Reservas a amortizar são ou não garantias a benefícios? | Atuário...

Edição 98

O mercado de previdência fechada está questionando um recente estudo da Secretaria de Previdência Complementar (SPC) que desconsidera as reservas a amortizar como recursos garantidores dos benefícios a serem concedidos. No início de maio, a SPC divulgou um levantamento preliminar indicando que 86 fundos de pensão apresentavam problemas de cobertura das reservas, dos quais 46 estavam relacionados às reservas de benefícios já concedidos e os 40 restantes aos benefícios a conceder. Desse total, 57 são fundos patrocinados por empresas privadas e 29, por empresas públicas.
Em comunicado oficial, a SPC diz se basear na nova legislação aprovada recentemente no Congresso Nacional, que até o fechamento dessa edição aguardava sanção presidencial. Para o órgão regulador, o parágrafo 3.º do artigo 18 deixa claro que as reservas dos fundos de pensão devem estar totalmente integralizadas, o que não permitiria a existência de reservas a amortizar. A lei 6.435, ainda em vigor, estabelece que os planos de benefícios podem funcionar com, no mínimo, 70% das suas reservas integralizadas. Os 30% restantes podem ser financiados ao longo de 20 anos.
Para os atuários, a exclusão das reservas a amortizar na verdade inviabilizaria a maioria dos planos, que em geral reconheceram o tempo de serviço passado dos participantes, parcelando essa quantia conforme a lei 6.435. Segundo esses profissionais, a SPC só identificou a existência de reservas a amortizar em 86 entidades porque muitas que ficaram fora dessa lista não discriminam esse passivo em seu balanço, uma vez que o seu custeio está incluído na alíquota paga por patrocinadoras e participantes.
“Dependendo do método atuarial, as reservas a amortizar podem estar ou não demonstradas. O método que separa o custeio das reservas a amortizar do custeio normal, chamado crédito unitário, é mais transparente e faz parte das regras internacionais de contabilidade. Por isso, se a SPC adotar esse critério de desconsiderar essas reservas, ela vai inviabilizar a maioria dos planos, porque as patrocinadoras não vão querer integralizar tudo de uma vez”, explica o atuário Felinto Sernache, da Towers Perrin.
Além desse risco, os atuários acham que tecnicamente as reservas a amortizar devem ser consideradas como patrimônio, uma vez que estão reconhecidas em balanço. Para o atuário Sérgio Aureliano, da Gama Consultores Associados, a premissa da SPC de exigir que as reservas estejam 100% integralizadas permanentemente não tem respaldo atuarial. Ele explica que a formação dos recursos garantidores do benefício deve ser vista com perfil de longo prazo, uma vez que o regime de capitalização depende também do resultado dos investimentos. “Imagine que num determinado ano a rentabilidade não atinja os 6%, fique em 5%, e então a patrocinadora cobre a diferença. No outro ano, se a rentabilidade for de 7%, como fica? Há devolução do dinheiro à patrocinadora?”, questiona.
O consultor Edson Jardim, da William M. Mercer, concorda. Ele explica que nos Estados Unidos, por exemplo, ganhos ou perdas atuariais ocorridos num determinado ano são amortizados ao longo dos próximos 5 anos, além do que as empresas patrocinadoras têm até 30 anos para financiar passivos provenientes de serviços passados ou mesmo de mudanças de plano. “As regras de funding nos Estados Unidos são mínimas e são poucos os planos que operam com 100% das reservas. Não dá para dizer por isso que os planos norte-americanos não tenham saúde financeira”, comenta.
O presidente da Abrapp, Carlos Caldas, diz que a associação pretende lutar para que a regulamentação da nova lei “não contenha equívocos”. “As empresas teriam de fazer um esforço muito grande de caixa para integralizar os serviços passados dos funcionários na hora de criar um plano. Acho que o legislador foi muito sábio na época da 6.435, estabelecendo um prazo de 20 anos para amortizar essas reservas, e não acredito que a nova legislação vá fugir dos princípios de bom senso”, pondera.
Procurada várias vezes por esta publicação para comentar o assunto e sua posição em relação a ele, a SPC não deu resposta.