melhora na liquidez, ações mais ligadas a valor, à economia doméstica passem a se valorizar”, prevê o profissional. O consultor espera a apreciação de ativos na bolsa que tenham uma base fundamentalista mais sólida em 2017, o que não foi o caso em muitos papéis que tiveram forte alta durante o ano passado.
Entre os retornos obtidos na renda variável pelos clientes institucionais atendidos pela Aditus em 2016, a rentabilidade média ficou ao redor de 20% a 25%, enquanto o Ibovespa teve valorização próxima de 40%. Essa diferença, explica Benites, se deve justamente às posições em small caps que algumas entidades já carregavam em suas carteiras de gestões anteriores. “Como historicamente as small caps dependem muito da liquidez, se tivermos de fato uma retomada ao risco o investidor terá uma chance enorme de ganhar com essa categoria”.
Bismarch, da Tag, também enxerga com bons olhos a montagem de uma posição no segmento de small caps. “As fundações deveriam começar a pensar em fundos de small caps. Eles ficaram para trás por um bom período, e esperamos que em algum momento esse negócio tenha retornos muito interessantes”.

Renda fixa – Na renda fixa, o diretor da BB DTVM entende que os juros pagos pelas NTN-Bs não fazem mais frente à maioria das metas adotadas pelas entidades; ele diz, no entanto, que caso o mercado passe por momentos de estresse, é possível que haja uma abertura dos prêmios, o que pode gerar oportunidades pontuais entre os títulos públicos. “Eventualmente se surgir alguma janela pode ser uma boa estratégia”, avalia o especialista.
Carlos André também chama a atenção para a retomada das emissões de títulos corporativos por empresas brasileiras verificada nas últimas semanas – Petrobras (US$ 4 bilhões), Suzano (US$ 1 bilhão) e Fibria (US$ 700 milhões) são alguns dos casos mais recentes, e com uma série de outros nomes em preparação para seguir o mesmo caminho. “A montagem de carteiras que tenham uma presença mais acentuada de títulos corporativos pode ser uma estratégia que entregue uma rentabilidade adicional interessante”.
O executivo da BB DTVM lembra que projetos de infraestrutura devem sair do papel ao longo de 2017, com uma possível participação das fundações através das debêntures vinculadas aos empreendimentos de longo prazo. “No começo da retomada as emissões costumam sair com spreads um pouco melhores para os investidores. Quando o mercado já está mais aquecido os spreads ficam mais apertados, então pode ser um momento interessante nesse início de retomada”.
O diretor da Abrapp, Guilherme Velloso Leão, cita o crédito privado como uma possibilidade que pode voltar a ser mais presente nas carteiras das fundações, mas ressalta que a cautela deve prevalecer no segmento. “Pode haver algum crescimento na alocação em crédito privado, mas acho que será um processo lento, até porque vimos nos últimos anos muitos problemas, o que gera insegurança no mercado”. Somente papéis muito bem estruturados devem gerar apelo entre os fundos de pensão, prevê o dirigente.
A cautela é recomendada também por Benites, da Aditus. “O crédito ainda vive um momento complicado, tivemos muita abertura de spread no ano passado”. Apesar de estarmos vendo uma retomada das emissões, ainda falta uma consistência maior para que o segmento possa se consolidar como uma saída para as fundações, diz o consultor. Mas ele ressalta que, em todo caso, as NTN-Bs mais curtas já operam com um prêmio próximo de 5,40%; com os custos das taxas, trata-se de patamar que não é mais suficiente para bater a meta da maior parte da fundações, pondera o especialista. Por isso, ele aponta como os dois principais caminhos que deveriam ser trilhados pelas entidades que precisam partir para ativos de maior risco a bolsa e os fundos multimercados. “Acredito realmente em uma boa performance dos multimercados em 2017”.

Investimento no exterior – Em relação ao investimento no exterior, o diretor da BB DTVM, Carlos André, nota que, no atual patamar, o câmbio, que nos últimos meses foi um impeditivo para as fundações aumentarem suas posições fora do país, deve deixar de ser um obstáculo. “A preocupação que muitos fundos de pensão tinham ou ainda tem sobre um eventual nível elevado da cotação do dólar em relação ao real pode se dissipar”, prevê André.
No entanto, ainda que o câmbio deixe de ser uma preocupação, as máximas históricas nas quais se encontram as bolsas americanas também precisam ser consideradas caso a entidade esteja propensa a tomar esse risco, nota o especialista. “É preciso tentar entender como o preço dos ativos vai se comportar diante da nova postura do governo americano”, ressalta o executivo. Será necessário analisar as medidas a serem anunciadas por Trump, e quais setores serão beneficiados e quais serão prejudicados. “O quebra cabeça está mais complexo agora”.

