Remédio não tão amargo | Comitês técnicos da Abrapp traduzem Reso...

Edição 156

A força-tarefa montada pela Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar (Abrapp) para esmiuçar e traduzir o conteúdo da Resolução nº 13 encerrou seu trabalho no final de fevereiro diante de uma conclusão: os princípios de controles internos traçados pela Secretaria de Previdência Complementar (SPC) para as fundações não são, definitivamente, um bicho de sete cabeças. Quando da publicação da Resolução, em outubro de 2004, foram vários os fundos de pensão que ficaram receosos com o normativo. Muitos por não terem entendido a prática do que a SPC pedia por escrito e outros, por avaliarem que o Conselho Fiscal (CF) ficaria em evidência e a fundação teria considerável elevação nos custos.
Hoje, passados seis meses, os representantes de mais de vinte fundos de pensão do País – que compõem as Comissões Técnicas da Abrapp de Gestão Corporativa e de Comitês Internos e Compliance – viram que dos 24 artigos da Resolução mais da metade já estava escrito, com outras palavras, em documentos como a Resolução 3.121 e as Leis Complementares 108 e 109. Fato que o diretor de fiscalização da SPC, Waldemir Bargieri, identifica como um fenômeno brasileiro: “a lei só vale quando é transformada em por-taria ou em regulamento”. Os fundos de pensão verificaram, ainda, que nem todos os artigos da Resolução são exigência, como supunham no início. Há itens de natureza recomendável e facultativa.
A engrenagem da Resolução nº 13, porém, ainda precisa de ajustes, já que, em alguns pontos, ela emperra. Um exemplo é o artigo primeiro, que diz que as regras e práticas de governança devem ser adequadas ao porte, complexidade e riscos inerentes aos planos de benefícios das fundações. A questão é: como saber qual é o porte do fundo de pensão, se a SPC não define isso? A Abrapp deverá sugerir à secretaria de Adacir Reis que o critério utilizado para essa definição seja o do patrimônio, de forma a que abaixo de R$ 300 milhões seria considerada entidade de pequeno porte, entre R$ 300 milhões e R$ 1 bilhão, médio porte, e acima de R$ 1 bilhão, grande porte.
A Secretaria, entretanto, não se mostra muito disposta a fazer oficialmente essa divisão. “O fundo de pensão terá que nos convencer de que o que ele adota como controle de risco é adequado para ele. E só”, diz Bargieri.
Por outro lado, sobra disposição na SPC em fazer cumprir o prazo de 31 de março para que as fundações apresentem seus planos e cronogramas de adequação à Resolução. “Em hipótese alguma haverá adiamento. Se a entidade não conseguir entregar o melhor cronograma até esta data, que ela entregue o que puder. O ótimo é inimigo do bom”, diz o diretor, lembrando que os controles internos devem mesmo passar por constantes  aperfeiçoamentos.
Mas essa não é, de fato, a maior preocupação das fundações, que devem conseguir  entregar seus relatórios no prazo, já que os Comitês da Abrapp iniciarão neste mês apresentações sobre a Resolução nº 13 em várias cidades. O que tem mesmo tirado o sono de muitas delas, sobretudo das pequenas fundações, continua sendo o temor com relação ao aumento de custos que seria necessário para viabilizar as adaptações à Resolução. A todos os fundos de pensão que questionam Bargieri sobre isso, a resposta vem como uma flecha: “ter controles internos é ter despesa?”.
“Teve fundação que enfiou os dois pés na jaca no Banco Santos. O que era mais caro para ela, ter controles internos ou ficar com um papel que virou mico? Ter controles internos ou continuar comprando título público fora da curva de mercado. O custo tem que ser colocado em relação ao benefício”, diz. Tanto que um caso como o visto recentemente na Petros, que verificou um descolamento de suas premissas atuariais, muito provavelmente não teria ocorrido se a Resolução nº 13 estivesse em plena atividade, conforme avalia o diretor da Atest Atuária e Estatística, Ivan Sant’Ana Hernández.

