Edição 145
Chegar aos 100 anos é um privilégio de raras instituições no Brasil. A Previ termina de ingressar nesse seleto grupo, ao comemorar seu centenário no dia 16 de abril passado. Com patrimônio de R$ 57,6 bilhões e mais de 75 mil participantes, o maior fundo de pensão do País atinge os 100 anos exibindo um perfil muito diferente daquele mostrado nas últimas décadas, quando por pressões governamentais acabou sendo a tábua de salvação de várias empresas problemáticas. Hoje, com o número de seus participantes inativos ameaçando superar os ativos, a fundação está fazendo uma profunda revisão em sua carteira de investimentos. O objetivo é reduzir sua exposição na renda variável.
Com participação acionária em muitas das grandes empresas de capital aberto do País, o fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil montou um detalhado cronograma de venda de ações. “Não vamos sair vendendo nossas ações a qualquer preço, mas estamos atentos às boas oportunidades de venda que surgirem para as nossas participações”, diz o presidente da Previ, Sérgio Rosa. A fundação guarda a sete chaves as suas metas de venda de ativos.
Pelo seu tamanho e por ter como patrocinador um banco público, o Banco do Brasil, a Previ passou as últimas décadas sendo usada pelo governo como um importante instrumento de fomento às empresas e também ao mercado de capitais. “Era natural que isso acontecesse, principalmente por ser um fundo de pensão com tantos recursos num país que carece tanto de dinheiro”, diz Rosa. Segundo ele, na maioria das vezes essa interferência do governo resultou em participações problemáticas para a fundação, as quais ela tenta resolver, quando é possível, ou vender quando as chances de resolver a pendenga são muito baixas.
A participação na Usiminas pode ser a primeira grande venda da Previ dentro dessa estratégia de reduzir sua exposição em renda variável. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) demonstrou, publicamente, interesse em comprar a participação tanto da Previ quanto da Vale do Rio Doce na Usiminas. A Vale possui 11,46% do capital total da siderúrgica e a Previ 8,02%. Segundo Rosa, o BNDES ainda não fez uma proposta formal de compra. De qualquer forma, o presidente afirma que a fundação tem interesse em vender sua parte dentro da companhia, mas já avisa: “Tudo depende de preço”.
Privatização – Nesses 100 anos de vida, a fundação também foi peça importante dentro dos processos de privatização, participando ativamente de diversos consórcios que se formaram para adquirir companhias privatizadas. Atualmente, a maior dor de cabeça da Previ, reconhecida por seu próprio presidente, chama-se Brasil Telecom, e é resultado da privatização do sistema Telebrás, realizada em 1998. A Previ, junto com outros fundos de pensão e com o banco Opportunity, investiu num fundo de private equity que, junto com outro fundo espelho que tinha o Citicorp como investidor, comprou o controle de várias estatais, entre elas empresas telefônicas que resultaram na criação da Brasil Telecom. “O Opportunity tirou os nossos direitos e nos deixou em uma situação delicada, dentro de uma companhia na qual investimos muitos recursos”, diz Rosa. Depois de muito esforço e articulação política, a Previ e os demais fundos de pensão conseguiram destituir o Opportunity da gestão na Brasil Telecom e, mais recentemente, nomearam o fundo de private equity Angra Partners para cuidar de seus interesses dentro da companhia. “O que mais esperamos é que o fundo (o de private equity) reconquiste os direitos societários que o Opportunity nos tirou”, torce Rosa.
A participação da Previ dentro da Ambev é outro caso que mostrou-se um manancial interminável de problemas. A empresa é altamente lucrativa e vai muito bem, obrigada. No entanto, os seus três principais controladores (Jorge Paulo Lemann, Carlos Alberto Sicupira e Marcel Telles) fizeram uma parceria com a belga Interbrew, que resultou em ganhos de cerca de R$ 6 bilhões para eles e prejuízos para os minoritários, como a Previ, que chegou a contabilizar perdas de R$ 900 milhões.
A Previ entrou com pedido de representação na Comissão de Valores Mobiliários (CVM) questionando alguns pontos da troca de ações entre a Ambev e a Interbrew. A fundação contesta, principalmente, os termos em que se deu a incorporação da canadense Labatt e um possível conflito de interesses no voto dos três principais controladores da Ambev na aprovação da operação. “Eles não poderiam nunca votar em uma operação na qual são os grandes beneficiados”, diz o presidente da Previ.
CVM morosa – Na visão de Rosa, a CVM pecou em deixar a operação seguir em frente nestes termos. “A CVM tinha argumentos mais do que suficientes para barrar o negócio”. O presidente da Previ vai além e critica a gestão de Luiz Leonardo Cantidiano como presidente da autarquia. “Como xerife do mercado de capitais, a CVM precisa, mais do que qualquer outra entidade, agir com rapidez e rigidez. No entanto, foi morosa e, muitas vezes, negligente”, dispara.
