Edição 353
O novo título de previdência que surge como opção de aposentadoria segura, batizado de Tesouro RendA+, chega ao mercado num momento de expansão da oferta de produtos previdenciários. À primeira vista, o mais recente papel do Tesouro Direto, que começou a ser negociado no último dia 30 de janeiro, concorreria mais facilmente com os produtos de previdência aberta, mas é inegável que alcançaria também os novos produtos lançados pelos fundos de pensão, como os planos instituídos, os setoriais, os planos família e até mesmo os fundos de Contribuição Definida (CD). Mas há mesmo risco do mercado entrar num jogo de rouba-monte? A resposta, segundo dirigentes de fundos de pensão ouvidos por Investidor Institucional, é “não”. Para Sérgio Wilson Fontes, presidente da fundação Real Grandeza, que lançou no ano passado o seu plano família FRGPrev, “há espaço para todos”.
Criados pelas fundações nos últimos três anos, tais planos tiveram adesão rápida e crescente de pessoas sem acesso aos fundos tradicionais e interessados em garantir boa complementação ao INSS. Planos família, por exemplo, com inclusão de parentes até o 3º grau, detinham modestos R$ 30 milhões em ativos em 2018. Em setembro passado, atingiram R$ 1,182 bilhão, com 117,5 mil participantes. Nada indica mudanças pela frente. Ao contrário. Fundações como a Eletros, dos funcionários da Eletrobras, ONS e EPE, e Postalis (dos Correios), estão entre as que se preparam para lançar seus primeiros produtos ainda neste ano. O Postalis, por exemplo, espera lançar seu primeiro plano CD em 2023.
A pressa é compreensível. Entidades de previdência fechada se deparam com redução gradual de pessoal nas empresas, levando a um processo de correlata queda de receita. As mudanças de regras instituídas no ano passado pelo governo, ampliando a atuação das fundações, trouxe novas oportunidades de produtos e públicos, além daqueles apenas patrocinados por companhias.
O Tesouro RendA+ chega em meio a tais mudanças, mas Sérgio Wilson ressalta que produtos oferecidos por fundos de pensão têm vantagens relevantes em relação ao novo título, o que lhe garante bom poder de atração. Por exemplo, diversificação de portfólio e benefícios tributários. “Os fundos de pensão possuem carteira diversificada (incluindo ativos no mercado internacional) que, no longo prazo, além de diluir o risco dos investimentos, gera boa rentabilidade. Hoje, os títulos do Tesouro estão rendendo juros elevados, mas o País não aguentará pagar 6% de juro real por muito mais tempo”, diz o presidente do Real Grandeza, gestor de ativos de cerca de R$ 18,7 bilhões, distribuídos, em sua maior parte, entre ativos de renda fixa e variável.
Segundo ele, novos produtos, como plano família e os fundos instituídos, estão atraindo participantes tanto pelos bons retornos previstos, quanto pela credibilidade das instituições. “As pessoas estão investindo por indicação de parentes, porque acreditam na gestão dos fundos de pensão. Outras vêm pelas associações de classes. O novo título é um competidor, mas não na nossa faixa. É mais voltado para investidores sem cultura previdenciária”, diz. Este ano, a Real Grandeza aplicará, pela primeira vez, em fundos com investimentos no exterior e em multimercados. Carlos Alberto Zachert, diretor de Gestão Previdencial e presidente interino do Postalis, segue no mesmo tom. “O RendA+ é excelente para o planejamento previdenciário de quem não tem acesso a fundo de previdência. Servirá para o autônomo, o empresário, mas não dará oportunidade de otimização de carteira, de se fazer uma alavancagem maior no mercado para melhorar a aposentadoria lá na frente. A grande vantagem de participar de um plano família é que ele será gerido segundo uma política de investimentos e dentro de uma estratégia que permite diversificar sua carteira”, diz. Em resumo, quem comprar o RendA+ não participará do mercado de capitais e não capturará as oportunidades de investimentos em fundos estruturados, no exterior e em multimercados, que são a grande atratividade de um plano família.
“Eles não competem nesse aspecto, porque os fundos oferecem além do maior profissionalismo, alternativas que oferecem maior retorno”, diz o dirigente do Postalis, fundação que tem no forno o lançamento de plano família e estuda a criação de planos corporativos. O momento atual, no entanto, é de equacionamento de déficit do plano BD em 2023, à espera de aprovação e passo fundamental para levar adiante os novos projetos. “A expectativa é de resolver ainda no primeiro semestre deste ano. Com isso, neste ano vamos evoluir para a criação de um plano de contribuição definida, um plano família e um plano corporativo”, diz.
O RendA+, como o próprio nome diz, se resume a papeis do Tesouro. Permitirá ao investidor garantir sua aposentadoria ao transformar o patrimônio acumulado no período em renda mensal pré-determinada, corrigida pela inflação. Fruto de parceria entre a Secretaria do Tesouro Nacional, Secretaria de Previdência (SPREV) e a B3, o investimento terá rendimento semelhante ao de títulos IPCA+ por até 40 anos. A renda será paga ao longo de 20 anos. Para pessoas físicas, que podem investir a partir de R$ 30,00 por até 40 anos, pode ser um bom negócio, mas o perfil do investidor de previdência fechada, segundo dirigentes, demanda uma gestão profissional.
