Renda fixa mantém dianteira | Com títulos públicos pagando acima ...

Edição 353

A possível manutenção da taxa Selic no patamar de 13,75% até o final deste ano e a rentabilidade oferecida pelos títulos públicos federais, notadamente as Notas do Tesouro Nacional série-B (NTN-Bs), que paira até dois pontos acima das metas atuariais dos planos de benefícios previdenciários, mantêm os fundos de pensão afastados dos investimentos em outras classes de ativos de mais risco. A renda fixa, com ênfase nos papéis públicos e, em menor proporção, no crédito privado composto principalmente por títulos bancários de primeira linha, segue drenando recursos da renda variável e dos investimentos no exterior, entre outras alocações.
Na Capef, caixa de previdência dos funcionários do BNB, a convicção da área de investimentos é de que a taxa de juros não tem fundamentos para baixar este ano e, embora o boletim Focus tenha sinalizado Selic a 12,75% para o final de 2023, o cenário de 13,75% é considerado mais provável. “Tudo irá depender dos primeiros cem dias do governo do presidente Lula. Se vierem medidas reformistas e um novo arcabouço fiscal, esse cenário poderá ser revisto, mas é preciso lembrar que há também um ambiente desfavorável lá fora, com aumento forte das taxas de juros para conter a inflação”, diz Sérgio Clark, diretor de administração e investimentos.
Frente ao juro real de 8%, ele admite que não há qualquer estímulo para investir na bolsa e a entidade migrou majoritariamente sua alocação da renda variável para a renda fixa. Além disso, a gestão também não vê oportunidade para alocar no exterior. “Por que vou correr risco se os títulos públicos federais e as Letras Financeiras (LF) dos maiores bancos nos pagam IPCA mais uma taxa que varia de 6,5% a 7,5%?”, questiona. Os recursos dos planos foram direcionados para essas duas classes de títulos, com destaque para os papéis públicos.
No plano de Benefício Definido (BD), que tem um total de ativos de R$ 4,1 bilhão, 91% dos recursos estão aplicados em renda fixa, sendo que apenas R$ 170 milhões estão em crédito privado – R$ 10 milhões em debêntures e o resto em LFs de bancos classificadas como triplo ou duplo A. Já no plano de Contribuição Variável (CV), cujo patrimônio soma R$ 1,97 bilhão, 87% dos ativos, ou R$ 1,72 bilhão, estão em renda fixa, sendo R$ 1,4 bilhão em NTN-Bs e Letras Financeiras do Tesouro (LFTs) e o restante em papéis privados – R$ 280 milhões em LFs, R$ 40 milhões em CDBs e R$ 15 milhões em debêntures.
“Tanto o título público como o risco dos papéis dos grandes bancos compõem um mercado bem regulado pelo Banco Central e que paga bons prêmios atualmente. Nós não tínhamos nada aplicado diretamente na Americanas, apenas uma pequena participação de um dos fundos de renda fixa em que investimos, mas os gestores já marcaram isso a mercado e a perda foi menor do que 0,01%”, diz.
O rombo da Americanas, cujas estimativas variam entre R$ 20 bilhões e R$ 40 bilhões, não tem capacidade de provocar risco sistêmico no mercado e não ameaça a solidez dos bancos de primeira linha, acredita Clark. “Mas essa situação até nos ajuda porque o mercado está pagando taxas maiores e estamos aproveitando a oportunidade para ampliar a carteira de crédito privado, particularmente nas LF. No crédito privado corporativo, porém, não temos interesse”, diz.
Para reforçar a renda fixa, a entidade também tirou recursos que estavam aplicados no exterior e que haviam chegado a 5% dos ativos do plano CV e a 2,5% do plano BD. “Zeramos tudo nessa classe. O exterior foi bem entre 2017 e setembro de 2021, quando os EUA começaram a elevar juros e as ações lá fora perderam valor”, afirma. A convicção é de que o aperto de juros nos EUA vai prosseguir pelo menos até meados de 2024 e esse investimento ficaria no zero a zero ou perderia, então este ano não há perspectiva de retomar alocação internacional. “Já na renda variável local, não acreditamos que a bolsa vá entregar performance este ano mas, se o cenário doméstico mudar, podemos voltar a aplicar”, afirma.