Desatando nós – A SPC sabe que está pedindo uma mudança de cultura através da Resolução nº 13. Principalmente porque passa a exigir dos conselheiros fiscais uma profissionalização que, até então, pouquíssimos tinham. Em um recente evento em São Paulo, patrocinado pela International Business Communications (IBC), um representante da consultoria Ernst & Young chegou a questionar o diretor de fiscalização da SPC sobre esse encargo – assustador, em suas palavras. Novamente, a resposta de Bargieri estava na ponta da língua: “Se o Conselho Fiscal de uma fundação não consegue emitir relatórios, então o risco é ele”.
Essa nova realidade conduzirá ao treinamento de conselheiros, abrindo espaço para, mais cedo ou mais tarde, surgirem no mercado inúmeros cursos para esses profissionais. “Será uma ruptura de paradigma. O Conselho Fiscal terá que ter experiência em gestão, o que pode causar algum impacto financeiro, mas isso não foi dimensionado”, diz a integrante da CTN de Gestão Corporativa da Abrapp e assistente da presidência da Fundação Copel, Solange Regina Schuteski. A executiva vê com bons olhos a Resolução nº 13 e diz que a demora do sistema em entendê-la ocorreu porque todos estavam acostumados ao formulário-padrão. “Dessa vez, a SPC não fez isso e ficamos perdidos”.
Para os fundos de pensão que continuam sem saber por onde começar o check-list de seus controles internos, Bargieri os aconselha a debruçarem-se sobre os quatro tipos de riscos básicos: de contraparte, de mercado, atuarial e operacional. Esse último, o diretor identifica como uma das maiores vulnerabilidades do sistema, que pode trazer graves conseqüências em situações de estresse. Solange Regina concorda e diz que na Fundação Copel esses aspectos já estão sendo sistematizados. “Isso deve exigir um pouco mais dos fundos de pensão, já que muitos vão começar, agora, a traçar seus planos de contingência”, avalia.
A diretora da Fundação Copel também dá sua dica para que as fundações tracem seus planos de ação: o método 5W2H, que refere-se, com iniciais em inglês, às perguntas ‘o que’, ‘quem’, ‘por que’, ‘onde’, ‘quando’, ‘como’ e ‘quanto’. A executiva não espera grandes dificuldades das fundações em fazerem adaptações à Resolução nº 13, uma vez que 80% dela já estaria contemplada no manual de controles internos da Abrapp, lançado em março de 2004. “Para os fundos de pensão que já têm planejamento estratégico, o processo será tranqüilo. Será pura formalização”.
Bargieri avalia de forma positiva as orientações da Abrapp, mas entende que não existe receita de bolo que dê conta de um check-list de controles internos. “Essas adaptações dependem de inteligência. Os manuais ajudam, mas nada substitui o papel do dirigente”, diz. “Quando me perguntam o que é mais importante na Resolução nº 13 eu digo que não há nada menos importante nela, mas o mais importante depende de cada fundo de pensão. Quem tem que saber isso são os dirigentes”, diz, informando que a SPC não irá fazer teste de aptidão em ninguém.

Tendência – A fala de Bargieri tenta acalmar as discussões que ainda prevalecem sobre o grau de profissionalização do Conselho Fiscal trazido pela Resolução nº 13. Para a executiva do Mercatto, Andrea Lopes, essa nova cultura conduzirá a um CF independente. Além disso, diz, o sistema de eleições dos conselheiros deverá mudar, bem como a avaliação deles. “Mas essas mudanças são graduais e não de curto prazo”, diz. Há que se considerar que um conselheiro de um banco, por exemplo, tem, tecnicamente, mais preparo financeiro do que um conselheiro de um fundo de pensão de uma empresa de infra-estrutura, por exemplo.
Andréa, que também participou das reuniões da Abrapp, discorda de alguns pontos da Resolução, como o que veda a contratação de seguro para cobertura de responsabilidade civil, penal ou administrativa de dirigentes. A profissional também questiona se a melhor forma de definir porte de uma fundação seria mesmo por patrimônio. “Existem inúmeras possibilidades de se fazer essa distinção, como número de participantes, por exemplo”, diz. O diretor-financeiro do Economus e integrante da CTN de Controle Interno e Compliance da Abrapp, Paulo Julião, entende que não compete ao grupo definir portes, mas concorda que, de fato, uma grande quantidade de controles internos possa engessar uma fundação pequena. “Essa é uma questão de bom senso a ser avaliada pela SPC posteriormente”.
A discussão de porte, entretanto, está restrita a poucos trechos da Resolução. As próprias comissões da Abrapp só identificaram um único artigo, o sexto, como um comando que deva ser adotado apenas por uma entidade de grande porte. Este artigo orienta o Conselho Deliberativo a instituir auditoria interna. “Quando se fala de gestão de risco tem-se que olhar caso a caso porque cada entidade tem uma realidade distinta”, diz o gerente de compliance da Forluz, Herbert Engler, e também integrante da Comissão da Abrapp.
Existem outros pontos discutíveis na Resolução. Brechas que o gerente de planejamento empresarial e informática da Forluz, Álvaro Diovani, chama de auto-regulação. Um deles, o artigo 19, está sobreposto ao artigo oitavo da Resolução 3.121, que pede que as fundações enviem à SPC os custos com a administração de recursos. No artigo 19, esse comando é mais genérico. “A tendência é de que a Resolução prevaleça. Vamos levar o assunto ao conhecimento do Conselho Monetário Nacional (CMN)”, diz Bargieri.
Outros itens que suscitaram mais dúvidas nas comissões da Abrapp dizem respeito aos artigos 17, 18 e 19. O primeiro trata da comunicação com os participantes e há algumas opiniões dissonantes sobre como essa comunicação deve se dar a partir de agora. No segundo caso, que trata do sistema de informações da entidade, há um receio de que haja dificuldade de a fundação zelar pela exatidão e atualização dos dados quando ela utiliza o cadastro da patrocinadora. E, no último ponto, a discussão recai sobre a possibilidade de o Conselho Deliberativo alterar determinação do Conselho Fiscal, como menciona o artigo 19, parágrafo único, item I.
Todos esses aspectos deverão ser equacionados ao longo do ano, já que a Resolução nº 13 será a espinha dorsal do trabalho da área de fiscalização da SPC em 2005. E, como Bargieri faz sempre questão de lembrar: fundo de pensão não é mais brincadeira. “Queremos cada vez menos ser os descobridores de problemas e cada vez mais o órgão que se indaga se a estrutura de cada fundação está pronta para descobrir os problemas”. Em outras palavras, a meta é olhar menos para o passado e mais para o futuro.