Queda enigmática | O que parecia ser uma boa notícia suscita disc...

Edição 116

O número apresentado pela SPC em entrevista coletiva no dia 12 de abril último sobre o déficit do sistema de previdência complementar, de exatos R$ 5,1 bilhão, gerou grande mal-estar junto a dirigentes e especialistas do setor e também entre funcionários da própria Secretaria. A pergunta que todos fizeram ao ouvir a boa notícia, de que o déficit do sistema tinha caído de R$ 17,3 bilhões para R$ 5,1 bilhões, foi de onde teria saído esse último número.
Na entrevista coletiva não foi divulgado como se chegou ao número mágico, de R$ 5,1 bilhões. Foi dito, é verdade, que se estava considerando as adequações feitas pelas fundações por conta das mudanças resultantes da lei complementar 109/01, que passou a exigir que as coberturas das reservas de benefícios a conceder passassem a ser de 100%, e não mais de 70% como constava na lei 6.435. Desde a mudança, a SPC tem conversado com os fundos para ver como iriam se adequar à nova lei.
Acontece que essas conversas começaram no início do ano passado, ainda na gestão de Solange Paiva Vieira, quando José Roberto Savóia era o adjunto. Inclusive, um dos motivos da saída de Solange da SPC foram as extrapolações que passou a fazer em torno desses déficits, com divulgações periódicas pela imprensa. O então ministro Roberto Brant não gostou, demitiu-a e disse que a partir daquele momento ele é que passaria a falar publicamente sobre o assunto ‘fundos de pensão’.
Savóia, ainda interinamente, prosseguiu com as conversas junto aos fundos de pensão, mas seguindo as recomendações de Brant, mantendo-se longe dos holofotes. Depois, já como secretário, continuou com as conversas, o que deve ter-lhe dado uma boa base para fazer extrapolações sobre o assunto déficit.
Porém, ao divulgar o novo número, que surpreendeu a todos, ele não informou tratar-se de uma extrapolação ou de uma projeção. Disse, simplesmente, que o déficit havia caído de R$ 17,3 bilhões para R$ 5,1 bilhões. Os R$ 17,3 bilhões referentes ao déficit do ano 2000 foram calculados no departamento de atuária da SPC, sendo assumidos pela sua coordenadora, Jaqueline Rodrigues de Oliveira. O novo número não saiu de lá. “Não tenho conhecimento de como se chegou a esse número, eu não o assumo”, diz Jaqueline.
Ela, aliás, está de saída da SPC. A decisão foi tomada há duas semanas, por divergências com Savóia, dizem fontes do sistema. Teria havido, inclusive, uma divergência pública entre os dois numa reunião do Conselho de Gestão, sobre um tema técnico (Resolução 05), onde Savóia teria feito uma proposta e a retirado a seguir, depois de esta ter sido criticada pelo representante do Instituto Brasileiro de Atuária (IBA) com o apoio de Jaqueline. Savóia teria desautorizado publicamente Jaqueline, que resolveu pedir demissão. Ela disse à Investidor Institucional que prefere não comentar os motivos da sua saída.
Além dela, também saíram da SPC nas últimas semanas o coordenador de fiscalização, Osmane Bonincontro, e a coordenadora jurídica, Sonia Leitão (ver quadro). Eles também criticam a maneira como os números estão sendo levantados e apresentados, segundo eles, sem critérios técnicos.
De acordo com um conhecido atuário, que pede para ter seu nome preservado, o valor do déficit só poderia ser divulgado a partir da consolidação dos balanços dos fundos de pensão ou dos demonstrativos atuariais, os DRAA. Acontece que esses informativos terminaram de chegar à SPC, enviados pelas fundações em papel e não em meio eletrônico, e sua consolidação exigiria dos três técnicos que trabalham no departamento de contabilidade da Secretaria um grande esforço para que ficassem prontos talvez para maio, mas nunca para a primeira quinzena de abril.
“Sem os balanços consolidados, qualquer número de déficit é chute”, diz o atuário. Para observadores, por trás da precipitada notícia está uma tentativa da SPC de reaproximar-se dos fundos de pensão depois de um período conturbado e permeado por vários atritos, às vésperas da campanha eleitoral. O próprio déficit da Previ, apontado anteriormente como sendo da ordem de R$ 4 bilhões, seria sozinho responsável por quase 80% do déficit total agora anunciado.
O diretor de previdência privada da Mercer Human Resource Consulting, Edson Jardim, diz que a grande dúvida é saber como foi calculado o déficit, de onde surgiu, se incluiu ou não a reserva a amortizar etc. “Esses valores estão causando mais dúvidas do que esclarecimentos. Tudo indica, todavia, que não estão coerentes com as normas contábeis para apuração de déficits nos fundos de pensão vigentes até o ano passado”, comenta.
Para o professor da Fundação Getúlio Vargas, Flávio Marcílio Rabello, antes da consolidação dos balanços contábeis, nem a SPC dispõe de informações suficientes para dizer qual o real tamanho do déficit atuarial da previdência fechada. “A maioria das fundações tem contratos de refinanciamento de dívidas com patrocinadoras, e é impossível analisar contrato por contrato, suas garantias, saber o valor consolidado etc.”, diz. Ele admite que a própria FGV, que dispõe de um número muito maior de atuários para essas avaliações do que a SPC, não consegue levantar esses dados com precisão.
Segundo a Abrapp, que encomendara à Fundação Getúlio Vargas (FGV) um estudo da situação atuarial e financeira do sistema fechado de previdência complementar no Brasil, pronto no final do ano passado, o problema está na metodologia utilizada pela SPC. Pelo levantamento da FGV com base em aspectos financeiros e atuariais de 86 entidades classificadas pela SPC como potencialmente insolventes, apenas quatro apresentaram situação crítica.

Coordenadores deixam SPC
Coordenadores deixam SPC
Um pouco antes da divulgação do relatório sobre a situação atuarial dos fundos de pensão, os três coordenadores estratégicos da SPC encaminharam pedido de desligamento ao secretário José Roberto Savóia. O primeiro pedido de exoneração foi do coordenador geral de fiscalização, Osmane Bonincontro, chamado para reformular a política de fiscalização da pasta. Bonincontro, funcionário de carreira do Banco Central por 20 anos, aguardava apenas a publicação de edital para sua saída definitiva. Ele era o responsável por todas as intervenções em fundos de pensão e por toda e qualquer denúncia apurada pelos fundos, inclusive as sigilosas.
O pedido formal de Bonincontro a Savóia teria ocorrido um pouco antes do pedido da coordenadora geral da área jurídica, Sônia Leitão, que se desligou do órgão na primeira semana de abril (ver Executivos e Carreiras). Há cerca de 5 meses na SPC, Sonia vinha da Sistel, onde tinha trabalhado por sete anos na área jurídica.
Por último, sai Jaqueline Rodrigues de Oliveira, coordenadora da área atuarial e a que mais tempo de casa tinha, entre os três profissionais – ela já atuava na SPC desde a gestão de Solange Paiva Vieira. Jaqueline deve se desligar no próximo dia 24 de abril, quando vence seu contrato. Antes da SPC, a profissional trabalhava na Secretária de Previdência Social, subordinada a Vinícius Carvalho Pinheiro.
Segundo técnicos ligados ao sistema, um dos problemas das baixas na coordenadoria é que elas interrompem trabalhos importantes: os novos profissionais que assumirem demorarão um certo tempo para se familiarizarem com os temas antes de tocá-los. Com isso, várias normatizações devem atrasar um pouco mais.