Ainda que a política de investimentos da Fundação Banrisul de Seguridade Social tenha mantido suas participações-alvo inalteradas este ano, a entidade fez mudanças táticas relevantes na alocação. O objetivo foi ajustar as carteiras de seus planos ao cenário de aumento do risco devido à alta dos juros lá fora e à realidade de Selic elevada no mercado doméstico.
“Começamos a enxergar o aumento do risco no exterior e fizemos um movimento para reduzir até zerar a alocação externa, que havia chegado a representar uma média de 3% dos ativos dos planos. Esse percentual variava de 1% a 7% dos ativos, dependendo do plano”, explica Álvaro Kafruni, diretor financeiro.
A renda variável local, outra classe que perdeu recursos, representava 12% dos ativos totais na média dos planos e foi cortada pela metade de 2022 para cá, ficando restrita apenas à carteira própria da entidade. “Temos mandato para voltar aos 12%, mas estamos segurando um pouco essa decisão de alocar e por enquanto o dinheiro está em caixa”, diz. Diante de uma Selic a 13%, é ruim ficar em bolsa, então as posições atuais, de 6% a 7% dos ativos, são apenas táticas.
Na renda fixa, a palavra de ordem é liquidez. Com reservas totais de R$ 5,7 bilhões, a Fundação Banrisul mantém cerca de 67% desse volume em títulos públicos, incluindo aí as operações compromissadas, e aguarda uma “luz no fim do túnel” para voltar aos mercados dos quais saiu. Nesse movimento, a carteira de títulos públicos passou por ajustes e os prazos de vencimento dos papéis, que eram mais longos, foram encurtados para amenizar o risco da volatilidade. “Nunca estivemos tão líquidos como estamos hoje. E aumentamos um pouco a parcela de operações compromissadas de um dia, que chegam a representar perto de 25% da carteira, em fundos exclusivos”, informa.
Kafruni lembra que as projeções indicam a Selic inalterada no atual patamar até o final do ano, com uma redução que talvez ocorra apenas na última reunião do Copom. “Mas a verdade é que o juro não poderá ficar muito tempo nesse nível, o custo dessa taxa já afeta os balanços das companhias e, se ficar como está, vai quebrar o País”, afirma.
Apesar da alta atratividade das taxas pagas pelas NTN-Bs, a volatilidade excessiva da curva futura de juros impõe cautela à visão de curto prazo, em especial nas carteiras marcadas a mercado. “A volatilidade está tão elevada a ponto de não poder segurar a rentabilidade, então a taxa real é ótima nos títulos com vencimento em 2050, por exemplo, mas o problema é conviver com a flutuação dos juros quando se está com as carteiras de todos os planos marcadas a mercado”, diz. Na fundação, apenas um dos planos tem papéis marcados na curva. A última compra de títulos públicos da entidade foi feita em novembro passado e a ideia é não realocar por enquanto.
O investimento em crédito privado está em stand-by, à espera de um momento mais propício. “Tentamos entrar em crédito privado e temos mandato para chegar a 8% dos ativos nessa classe, o que faz sentido até porque somos um fundo patrocinado por um banco. Já chegamos a ter 30% dos ativos aplicados nessa carteira, em 2008, mas de lá para cá o mercado mudou, os spreads caíram e os prazos ficaram mais longos, então não era tão interessante e hoje temos muito pouco”, lembra.
O processo de discussão com os gestores sobre taxas e composição da carteira estava em andamento em setembro de 2022, mas foi interrompido. “A partir do caso da Americanas decidimos segurar um pouco e esperar para ver quando o juro começará a cair. O episódio da Americanas elevou as taxas, é verdade, mas o problema é tomar a decisão de investir neste momento porque é preciso saber como será a reação em cadeia no mercado. Desde então já tivemos também os casos da Marisa e da Light”, diz.

Dois dos planos da Eletros, o plano BD e o saldado, que fazem estudos de ALM periódicos – até duas vezes ao ano -, já vinham reduzindo a renda variável e aumentando a renda fixa desde 2021, em busca de NTN-Bs e com ênfase nos títulos que têm prazos um pouco mais longos, explica Max Leandro, diretor financeiro da entidade. Entre 2022 e 2023 foi feito um novo movimento nessa direção, à medida que as taxas subiram. Além disso, há fundos multimercados estruturados. “Já nos nossos planos CDs (Contribuição Definida) e CVs (Contribuição Variável), o movimento feito desde o final de 2021 foi no sentido de construir uma carteira de NTN-B, que era zero e veio crescendo ao longo de 2022 porque o juro subiu e ficou acima do atuarial dos planos”, explica.
No consolidado, a Eletros tem hoje 67% do seu patrimônio total de R$ 5,2 bilhões alocados em renda fixa; 20% em renda variável; 5% em imóveis, 3% em empréstimos e 5% em estruturados. Dentro da alocação em renda fixa, a posição em NTN-Bs representa 40% dos recursos dos planos CDs e CVs, sendo que no plano BD essa posição é de 45% dos ativos. Na média, portanto, considerando o total consolidado dos investimentos, esses títulos representam 42% dos ativos.
“Há uma boa oportunidade hoje para fazer posição nesse mercado, mas tudo depende de como ficará a questão fiscal porque a curva de juros talvez não ceda no curto prazo. Como os passivos têm taxas de 4,8% a 5,5%, ter uma carteira com retorno acima de 6% é muito bom para os planos”, afirma. O lado ruim dessa situação é a volatilidade das cotas no curto prazo, já que as carteiras da entidade são 100% marcadas a mercado. Mas a oportunidade, diz Leandro, foi favorável aos planos que tiveram liquidez para sair da renda variável e ir para as NTN-Bs.
Os planos não alocam em crédito privado por meio de carteira própria mas apenas em fundos de investimento, explorando oportunidades em que os gestores oferecem papéis com rating duplo A para cima.