Multimercados – As entidades devem buscar estratégias em fundos que tirem proveito do ciclo de baixa dos juros, e mesmo de uma eventual, ainda que tímida, recuperação da atividade econômica, afirma Guilherme Velloso Leão, da Abrapp. “Nesse sentido acredito que os fundos multimercados podem ser uma opção na qual veremos uma tendência gradual de crescimento na alocação das fundações ao longo de 2017”.
A combinação balanceada entre renda variável e renda fixa, com liberdade para o gestor flutuar entre as classes ao sabor dos acontecimentos, em um ano ainda cheio de incertezas, seja no âmbito doméstico ou no internacional, é uma opção do mercado a ser avaliado por aquelas entidades que estejam em busca de gestores ativos para seus portfólios, pontua o diretor da Abrapp.
Tiago Novas Villas Boas, diretor administrativo e financeiro da Fundação Ecos, ressalta que, quando o ciclo de queda da Selic estiver encerrado, com a taxa de juros em um dígito, os fundos multimercados passam a ganhar muito mais atração. “Uma coisa é o gestor competir contra um CDI de 14%. Quando estiver por volta de 9%, fica mais fácil ele conseguir bater o benchmark e entregar 130% a 140% do CDI”. Atualmente, nota o especialista, o investidor tem de assumir um nível elevado de risco para que o gestor do multimercado entregue na média de 105% a 110% do CDI. “Produtos de risco de mercado fazem mais sentido com a Selic mais baixa”.
A classe de ativo dos multimercados, diz Eduardo Castro, da Santander Asset, que também tem recomendado o produto aos institucionais em busca de ativos de maior risco e retorno, tem uma vantagem intrínseca, de, independentemente do cenário, o gestor ser capaz de maximizar o retorno do portfólio. “Desde que o gestor tenha capacidade de antever mudanças”, pontua Castro. Até do ponto de vista do hedge, avalia o executivo da Santander Asset, a classe dos multimercados também pode ser uma opção interessante. “Em uma situação de reversão completa do cenário benigno à frente, que é o nosso cenário base, desde que a seleção dos gestores tenha sido bem feita, o investidor vai ter a possibilidade de obter algum ganho”.
Sergio Bini, superintendente nacional de gestão de ativos da Caixa, avalia que em 2017 a captação de recursos por parte dos fundos estruturados, como os FIPs, ainda deve ocorrer de maneira bastante tímida. “Não percebemos nesse momento demanda por essa classe de ativo, mas à medida que a taxa de juros for caindo acaba sendo um movimento natural”, prevê o executivo.
Na avaliação do especialista, a recuperação da economia precisa estar mais consolidada para que as fundações se sintam confiantes em voltar a alocar no segmento de maneira mais consistente. “A economia ainda precisa apresentar uma robustez maior para que os fundos de pensão voltem a alocar nesse tipo de investimento”. Para Bini, os estruturados vão ter apelo mais forte junto aos institucionais a partir de 2018, quando a agenda dos leilões de concessões deve começar a tomar forma. “Nossa expectativa é que os leilões ocorram durante esse ano, mas devem sair do papel mesmo a partir de 2018, quando as companhias vão precisar tomar recursos”.

Posicionado – Na Fundação Ecos, Villas Boas, explica que a estratégia de investimento para 2017 não deve sofrer grandes alterações porque a entidade já vinha com uma exposição ao risco maior do que a média do mercado. A posição em renda variável, por exemplo, é de 10%, “o que é muita coisa para uma fundação madura como a nossa”, explica Villas Boas. A exposição da entidade às ações, inclusive, gerou em 2016 um rendimento de 50% para a Ecos, que foi baseada essencialmente em quatro papéis – Gerdau, Bradespar, Eletrobrás e Rumo Logística. “Temos nossa posição já montada, e não desmontamos em momento nenhum, mesmo com toda a volatilidade do mercado mantemos e até aumentamos na margem”, pontua o profissional. “Vimos muita gente diminuir sua exposição à bolsa, mas não tenho dúvida de que elas terão de voltar para o segmento, e vão comprar caro”.
A posição nos quatro papéis já foram realizadas, e a Ecos agora busca novas teses, calcadas em ações que ainda não renderam tanto, para tentar repetir o bom desempenho da carteira de renda variável obtida em 2016. “Espalhamos mais o dinheiro, porque a convicção que tínhamos naquela época temos menos agora”. Ele recorda que no ano passado, para quem conhece e estuda o mercado, haviam barganhas disponíveis muito claras, como por exemplo o papel da holding da Gerdau sendo negociado próximo a R$ 1.
“Ainda existem oportunidades na bolsa, mas aquela barganha a preço de nada não vejo mais”. Entre as teses nas quais a Ecos tem apostado para os próximos meses na bolsa, Villas Boas aponta empresas que se beneficiam da queda dos juros, que geralmente são companhias alavancadas e com fluxo de caixa estável; também está no radar da entidade setores passíveis de consolidação, tendo em vista uma série de empresas que quebraram nos últimos dois anos, como o segmento de capital intensivo; e outra aposta da fundação está voltada para a governança de empresas públicas estaduais, que “ainda não andaram muito”.
O diretor da Fundação Ecos afirma que tem mantido já há algum tempo uma posição em ativos de risco acima da média para gerar uma gordura e ser capaz de atravessar períodos mais complexos. “Quanto mais tempo demorar para tomar essa atitude, menor vai ser o prêmio dos ativos. Quanto mais confiável fica o cenário, menos gordura o investidor vai ter para colocar no resultado”. O investidor que esperar até 2018 para focar em ações, quando o processo de redução da Selic já estiver completo, exemplifica o dirigente, não vai encontrar no mercado oportunidades como a Petrobras a R$ 10 – hoje está em R$ 35. “O timing da alocação faz muita diferença e muda bastante o que se consegue de resultado”.
A estratégia na renda fixa marcada a mercado também trouxe ganho relevante para a Ecos em 2016, ao redor dos 28%. Villas Boas diz que, quando a curva baixar mais um pouco, e oscilar na casa dos 4%, será o momento ideal para realizar o que tem em carteira para embolsar o lucro e buscar novas oportunidades. Como a renda fixa e a bolsa são bastante correlacionados, quando for o momento de se desfazer da posição à mercado, certamente o Ibovespa já estará muito bem precificado, prevê o profissional. “Nessa hipótese, a melhor estratégia talvez seja o stock picking, escolhendo ações descontadas, e diversificar para outros instrumentos de risco, como crédito estruturado via títulos privados, e até mesmo produtos como private equity”.