Edição 148
Alvo certo de investimentos no início dos anos 90, os imóveis chegam ao século XXI atravancando o balanço de alguns fundos de pensão brasileiros. De um lado, a legislação exige a redução da exposição a esse ativo; de outro, a rentabilidade dessa aplicação passa, na maioria dos casos, ao largo da meta atuarial dos fundos. Resultado: sobram vendedores, ainda mais se considerando que a ponta compradora não tem encontrado estímulos diante do pífio crescimento da economia real nos últimos anos.
O Aerus, fundo multipatrocinado por empresas do setor aéreo, manterá, a princípio, apenas três imóveis dos 13 de sua carteira. Sete deles já estão à venda e outros três podem ser vendidos ou alugados, num total de R$ 127 milhões. A decisão apóia-se na Resolução 3.121 do Conselho Monetário Nacional (CMN), de 2003, que estipula aos fundos chegarem ao final do ano que vem com até 14% do seu patrimônio investido em imóveis, com até 11% em 2008, e no máximo 8% a partir de 2009. Hoje, o Aerus aloca no setor R$ 194,8 milhões (16,4% do patrimônio), mas tem a receber R$ 35 milhões de vendas de imóveis, o que reduzirá a exposição para 13,45% em até cinco anos – quando está previsto o pagamento da última parcela da dívida de R$ 35 milhões.
O retorno financeiro desse investimento foi outro motivo que levou o fundo criado pela Varig e pela falida Transbrasil a buscar a desmobilização. Segundo o diretor de imóveis do Aerus, Mário Thurler, a aplicação em imóvel não atinge a meta atuarial de 6% mais IGP-M (Índice Geral de Preços de Mercado). “Ativo imobiliário não casa com fundos de pensão, que devem trabalhar com liquidez, segurança e metas. Além disso, há gastos com condomínio, impostos e a vacância (desocupação) tem se mostrado alta”, afirmou.
De fato, o Aerus experimentou uma elevação da vacância de 0,5% em junho do ano passado, quando 251 metros quadrados estavam vazios, para 8,5% em junho de 2004, quando a área desocupada atingiu 1.800 metros quadrados. Só no estado de São Paulo, a vacância da classe AA chegou a quase 30% no primeiro trimestre de 2004. Para Thurler, a baixa atividade econômica e o alto número de ofertas de imóveis justificam esse cenário. “A desmobilização está muito difícil. Além da complicada precificação dos ativos, só os bancos foram os responsáveis pelos leilões de muitos imóveis nos últimos três anos”, informou. Ainda assim, o diretor do Aerus adianta que não venderá imóveis a qualquer custo. Só pela melhor avaliação de preço.
Financiamento – Outro fundo de pensão que irá se desfazer de grande parte seus imóveis é o Prevhab, dos funcionários do extinto Banco Nacional da Habitação (BNH) – que fora incorporado à Caixa Econômica Federal em 1986. O Prevhab aplica quase 30% do seu patrimônio em ativo imobiliário; porcentual que cresceu em função da extinção, em 99, da dívida da Caixa para com o fundo. Na ocasião, diz o diretor de administração e previdência da Prevhab, Oswaldo Carneiro, o fundo não tinha mais do que 5% do seu patrimônio alocado em imóveis.
Ao final de 2002, passados os percalços e definidos diretores e estatuto, o Prevhab pôde, enfim, arregaçar as mangas para iniciar a sua desmobilização. O fundo prevê vender 70% da carteira imobiliária, o que equivale a R$ 70 milhões, distribuídos em 92 unidades de 26.487 metros quadrados. Para tanto, o fundo elaborou a sua própria estrutura de financiamento, já que não encontrou respaldo no setor bancário – que ora mostrava falta de apetite, ora pedia altos juros (de 16% ao ano, mais TR) e ora exigia a contrapartida de aplicação em Letras Hipotecárias (LH).
