Edição 239
O Tesouro Nacional deve concluir até o final do ano uma emissão de títulos públicos no valor de R$ 1,6 bilhão para o refinanciamento das dívidas da extinta Rede Ferroviária Federal (RFFSA) com a Fundação Rede Ferroviária de Seguridade Social (Refer). As características da emissão (taxa de juros, prazo) estão em estudos e devem ser anunciadas ao longo deste segundo semestre. Com o refinanciamento, a Fundação poderá “limpar” seu balanço, retirando da provisão para perdas o valor da dívida que torna deficitário seu resultado patrimonial. Sem déficit, a Refer poderá dar início à revisão de sua meta atuarial de 6% ao ano mais a variação do INPC para 5,5% ao ano, afirma o diretor financeiro, Carlos de Lima Moulin.
O refinanciamento da dívida da Rede com a Refer é o penúltimo capítulo de uma longa novela que começou no ano 2000, quando a RFFSA foi liquidada, desfecho do processo de privatização do sistema ferroviário nacional iniciado em 1994. A Fundação ficou com dívidas contraídas pelos ex-patrocinadores que deixaram de depositar sua parcela para o plano de previdência complementar dos empregados. Em valores atuais, essas dívidas totalizam R$ 2,8 bilhões. Com o refinanciamento da parte que competia à RFFSA, resta ainda a renegociação da dívida de R$ 1,2 bilhão atribuídos à Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU), herdeira da RFFSA, com a fundação.
Fundada em 1957, a Rede administrou por 37 anos todo o transporte ferroviário de carga e de passageiros em 22 estados brasileiros. Em 1984, foi realizada a cisão das operações da RFFSA de carga e de passageiros e criada a CBTU. Com a divisão das operações, a RFFSA ficou responsável por todo transporte de carga enquanto o de passageiros em nove das principais capitais (Rio de Janeiro, São Paulo, Fortaleza, Salvador, Recife, Maceió, João Pessoa e Natal) passou para a CBTU, que também foi incumbida de dar início a um processo de estadualização do transporte ferroviário. Em 1994 a RFFSA foi privatizada; em 2000, liquidada; e em 2007 extinta pela Medida Provisória 353, posteriormente confirmada pela Lei 11.483/07, regulamentada pelo Decreto 5018/07. O decreto prevê que os empregados ativos, com relação ao plano Refer, passariam para a Valec Engenharia, Construções e Ferrovias, empresa ligada ao ministério dos Transportes.
Desde a privatização da RFFSA as contribuições ao fundo de pensão dos ferroviários foram suspensas. Quando a estatal foi finalmente liquidada, a dívida existente foi assumida pela União que delegou à Secretaria do Tesouro Nacional (STN) a responsabilidade pelo cumprimento da obrigação. A STN dependia do parecer favorável da CGU para tocar o processo. A Coordenadoria de Infra Estrutura da CGU levou, no entanto, dois anos para analisar o ofício 1101/INV/RFFSA/2007, de 27 de novembro de 2007, documento que autoriza a assunção da dívida pela União.
Quando questionados da demora pela Associação dos Aposentados da Rede (AARFFSA), o órgão respondeu que não tinha “qualquer responsabilidade com prazos” para concluir o processo. Àquela altura, segundo a troca de documentos entre a entidade ligada aos aposentados e o Ministro da CGU, Jorge Hage Sobrinho, em novembro de 2009, a dívida com o fundo de pensão vencida e não paga totalizava R$ 684 milhões o que obrigava a fundação a um desembolso mensal de R$ 17 milhões para arcar com benefícios de cerca de 30 mil assistidos e beneficiários.
Finalmente em 2009 a CGU atestou que a dívida da Rede era “líquida e certa”, enviando o processo para a STN, que decidiu em 2011 equacionar o débito ao longo de 2012. Criada há 33 anos, a Refer administra hoje oito planos pertencentes a 33,9 mil participantes. Do total de participantes, a maioria está no Plano RFFSA e já na aposentadoria – dos 24,9 mil participantes, só 406 são ativos, os demais são assistidos (veja tabela na página 24). Os patrocinadores são: CBTU, Central (Rio), Metrofor (Fortaleza, Ceará), CTE (Salvador, Bahia), Metrô Rio, CPTM (São Paulo) e a própria Refer para seus funcionários. Tem um patrimônio previdenciário de R$ 2,9 bilhões sem considerar a dívida.
“Hoje a Refer não tem nenhum problema de liquidez”, afirma o diretor financeiro, Carlos de Lima Moulin. Engenheiro e advogado, com especialização em auditoria e finanças, ex-funcionário da Rede onde entrou como escriturário, ficou 32 anos até chegar à chefia da auditoria, Moulin acompanhou de perto todo o processo desde a privatização até a liquidação da Rede, inclusive a partir da Agência Nacional de Transportes (ANTT), da qual foi auditor geral em 2002. Passou pela presidência do conselho fiscal em 1995 e desde 2009 está na direção financeira do Refer.
Segundo ele, o déficit se deve unicamente à provisão para perdas constituída em função das dívidas e seu equacionamento é o que falta para que a Fundação entre no equilíbrio e possa dar novos passos em direção à adequação atuarial. “Na verdade é uma dívida contratual”, diz Moulin. Ele frisa que, para garantir o equilíbrio de longo prazo e a aposentadoria de todos os seus participantes, a Refer precisa rever a meta atuarial de 6% ao ano mais a variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC). “Queremos baixar para 5,5%”, diz.
Lição de casa – Enquanto aguarda a solução para o endividamento, Moulin afirma que a fundação realiza um trabalho de melhoria de controles e rentabilidade. No ano passado, a Refer registrou rentabilidade de 17,26%, com ganho real de 4,82%. A título de comparação, a meta atuarial do sistema de fundos de pensão para o ano passado (INPC mais 6% ao ano) equivalia a 12,44%, pouco acima dos 11,6% do CDI. A mediana de retorno dos fundos de pensão atingiu 9,59%. Nos últimos três anos a Refer registra rentabilidade acumulada de 58,82% comparado a 40,03% da meta, ou seja, com ganho de 13,42% acima da meta atuarial.
“Conseguimos alta rentabilidade com baixíssimo risco”, comemora Moulin. Segundo ele, o diferencial foi alcançado com aplicações no mercado imobiliário, onde a fundação tem aplicados cerca de 8% de seu patrimônio. Já na renda fixa, onde estão aplicados 60% do patrimônio líquido, a performance também foi favorável, com bons retornos em função do perfil dos títulos públicos federais. Na renda variável, a Refer também sofreu com o desempenho da Bovespa.