Ele acredita que, a partir de agora, sob a batuta de Marcelo Trindade, a CVM só tem a ganhar. “Ele é um homem justo e ágil. Não acredito que deixará impunes operações que de alguma maneira possam prejudicar os acionistas”, diz.
Além de ter como meta reduzir sua exposição em renda variável, a Previ também está preocupada em levar os principais conceitos de boas práticas de governança corporativa às empresas nas quais participa. E a fundação tem poder de fogo para tanto: tem em sua carteira 166 papéis (entre ordinárias e preferenciais) de 150 companhias diferentes; em 95 delas indica um representante para o conselho de administração; e em 20 faz parte do bloco de controle, como no caso da Vale do Rio Doce. “Os grandes fundos de pensão internacionais foram os principais responsáveis pela adoção dos princípios de governança nas companhias abertas onde possuem algum tipo de participação. Os fundos brasileiros precisam fazer o mesmo”, diz Rosa.
Nos últimos meses, os diretores da fundação viajaram para o exterior com o objetivo de conhecer de perto a experiência de alguns fundos, como o Calpers – dos professores da Califórnia. Este é o maior fundo de pensão do mundo e uma peça importante em termos de governança corporativa e responsabilidade social. A fundação norte-americana já decidiu, por exemplo, que não teria mais ações de empresas de bebidas, fumo, tabaco, armas ou que tenha alguma ligação com trabalho escravo.
A Previ não tem ficado atrás. Junto com outros fundos ou investidores estratégicos têm conseguido mudanças importantes dentro das empresas. A mais recente foi na Marcopolo. Previ, Centrus (dos funcionários do Banco Central) e Bradesco Templeton (os três principais minoritários) conseguiram nomear dois dos três representantes do conselho fiscal da empresa. É a primeira companhia aberta com conselho fiscal formado em sua maioria por membros indicados pelos minoritários. Pela lei das S.A., o controlador pode ter 50% mais um dos assentos no conselho.
Juros X PPP – Conhecida pela sua grande exposição em renda variável (cerca de 60% do total de ativos estão aplicados em ações), a Previ também está dedicada em aumentar a diversificação dos investimentos. Para isso, vem analisando com atenção todas as oportunidades, inclusive, as mais novas, como as Parcerias Público-Privadas (PPPs). Na visão do presidente da Previ, as PPPs serão boas opções de investimentos para as fundações, mas a médio prazo. “Por enquanto, os títulos públicos ainda oferecem excelentes rentabilidades. É o setor produtivo ainda concorrendo com os juros pagos pelo governo para conseguir se financiar”, diz Rosa.
Ele acredita que a partir do ano que vem, com a taxa de juros em patamares mais baixos e o crescimento econômico maior, as fundações devem se interessar mais pelos projetos das PPPs. Para isso, no entanto, na opinião do presidente da Previ, o governo precisará melhorar o arcabouço legal das PPPs, principalmente no tocante às garantias. “Da forma como está dificilmente as fundações se sentirão seguras para investir”, finaliza Rosa.
Previ cria dois fundos de governança
Preocupada em alcançar o melhor desempenho em toda a sua carteira de renda variável e não apenas nas empresas nas quais tem uma participação relevante do capital, a Previ resolveu terceirizar uma parte da gestão em duas carteiras de governança corporativa. Os bancos Fator e Bradesco foram os escolhidos para cuidar de cada uma delas. “É impossível administrar sozinho uma carteira inteira como a da Previ, composta por 166 ações diferentes”, diz o diretor de investimentos da Previ, Luiz Carlos Siqueira Aguiar.
A fundação terceirizou a gestão de 21 ações de 18 companhias abertas, que possuem baixa liquidez em bolsa e que, por isso, necessitam de um trabalho mais intenso de governança corporativa junto aos controladores. Isso pode significar desde uma simples mudança no conselho de administração até uma operação de aumento de capital, com a colocação dos papéis em bolsa. O objetivo final, segundo Aguiar, é melhorar a liquidez das ações, preparando o terreno para, mais tarde, vender essas participações e ainda embolsar um lucro. Já os papéis de companhias nas quais a fundação tem participação relevante (fazendo parte ou não do bloco de controle), esses continuam administrados dentro de casa. “No caso dessas empresas, é estratégico acompanharmos os acontecimentos dia-a-dia”, diz o diretor.
O Bradesco e o Fator, ambos já possuem larga experiência na gestão de fundos de governança corporativa, foram escolhidos entre 16 administradoras de recursos de terceiros. Segundo Aguiar, apesar do número reduzido de ações (21, com patrimônio total de R$ 540 milhões), a fundação escolheu dois gestores diferentes exatamente para haver o mínimo de concorrência, beneficiando exclusivamente a Previ.