De qualquer forma, segundo Sérgio Wilson, o jogo é de ganha-ganha, tendo em vista as deficiências históricas na taxa de poupança brasileira, situação que pode ser amenizada com a estreia do Tesouro RendA+ nas plataformas de bancos e corretoras. “É bom para o Brasil ter mais opções para ampliar a poupança previdenciária, acho que o novo título terá impacto econômico positivo.” Convertendo a avaliação em números, hoje mais de metade dos cerca de 208 milhões de brasileiros, conforme prévia do Censo de 2022, estão no rol dos “sem previdência”. Enquanto o segmento de previdência complementar fechada representa atualmente apenas 12,7% do PIB no Brasil (já atingiu 14,1% do PIB em 2020), superando os 25% quando somado à previdência aberta, em países desenvolvidos a poupança previdenciária equivale a cerca de 70%. O novo papel, simples e de fácil acesso, tem tudo para conquistar investidores que preferem saber previamente quanto vão receber de aposentadoria.
Logo, as chances de expansão da poupança previdenciária são concretas. Até porque, relatório do ministério do Trabalho de junho do ano passado mostrava que apenas 17 milhões de pessoas tinham algum tipo de previdência complementar. Entre 2013 e junho de 2022, o setor cresceu 26%, alavancado sobretudo pelas adesões à previdência aberta, como PGBL e VGBL. A parcela que coube às fundações fechadas, a de novos 634 mil participantes, veio pelos chamados planos instituídos, o que explica a iniciativa dos fundos em criarem tais produtos. Ainda assim, os números setoriais são modestos. Pesquisa da Federação Nacional de Previdência Privada e Vida (Fenaprevi), em outubro de 2022, revela que apenas 8% da população brasileira possui algum plano de previdência privada aberta, cerca de 10,8 milhões de pessoas.
As vantagens tributárias de fundos de pensão são outro item que pesa na hora de decidir onde investir. Em linha com o dirigente da Real Grandeza, tanto Zachert, quanto Max Tavares, diretor de investimentos da Eletros, apontam os benefícios fiscais dos fundos fechados como fator importante para a tomada de decisão. Nesses títulos públicos, a menor alíquota de IR sobre o rendimento do título público é de 15% para resgate após dois anos, enquanto, nos fundos de previdência, é de 10% após dez anos para quem opta pela tabela regressiva.
“Quem tem volume um pouco maior para investir vai se deparar com essas questões. Visto por esse ponto de vista, o novo título do Tesouro não é muito competitivo com o plano família e os fundos setoriais”, diz Tavares. As contribuições feitas ao plano de previdência podem ser deduzidas até um limite de 12% da renda tributável. E mais: caso o investidor resgate o papel antes do prazo de 10 anos pagará taxa de custódia de 0,50%, o que não ocorre com as NTNBs, com taxa de 0,20%. Além da questão tributária, planos de previdência fechada não entram em inventário e estão isentos de imposto de transmissão, que vai até 8%. Luiz Guilherme Nobre Pinto, gerente de investimentos da Eletros, também observa que nos planos CDs há perfis de investimentos que permitem ao participante decidir sobre a relação risco-retorno de sua carteira. Ou seja, ampliam o poder de escolha do beneficiário.
A Eletros vem atuando para mudar seu estatuto a fim de permitir a criação de fundos instituídos e quer lançar seu primeiro plano família ainda este ano. “Espero que seja o mais rápido possível. A discussão vem desde o ano passado, com as patrocinadoras e conselhos”, diz Tavares. Nos últimos meses, a Eletros passou a atuar com os chamados entes federativos, como forma de expansão, e participou de três concorrências para gestão de planos municipais e estaduais. “Ganhamos a da prefeitura de Sorocaba e aguardamos os resultados dos outros dois”, diz Nobre Pinto.
Ambos concordam, no entanto, que o novo papel jogará mais luz sobre a importância da poupança previdenciária, com repercussões positivas para o setor. “As pessoas não têm noção de quanto devem acumular ao longo da vida para ter uma aposentadoria. É em torno de 220 vezes o valor. Se quero ter uma renda de mil reais tenho que acumular R$ 2,2 milhões. Sob esse aspecto educativo, a simplificação do novo título é positiva. Seria uma primeira ideia de as pessoas pensarem em previdência. A questão do benefício fiscal e de herança viriam depois, quando houver mais conhecimento, até porque são características importantes na previdência”, diz.
Zachert, do Postalis, observa ainda que uma das vantagens do novo título reside na eliminação do risco de reinvestimento, por não ter vencimento único e se adequar à necessidade de renda mensal do investidor, que aplica a uma determinada taxa. “Nos demais títulos, na data de vencimento não se sabe qual será a taxa futura de remuneração”, diz.