Pela proposta, o comprador pagaria, ao menos, 20% do imóvel à vista e financiaria o resto com a Prevhab em um prazo de cinco a oito anos e a uma taxa anual de 9% a 12% mais o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC). O valor das parcelas seria depositado mensalmente em uma conta de investimentos vinculada ao contrato, embora a periodicidade de reajuste e o repasse do pagamento fossem feitos anualmente. Vale dizer que a rentabilidade da aplicação no período ficaria com o comprador do bem imóvel.
A garantia não seria problema para esse tipo de financiamento, já que deve se basear em alienação fiduciária, que permite, em casos de inadimplência, uma retomada mais rápida do imóvel. O único entrave dessa engenharia financeira, diz Carneiro, é descobrir uma forma de impedir que o comprador venha a sacar recursos da conta de investimentos para outros fins, através, por exemplo, de uma simples liminar na Justiça. A proposta já está em análise nos bancos Itaú e Bradesco e deve ser concluída até setembro. “Já temos dois potenciais compradores nesses moldes”, adianta o diretor da Prevhab.
Direto para a renda fixa – O céu de brigadeiro das décadas passadas – onde a majestade dos imóveis imperou diante da suspeita de confisco monetário e da volatilidade da Bolsa e câmbio – também atraiu o fundo de pensão dos funcionários da Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan). O fundo chegou a ter mais de 30% do seu patrimônio alocado nesses ativos e, em junho deste ano, a posição caía para 28,63%, dos quais 8,12% (R$ 15 milhões) referem-se aos prédios disponíveis para a venda e o restante (R$ 40 milhões) está alienado e deve ser quitado em até oito anos. “O setor é ilíquido e, em geral, não acompanha a rentabilidade de outros ativos”, disse o responsável pela controladoria da Funcorsan, Pedro Pesse.
O profissional explica que, de lá para cá, o mercado de capitais brasileiro tornou-se um pouco mais desenvolvido, o que cumulou não só numa maior diversidade de produtos financeiros, como também numa legislação bem mais clara. Por conta disso, Pesse já tem destino certo para o dinheiro oriundo da venda dos imóveis: títulos públicos de longo prazo, como as Notas do Tesouro Nacional série C (NTN-C, cuja referência é o IGP-M) e as futuras NTNs série D (NTN-D), que terão correção do IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo). A expectativa de grande parte do mercado é de que esse indicador suba, à medida que a meta Selic mantiver a tendência gradual de baixa.
A renda fixa também será destino do Aerus, da Prevhab e da Femco, fundo dos funcionários da Companhia Siderúrgica Paulista (Cosipa). A Femco tem desmobilizado seu patrimônio desde que surgiu a primeira legislação a respeito – a Resolução CMN 2.829, de 2001. Atualmente, o fundo tem 13% do patrimônio em imóveis, mas há cerca de sete anos essa participação chegou a beirar os 30%. Os seis imóveis da atual carteira da Femco, com vacância em torno de 18%, estão avaliados em aproximadamente R$ 120 milhões e serão vendidos até que o patrimônio se enquadre na legislação.
A Femco, assim como outros fundos de pensão, vê um inchaço de ofertas no mercado imobiliário, mas, ainda assim, acredita que vale a pena manter alguns imóveis em carteira, sobretudo em função da perspectiva baixa do juro.
O fundo Portus é ainda mais ousado e diz que só irá se desfazer de parte de sua carteira imobiliária – de aproximadamente 30% do seu patrimônio – porque a legislação pede. Em 2003, esse ativo rendeu 19,41%, embora no ano anterior tenha apresentado perda de 6,59%. “Nossos imóveis são muito bem localizados. Só temos uma unidade vazia, situada próxima ao aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro, e que irá a leilão em agosto”, disse Marcos Fleury, assessor imobiliário do fundo formado por funcionários de portos do País. Este imóvel está avaliado em R$ 550 mil, segundo Fleury.
De acordo com o informe estatístico da Secretaria de Previdência Complementar (SPC), as 359 entidades fechadas de previdência complementar alocavam em março um pouco mais de R$ 11 milhões em investimentos imobiliários, o que representava 5% do total de recursos. Renda fixa liderava com 63,5%, seguida de renda variável, com 27,8%.