Temos lido que alguns gestores de recursos consideram as atuais taxas da NTN-Bs como um “presente de Deus, é verdade, mas de certa forma isso está desarranjando algumas carteiras estratégicas que têm horizonte de cinco a dez anos”, avalia Sérgio Wilson Ferraz Fontes, diretor-presidente da fundação Real Grandeza.
Até o final de 2021, essas carteiras eram definidas de acordo com uma realidade de juro muito menor, mas hoje, com os títulos públicos pagando prêmios até dois pontos percentuais acima das taxas atuariais, a premissa foi alterada. “Não estava nessas carteiras estratégicas a previsão de comprar tanto título público como compramos agora. Aqui, por exemplo, nós compramos na semana passada papéis que pagam 6,51% para uma taxa atuarial de 4,79%”, diz.
No plano BD, isso permitiu à fundação avançar bastante no processo de imunização do passivo e reduzir o risco de apresentar déficit e demandar equacionamento. “O nosso plano, aliás, é um dos raros BDs do mercado que nunca precisaram aumentar as contribuições”, lembra. Com patrimônio total de R$ 18,2 bilhões, dos quais cerca de R$ 16 bilhões estão no plano BD, a entidade elevou de 70% para 79% o percentual de alocação em renda fixa nesse plano, enquanto o aumento foi de 70% para 75% no plano CD. “Esses volumes estão alocados basicamente em títulos públicos; entre 2022 e 2023 compramos R$ 442 milhões em NTN-Bs para o plano CD, além de R$ 1,72 bilhão para o plano BD, com taxa média de 6,4%, o que abriu a oportunidade de imunizar o seu passivo e nos deu tranquilidade futura”, diz. O plano BD tem também R$ 1,2 bilhão em NTN-C para vencimento em 2031. Atrelados ao IGP-DI, esses títulos ajudaram a puxar a rentabilidade do plano no ano passado.
Ao longo de 2023, a fundação deverá seguir nessa toada, principalmente no caso do plano BD. No CD, que precisa otimizar a rentabilidade, é possível correr um pouco mais de risco a longo prazo. “Devemos entrar em exterior, com alguma coisa que chegue talvez a 1% dos ativos totais do plano, por meio de ETFs da BlackRock”, informa. Além disso, a fundação está no fim da fase operacional de acerto, com os gestores, para estrear em fundos multimercados menos agressivos, tanto no plano CD quanto no BD.
“Em crédito privado, temos procurado mas não encontramos até agora boas oportunidades em papéis duplo A, com boa avaliação de crédito. Tem muito pouca coisa em oferta interessante no mercado”, diz.

Com três estratégias distintas, de três diferentes gestores externos, em crédito privado, além de alocação via carteira própria, a Fundação Copel tem sido ativa nessa classe, que representa R$ 1 bilhão de seu patrimônio total de R$ 13,5 bilhões. “O spread melhorou 0,30%, na média do mercado, por conta do risco sistêmico criado pelo episódio da Americanas. Como já estamos bem posicionados nessa classe, porém, não vamos fazer movimentos bruscos nem sair de posições, mas a sensibilidade ao risco ficou maior”, diz José Carlos Lakoski, diretor financeiro.
A entidade registrou impacto limitado do caso Americanas pois não tinha alocação direta mas apenas uma parcela de R$ 8 milhões investida em debêntures triple A da empresa, por gestores externos, e sem qualquer investimento em ações da companhia. “Já no crédito bancário, temos Letras Financeiras atreladas ao IPCA e talvez façamos, oportunamente, ajustes para pulverizar ainda mais essas aplicações”, diz.
No mercado de títulos públicos, a fundação faz movimentos alinhados às estratégias dos seus planos de benefícios e, em alguns casos antecipa isso. O plano unificado, que está praticamente fechado, por exemplo, já tem 80% dos seus ativos de R$ 6,5 bilhões em títulos públicos, marcados na curva.
No plano CV, há estratégias distintas para a parte CD dos recursos, o que significa que, conforme as taxas sobem, a gestão deixa aproximadamente 70% do plano hedgeado a longo prazo. No momento, a entidade trabalha com a previsão de um maior volume de aposentadorias para acontecer por conta da privatização da patrocinadora, com maior saída futura de recursos da parcela BD do plano CV. “Nessa parte, o plano comprará tudo o que puder em títulos públicos para antecipar as aposentadorias”, diz.
Com os papéis longos pagando 6,40% contra um atuarial de 5,45%, o retorno é fantástico, afirma Lakoski, mas, no caso da parcela BD, há uma restrição de compras por causa do obstáculo da liquidez criado pelas futuras saídas de recursos. “A essa taxa, seria possível aplicar tudo em NTN-Bs, marcar na curva e ir dormir tranquilo”, observa. Devido à liquidez, porém, para fazer isso é preciso sair marginalmente de outras posições, como a renda variável. Isso será feito apenas em movimentos táticos, marginais, sem dar “cavalo de pau”.
Na parte CD do plano, já há 40% do carrego marcado a mercado, com rentabilidade de 6,40%. “Como o carrego é bom, os ajustes são feitos de maneira mais expressiva apenas para reforçar os ativos atrelados ao CDI, no curto prazo”, conta.