Edição 87
A reta final do processo de tramitação dos três projetos de lei que regularão a previdência complementar deve reservar lances decisivos para o futuro do sistema de fundos de pensão. Estão em jogo a criação dos fundos complementares da União, Estados e Municípios através do PL n° 9, o mais atrasado dos três, e a questão do diferimento tributário dos investimentos das entidades fechadas, entre outros pontos polêmicos. O próprio ministro Waldeck Ornellas está empenhado pessoalmente em negociar com os parlamentares para que os projetos sejam aprovados ainda no final do exercício parlamentar deste ano.
O Executivo está tentando acelerar a aprovação dos projetos, e até já publicou um pedido de urgência para a votação da nova legislação, mas as resistências não são poucas e às vezes partem da própria base governista. No centro das discussões está o tratamento tributário que será reservado aos fundos de pensão. As fundações arrastam uma briga no Supremo Tribunal Federal há vários anos que envolve uma provisão de impostos de aproximadamente R$ 8 bilhões. A Receita Federal, como sempre, está de olho neste montante mas a Abrapp, associação que representa as entidades fechadas, tem uma ação que impede a cobrança destes impostos.
Recentemente a Abrapp visitou a Receita e apresentou um estudo que mostra que o diferimento tributário do Imposto de Renda não provoca a queda da arrecadação (ver quadro). Ao mesmo tempo, os fundos torcem para que o PL n° 63 mantenha o artigo que garante o diferimento. Se a lei for aprovada com esta determinação, as fundações interpretam que o imposto provisionado não mais deve ser cobrado e, consequentemente, a ação no STF cairia automaticamente. “Se a nova legislação garantir o diferimento, acreditamos ela é retroativa e por isso não deveremos pagar o Imposto de Renda que está provisionado”, afirma Carlos Duarte Caldas, presidente da Abrapp. Desta forma, os fundos pagariam todos os outros impostos, que correspondem a cerca de 20% dos R$ 8 bilhões, e ficariam com o I.R.
Mas a interpretação dos fundos de pensão parece não ser a mesma do governo. Alguns setores do Executivo entendem que a nova lei valeria apenas a partir de sua aprovação e o montante provisionado deveria passar por um processo de negociação. O governo até se mostra disposto a deixar o valor provisionado com as fundações desde que houvesse alguma contrapartida. Esta poderia vir na forma de aquisição de títulos públicos de longo prazo, de 20 a 30 anos, ou de investimentos em projetos do governo como o Programa Brasil em Ação.
Tudo isso envolveria a possibilidade de retirada do artigo que garante o diferimento do I.R. do texto do PL n° 63, o que representaria a maior derrota para os fundos de pensão. “Estamos negociando a manutenção do diferimento do Imposto de Renda na nova legislação. Estou em dúvida se isto deve fazer parte de um projeto de lei complementar ou deve constar em legislação ordinária”, disse o Ministro Waldeck Ornellas em coletiva de imprensa realizada em um evento organizado pela Secretaria de Previdência Complementar em São Paulo em meados de outubro último.
Fundos públicos – Outro ponto polêmico envolve a aprovação na Câmara dos Deputados do PL n° 9 que institui a possibilidade de criação de fundos de pensão pelos Estados, Municípios e União. O projeto é o mais atrasado dos três que tramitam no Congresso Nacional, pois os outros dois (PL n° 63 e PL n° 01) já foram aprovados na Câmara e encontram-se no Senado. “Alguns parlamentares ainda insistem em manter um corporativismo de proveta”, afirmou o Ministro Ornellas. Ele argumenta que não há motivos para se opor à proposta porque o PL n° 9 não obriga os Estados e Municípios a criarem tais fundos e além disso o sistema valerá apenas para os novos servidores públicos contratados a partir da aprovação da legislação.
O Ministro reuniu-se em meados de outubro com os líderes das bancadas dos deputados para negociar o avanço na tramitação do projeto. Nesta reunião, foi definido que o projeto será apreciado pelo plenário da Câmara no próximo dia 8 de novembro. Se aprovado, o PL n° 9 seguiria para o Senado para tentar tirar o atraso em relação aos outros dois projetos de lei.
Beneficiários pagam R$ 1 bi em IR
Estudo elaborado internamente pela Abrapp mostra que o sistema de fundos de pensão já paga mais de R$ 1 bilhão anualmente em Imposto de Renda (IR). Esse volume corresponde ao desconto do IR dos 439 mil beneficiários atuais do sistema, chamados no estudo da Abrapp de “participantes de benefícios de prestação continuada”.
Foi tomado como salário médio de benefício o valor de R$ 1.410,00, que corresponde a 70% de um salário real de R$ 2.014,29. Aplicando-se a esse uma alíquota de 27,5%, e deduzindo-se do total a parcela de R$ 360,00, chega-se a uma média de R$ 193,93 pagos mensalmente pelo beneficiário como IR retido na fonte. No ano todo, isso soma um valor de R$ 2.327,16.
Como o sistema conta atualmente com 439.851 “participantes de benefícios de prestação continuada”, o valor anual de IR retido na fonte por eles é de R$ 1,024 bilhão. “Isso precisa ser mostrado para aqueles que ainda insistem em dizer que os fundos de pensão não pagam Imposto de Renda”, argumenta o presidente da fundação Metrus e vice-presidente da Abrapp, Fábio Mazzeo.
De acordo com Mazzeo, além desse pagamento direto de IR na fonte, os fundos de pensão também são tributados através do lucro das empresas nas quais participam, do recolhimento de impostos dos funcionários dessas empresas etc. “Estamos providenciando um estudo mais detalhado desse tema, para depois divulgá-lo para toda a sociedade”, diz o vice-presidente da Abrapp.
Quem é o médico e quem é o monstro?
A questão da tributação dos investimentos dos fundos de pensão voltou a ser levantada pelo governo em meados de outubro, como forma de cobrir um salário mínimo de R$ 180,00. Alguns aliados e inimigos do governo se uniram para apontar os lucros dos fundos de pensão como a melhor fonte de receitas disponível.
Entre outros, o presidente do Senado, Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA); o relator do Orçamento para 2001, Amir Lando (PMDB-RO); e os líderes do PFL e PDT na Câmara, respectivamente Inocêncio de Oliveira (PFL-PE) e Miro Teixeira (PDT-RJ), disseram ser favoráveis à taxação dos fundos. Os líderes do PT e PSDB na Câmara, respectivamente Aloizio Mercadante (PT-SP) e Aécio Neves (PSBD-MG), apontaram o corte de outras despesas como a melhor fonte de financiamento do novo mínimo.
O debate sobre a tributação dos lucros dos fundos de pensão tornou-se, de repente, o tema do momento. Na Espanha, para onde viajou no final de outubro, o próprio presidente Fernando Henrique Cardoso foi questionado sobre o assunto. Não expressou claramente seu pensamento. “Parece que o dinheiro dos fundos de pensão virou a panacéia para tudo”, declarou o deputado Alberto Goldman (PSDB-SP), que também é presidente da Comissão Mista do Orçamento.
De acordo com Goldman, “quem está levantando essa questão de tributar os lucros dos fundos de pensão é o Everardo Maciel, da Receita Federal”. Para o deputado, o fato da Receita estar defendendo a tributação, enquanto outras áreas do governo são contra, mostra que falta coordenação no governo. “Parece o filme ‘O medico e o monstro”, comparou o deputado.